quarta-feira, 24 de janeiro de 2024

CRÔNICA: DELÍRIOS DE HONESTIDADE - WALCYR CARRASCO - COM GABARITO

 Crônica: Delírios de Honestidade

                Walcyr Carrasco

OUTRO DIA EU ESTAVA pensando em como seria o mundo se as pessoas fossem realmente honestas. Inclusive no mais prosaico cotidiano. Eu me imagino entrando em uma dessas churrascarias de luxo. Sento-me à mesa e peço um filé bem passado ao garçom. Ele me alerta:

— Não aconselho. O filé hoje está uma sola de sapato.

Fonte: https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEifWeV-_IqlTpcdLXM8T5OQNUTEgS78GLR89AlVJvJw6pe3206AriDBqOAo0uIjojjS_HW0wLArp1Z8mKUx3epWVa2bBtpcUKBkGN3F9e4kX1E5ORSApxZ_Mkf4kR5XqwnAO-dWwUWjr20BJq_2WDtNOdedzxqlklHP52ay-oBZdOzBFsCe2uAwAVtVzh4/s320/HONESTIDADE.jpg


— Peço o quê?

— Peça licença e vá para outro lugar. Olhe bem o cardápio. Pelo preço de um bife o senhor compra mais de 1 quilo no açougue. Quer jogar seu dinheiro fora?

Vou para outro e escolho: salmão. O garçom:

— Se o senhor quiser, eu trago. Mas salmão, salmão, não é. E surubim, alimentado de forma a ficar com a carne rosada.

Ainda quer?

—Nesse caso fico com escargôs.

— Lesmas, quer dizer? Por que não vai catar no jardim?

Ou então entro numa butique de grife. Experimento um jeans, que está apertadinho na barriga. O vendedor aproxima-se:

— Ficou bom? Ah, não ficou, não, está apertado e não tenho um número maior.

— Acho que dá... ando pensando em fazer regime.

— Pois compre depois de obter algum resultado. Se bem que não sei,

não... essa barriga parece coisa consolidada.

-— Eu quero o jeans. Quero e pronto!

— Não vou deixar que cometa essa loucura. Aliás, falando francamente, o que o senhor viu nesse jeans, que nem cai bem nas suas adiposidades? Só pode ser a etiqueta. Meu amigo, ainda acredita em grife?

Corro à casa de chocolates e peço um dietético. A mocinha no balcão:

— Confia nessa história de dietético? Ou só quer calar a sua consciência?

— E se eu quiser confiar, estou proibido?

— Pois saiba que engorda. Menos que o chocolate comum, mas engorda. E o senhor não me parece em condição de fazer concessões a doces. Não vou contribuir para o seu autoengano, jamais poria esse chocolate nas suas mãos. Vá à feira e peça um jiló.

Resolvo trocar de carro. Passeio pela concessionária, escolho: 

 — Este vermelho, que tal?

— O motor funde mais dia, menos dia — alerta o vendedor.

— Parece tão bonitinho...

— Desculpe, mas você acha que a lataria anda sozinha? Já alertei o dono

da loja, este carro está péssimo. Fique com aquele.

— Mas é velho e horroroso!

— Pode ser, mas anda. Está decidido, leve aquele. E não discuta!

O embate com a honestidade absoluta também poderia ser numa galeria de

arte.

— Gostei daquele -— aponto o quadro à marchande.

-— Está precisando de pano de chão?

— Não... é que... bem, posso não entender de arte, mas achei bonito.

 — Sinceramente, o senhor não entende mesmo. Isto aqui é um horror. Não vale a tinta que gastou. Está exposto porque o dono da galeria insistiu. Leve aquele, é valorização na certa.

— Aquele? É muito sombrio... eu queria alguma coisa alegre e...

— Não insista. Sombrio ou não, vou embrulhar. Faça o cheque, é melhor

pra você.

E numa loja de móveis? Mostro as cadeiras que me interessam. O decorador:

— É amigo de algum ortopedista?

— Está precisando de um? Posso indicar...

— Você é quem vai precisar. Essas cadeiras vão desmontar na terceira

vez em que alguém se sentar. Fratura na certa,

— Caras assim e desmontam? Eu devia chamar o Procon.

— Se quiser, eu chamo para o senhor!

Pior seria alguma vaidosa querendo fazer plástica. O cirurgião examina:

— Hum... hum...

— Meu nariz vai ficar bom, doutor?

— Se a senhora se contenta em trocar uma picareta por um parafuso, fica! Agora, se ambiciona uma melhora significativa, o melhor é morrer e reencarnar de novo. Pode ser que tenha mais sorte.

A paciente sai chorando. Eu, que vivo me irritando com vendedores, chego a uma conclusão: quero comprar o jeans que me oprime a barriga, o chocolate que não emagrece e o quadro colorido. Deliciar-me com as pequenas fantasias. Feitas as contas, delírios de honestidade podem transformar-se em pesadelos cruéis. Os pequenos enganos abrem as comportas dos pequenos sonhos e adoçam o dia-a-dia.

Entendendo o texto

01. Qual é o tema central da crônica "Delírios de Honestidade" de Walcyr Carrasco?

a) Romance.
b) Filosofia.
c) Honestidade.
d) Suspense.

02. Quem é o narrador na crônica?

        a) Primeira pessoa.
        b) Segunda pessoa.
        c) Terceira pessoa.
        d) Narrador onisciente.

03. Qual é a marca de subjetividade presente na crônica?

      a) Imparcialidade.
      b) Objetividade.
      c) Neutralidade.
      d) Opinião pessoal.

04. Onde ocorre o embate com a honestidade absoluta na crônica?

     a) Concessionária de carros.
     b) Galeria de arte.
     c) Casa de chocolates.
     d) Todas as opções estão corretas.

05.  Qual é a função social abordada na crônica?

      a) Educação.
      b) Saúde.
      c) Consumismo.
      d) Meio ambiente.

06. Qual é a linguagem predominante na crônica?

      a) Técnica.
      b) Coloquial.
      c) Formal.
     d) Científica.

07. Quem alerta o protagonista sobre a qualidade do filé na churrascaria?

      a) Garçom.
      b) Cozinheiro.
      c) Cliente ao lado.
      d) Ninguém, ele decide por conta própria.

08.Na loja de móveis, qual é a crítica feita pelo decorador em relação às cadeiras escolhidas?

      a) São desconfortáveis.
      b) São muito caras.
      c) São frágeis e podem desmontar.
      d) Não combinam com a decoração.

09. Qual é a reação do cirurgião em relação à paciente que deseja fazer plástica?

      a) Ele incentiva a cirurgia.
      b) Ele sugere uma alternativa.
      c) Ele desencoraja a paciente.
      d) Ele fica indiferente.

10. Qual é o sentimento final do protagonista em relação aos "delírios de honestidade"?

     a) Arrependimento.
     b) Alívio.
     c) Satisfação.
     d) Nostalgia.

 

 

 

 

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