Crônica: O Trauma dos Carecas
Walcyr Carrasco
NUNCA ENTENDI O
HORROR que os carecas têm da própria calva. Talvez porque meus cabelos cresçam
como capim. Já constatei o sofrimento de quem, devido aos lances da genética,
ostenta a cabeça reluzente. Conheci um senhor bem-posto na vida que só andava
de terno e gravata. Finíssimo! Mas também, carequíssimo. Para disfarçar,
penteava o topete de um extremo da
cabeça até o outro. Ficava muito estranho. A risca do cabelo ficava na altura
da orelha. Para mantê-los no lugar, mergulhava os fios em um gel gosmento. Se
batia um ventinho, o cabelo todo se erguia, que nem um tapete! Ao conversar com
ele, meus olhos se fixavam na careca. Um
brilho de fúria surgia em suas pupilas. Eu tentava disfarçar. Dali a pouco,
estava de olho na careca. Que constrangimento!
E quando o careca
usa peruca? Nada é mais óbvio do que peruca com franja. A franja costuma ter
uma aparência juvenil. Depois de uma certa idade, ninguém usa franja. Só os
carecas. Ou seja, a peruca não serve como disfarce. Equivale a botar um cartaz
anunciando: "Debaixo deste cabelo falso tem aeroporto de mosquito!".
Às vezes, com o
hábito, o dono nem presta muita atenção na própria peruca. Bota torta. E o tom
dos cabelos? O. loiro é parecido com pelagem de cavalo. O castanho, rebrilhoso.
Ainda se salvam as pretas, que disfarçam mais. Existem técnicas modernas. Uma
delas é uma espécie de tela, colada sobre a calva. Mistura-se com o cabelo.
Parece normal até que os cachinhos começam a se espalhar. O cabelo cresce que
nem samambaia. O topo continua curto!
Mas ninguém cometa a
gafe que eu já cometi, com minha delicadeza
peculiar.
— Ah, você usa
peruca?
Terá um inimigo pelo
resto da vida!
Há algum tempo
encontrei um amigo em um bar. Parecia ter se tornado um... ex-careca! O topo da
cabeça absolutamente preto. Sem franja. Peruca não era. Já estava prestes a
perguntar qual o tratamento miraculoso. Quando descobri: era uma espécie de
tinta! Tinha pintado a calva de preto! De longe, parecia cabelo. De perto, era
horroroso. Agora, o pior é a situação de constrangimento em que esses carecas
botam um sujeito que tenta ser bem-educado. Eu não podia agir como se tivesse
percebido! Passei a noite inteira fingindo que ter o topo da cabeça asfaltado
era absolutamente normal!
Outro amigo, Carlos,
um arquiteto, era um sujeito charmoso. Fazia o maior sucesso com as mulheres.
Estranhei quando começou a economizar para comprar frascos e mais frascos de
uma substância americana recém-lançada. Tinha uma careca lustrosa, mas nunca
imaginei que fosse problema. Até que fui jantar em sua casa. Mostrou,
orgulhoso.
— Veja, já cresceram
três fios!
Bem, ele tinha dois.
Com os três davam cinco. Todos os cinco espetados no alto da cabeça, que nem as
palmeiras da avenida Faria Lima! Brinquei:
— Daqui a pouco você
vai poder fazer maria-chiquinha!
Quem disse que
careca tem senso de humor? Emburrou, e emburrado
continua!
Outro amigo
confessou.
— Usei peruca anos e
anos. Até o dia em que fui para o mar. As ondas levaram, a peruca! Foi um
deus-nos-acuda para tentar salvar, enquanto todo mundo ria. Que situação!
Hoje passeia a carequice para cima e para baixo. Feliz. Mas reconheço. Ser careca deve causar um sentimento de horror, que ninguém mais é capaz de compreender. Ainda bem que a moda mudou. Há quem raspe a cabeça por gosto! Muitos carecas raspam tudo e fingem que é para ser fashion. Mas grande parte continua atrás da peruca ideal, aquela tão perfeita... que até pareça de verdade!
Entendendo o texto
01. Quem narra a
crônica "O Trauma dos Carecas"?
a) Um senhor bem posto.
b) Um observador de cabelos crescidos.
c)
Um amigo do narrador.
d) Um careca charmoso.
02. O que o narrador
nunca entendeu sobre os carecas?
a) Seu sofrimento.
b) Sua obsessão por penteados.
c) Seus hábitos alimentares.
d) Seu amor por ossos.
03. Como o senhor
bem-posto tentou disfarçar a calva?
a) Usando ossos.
b) Penteando um topete.
c) Rasgando a calva.
d) Pintando o cabelo de preto.
04. O que o narrador
comenta sobre o uso de peruca pelos carecas?
a) Que é uma tentativa óbvia de disfarce.
b) Que é uma moda passageira.
c) Que é uma tradição antiga.
d) Que é uma solução permanente.
05. Qual é a gafe
que o narrador comete ao descobrir que alguém usa peruca?
a) Pergunta diretamente: "Ah, você
usa peruca?".
b) Ri da pessoa usando peruca.
c) Ignorar a situação.
d) Oferece uma peruca de presente.
06. Como o amigo do
narrador disfarçava a calva?
a) Usando uma peruca com franja.
b) Pintando a
calva de preto.
c) Rasgando o cabelo para parecer natural.
d) Utilizando uma tela colada sobre a
calva.
07. Qual foi a
ocorrência do narrador ao perceber que o amigo tinha apenas três fios de
cabelo?
a) Riu e sugeriu
fazer maria-chiquinha.
b) Ficou interessado com o crescimento
capilar.
c) Ignorou o assunto.
d) Ofereceu ajuda para resolver o
problema.
08. Como o amigo
arquiteto reagiu à brincadeira sobre os fios de cabelo?
a) Ficou alegre e fez maria-chiquinha.
b) Emburrou e ficou emburrado.
c) Agradeceu pelo senso de humor.
d) Rasgou os cabelos de frustração.
09. O que o amigo
confessou sobre seu uso de peruca?
a) Que a usava para se proteger do sol.
b) Que a perdeu no mar durante uma viagem.
c) Que você usou por anos e anos.
d)
Que a falou apenas em graças especiais.
10. Como a moda
mudou, de acordo com o narrador, em relação aos carecas?
a) Eles raspariam a cabeça para serem
fashion.
b) Eles usariam perucas cada vez mais
realistas.
c) Eles abandonariam a ideia de disfarces
capilares.
d) Eles continuariam buscando a peruca
perfeita.
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