Crônica: A contadeira de histórias
Viriato Corrêa
Vovó Candinha é outra figura que nunca
se apagou de minha recordação.
Não havia, realmente, mulher que
tivesse maior prestígio para as crianças de minha idade. Para nós, era um ser à
parte, quase sobrenatural, que se não confundia com as outras criaturas. É que
ninguém no mundo contava melhor histórias de fadas do que ela.
Devia ter seus setenta anos: rija,
gorda, preta, bem preta e a cabeça branca como algodão em pasta.
Morava distante. Vinha ao povoado, de
quando em quando, visitar a Luzia, sua filha caçula, casada com o Lourenço
Sapateiro.
E quando corria a notícia de que ela ia
chegar, a meninada se assanhava como se ficasse à espera de uma festa. Não
saíamos da porta da Luzia, perguntando insistentemente:
— Quando ela chega?
— Traz muitas histórias bonitas?
— Traz muitas novas?
Era pela manhã que vovó Candinha
costumava chegar. O dia nem sempre havia acabado de nascer e já a pequenada
estava à beira do rio para recebê-la. Mal ia saltando da canoa, nós corríamos a
abraçá-la com tanta afoiteza e tanta efusão que havia perigo de lhe rasgarmos o
vestido rodado, de chita ramalhuda.
— Quantas histórias a vovó traz?
perguntávamos.
— Um bandão delas, respondia a velha.
De dia não conseguíamos que ela nos
contasse, história nenhuma.
— Quem conta histórias de dia, dizia,
negando-se, cria rabo como macaco.
Mal a noite começava a cair, a meninada
caminhava para a casa de Luzia, como se se dirigisse para um teatro. Após o
jantar, vovó Candinha vinha então sentar-se ao batente da porta que dava para o
terreiro.
Enquanto se esperavam os retardatários,
ela fumava pachorrentamente o seu cachimbo.
Sentávamo-nos em derredor, caladinhos,
de ouvido atento, como não fora tão atento o nosso ouvido na escola.
Ela começava:
— Era uma vez uma princesa muito
orgulhosa, que fez grande má-criação à fada sua madrinha...
Acendiam-se os nossos olhos, batiam
emocionados os nossos corações...
Não sei se é impressão de meninice, mas
a verdade é que até hoje, não encontrei ninguém que tivesse mais jeito para
contar histórias infantis.
Na sua boca, as coisas simples e as
coisas insignificantes tomavam um tom de grandeza que nos arrebatava; tudo era
surpresa e maravilha que nos entrava de um jacto na compreensão e no
entusiasmo.
E não sei onde ela ia buscar tanta
coisa bonita. Ora eram princesas formosas, aprisionadas em palácios de coral,
erguidos no fundo do oceano ou das florestas; ora reis apaixonados que
abandonavam o trono para procurar pelo mundo a mulher amada, que as fadas
invejosas tinham transformado em coruja ou rã.
Não
perdíamos uma só das suas palavras, um só dos seus gestos.
Ela ia contando, contando... Os nossos
olhinhos nem piscavam...
A lua, como se fosse uma princesa
encantada, ia vagando pelo céu, toda vestida de branco, a mandar para a terra a
suavidade dos seus alvos véus de virgem.
Lá pelas tantas, um de nós encostava a
cabeça no companheiro mais próximo e fechava os olhos cansado. Depois outro;
depois outro.
E quando vovó Candinha acabava a
história, todos nós dormíamos uns encostados aos outros, a sonhar com os
palácios do fundo do mar, com as fadas e as princesas maravilhosas.
Viriato Corrêa. Cazuza.
27. ed. São Paulo: Nacional, 1997. p. 16-7.
Entendendo a crônica:
01 – Quem é Vovó Candinha na
crônica "A Contadeira de Histórias"?
Vovó Candinha é uma personagem destacada
na crônica "A Contadeira de Histórias" de Viriato Corrêa. Ela é uma
mulher idosa, negra, robusta, conhecida por sua habilidade em contar histórias
de fadas.
02 – Como as crianças viam
Vovó Candinha na narrativa?
Na perspectiva das crianças na narrativa,
Vovó Candinha era vista como uma figura quase sobrenatural, com grande
prestígio e habilidade extraordinária em contar histórias de fadas.
03 – Onde Vovó Candinha morava
e como era a sua visita ao povoado?
Vovó Candinha
morava distante e ocasionalmente visitava o povoado para ver sua filha caçula,
Luzia, casada com Lourenço Sapateiro. Sua chegada era aguardada com grande
expectativa pela criançada.
04 – Quando e como as crianças
recebiam Vovó Candinha em suas visitas?
As crianças recebiam Vovó Candinha à
beira do rio, pela manhã, quando ela chegava. Corriam para abraçá-la com
entusiasmo, ansiosas por ouvir suas histórias de fadas.
05 – Por que as crianças não
conseguiam que Vovó Candinha contasse histórias durante o dia?
Vovó Candinha se recusava a contar
histórias durante o dia, alegando que quem conta histórias de dia cria rabo
como macaco. As narrativas aconteciam à noite, após o jantar.
06 – Como as crianças reagiam
quando Vovó Candinha começava a contar suas histórias à noite?
As crianças se
sentavam ao redor de Vovó Candinha, com ouvidos atentos e olhos brilhantes,
emocionadas com suas histórias de fadas. Os corações batiam emocionados e os
olhos se acendiam.
07 – Como o autor descreve a
habilidade de Vovó Candinha em contar histórias infantis?
O autor descreve
a habilidade de Vovó Candinha como única e incomparável. Segundo o narrador,
até hoje, não encontrou ninguém com tanto jeito para contar histórias infantis
como ela, destacando a capacidade de transformar coisas simples em surpresas e
maravilhas que cativavam as crianças.
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