Crônica: Medo da Velhice
Walcyr Carrasco
HÁ POUCOS DIAS EU ESTAVA no aeroporto, prestes
a pegar a ponte aérea. Carregava a maleta um tanto pesada, com livros, agendas,
remédio para o colesterol e tudo aquilo que dá medo de despachar e perder.
Andei até o avião. Meu ombro doía. De
repente me veio a sensação.
— O que farei quando for idoso e não der conta
de levar este peso?
Foi desconfortável. À medida que fico maduro,
tomo consciência de que a cidade é feita para quem está no auge da saúde, com
força total. Não gosto de chover no molhado, e cair em saudosismo romântico,
dizendo que antes era bem melhor. Mas há uns trinta anos eu quebrei o braço
direito e andei de tipoia um bom tempo. Nunca havia imaginado que as pessoas
pudessem ser tão simpáticas e solidárias. Sempre havia alguém para me ajudar a
subir no ônibus ou carregar meus livros escolares. Ofereciam-me o lugar para
sentar. Uma colega copiava as anotações da universidade no meu caderno. Agora
parece que esse tipo de solidariedade automática, desinteressada, anda em
extinção. São frequentes as reportagens sobre as peruas que não param para
idosos. Quando saiu a lei do passe livre, minha mãe e minhas tias se divertiam
visitando-se mutuamente. Sentiam-se especiais, bem-cuidadas. Hoje me dói o
coração quando passo em frente a um ponto de ônibus e vejo um grupo de velhas,
muitas vezes no vento e no frio, esperando um tempo absurdo pelo transporte —
como se fosse uma esmola. Pior: nem que queiram pagar conseguem. Muitos
motoristas fogem diante dos cabelos brancos.
Se entro em uma loja vejo uma senhora idosa examinando
um artigo em promoção, invariavelmente a vendedora está com ar impaciente.
Prefere atender gente com vontade de comprar mais depressa. Pessoas idosas são
muitas vezes solitárias. Gostam de conversar um pouco mais, de ter uma conversa
amigável com o vendedor, com o garçom. Soube de uma senhora, de origem
norte-americana, que ficou sozinha no mundo. Mudou-se para um hotel médio, no
centro da cidade, para sentir-se mais segura e protegida. Eu costumava jantar
no restaurante desse hotel. Invariavelmente ouvia queixas de que ela era chata,
impaciente, que reclamava muito. Ninguém parecia entender que se tratava de uma
mulher sem parentes, em um país estranho, provavelmente assustada.
Necessitando, simplesmente, de um pouco de calor humano. Acabou se mudando,
nunca soube para onde.
Conversando com um amigo dedicado a causas
sociais, descobri que existem muitos voluntários para programas ligados à
infância. Um número expressivamente menor para idosos. Como se pelo fato de já
terem idade, não tivessem tanta importância assim. Mesmo nas famílias. As
pessoas estão o tempo todo muito ocupadas. São poucas as com disposição para
passar uma tarde ou uma noite batendo papo, preparando um jantarzinho melhor,
trocando afeto. O velho é obrigado a entender que a vida do neto corre
depressa, e que ele não tem paciência para seu ritmo mais lento, para suas
recordações, para seu modo de ver o mundo. Talvez diferente, talvez
conservador, mas nem por isso a troca de experiências seria menos válida.
Penso que nossos ancestrais sabiam lidar melhor
com a velhice. Viviam em cidades menores, os vizinhos se conheciam, e um
ajudava o outro. Sempre havia alguém para fazer uma sopa, para pedir ajuda em
caso de doença. Na cidade grande, é sempre uma correria onde frequentemente se
esquecem os valores humanos. É duro olhar para esse mundo e se perguntar:
O
que será de mim, quando for velho?
Talvez, se todos se fizessem a mesma pergunta, as coisas poderiam melhorar a partir de agora.
Entendendo o texto
01. Qual é o tema central abordado na crônica
"Medo da Velhice" de Walcyr Carrasco?
a)
Viagens de avião.
b) Solidariedade na juventude.
c) Desafios
enfrentados por idosos na sociedade.
d) A experiência de quebrar um
braço.
02. Quem é o narrador na crônica?
a)
Terceira pessoa.
b) Uma personagem idosa.
c) Primeira
pessoa.
d) Um observador externo.
03. O que o narrador carregava consigo no
aeroporto?
a) Livros, agendas e remédio para o colesterol.
b) Roupas e sapatos.
c) Comida e bebida.
d) Brinquedos e presentes.
04. Qual é a sensação desconfortável que o narrador
sente no aeroporto?
a) Medo
de voar.
b) Dor no
ombro.
c) Solidariedade.
d) Nostalgia.
05. O que o narrador destaca como uma experiência
de solidariedade automática no passado?
a)
Oferecimento de lugar no ônibus.
b) Carregar livros escolares.
c) Copiar anotações na universidade.
d) Todas as
opções acima.
06. Segundo o narrador, o que frequentemente
acontece nos dias atuais em relação aos idosos nos pontos de ônibus?
a) Recebem
esmola.
b) São ignorados pelos motoristas.
c) Fogem dos cabelos brancos.
d) Todas as
opções acima.
07. O que o narrador percebe ao entrar em uma loja
e ver uma senhora idosa examinando um artigo em promoção?
a) A vendedora está impaciente.
b) A vendedora está solícita.
c) A vendedora está sorridente.
d) A vendedora está desinteressada.
08. O que o narrador destaca como uma dificuldade
enfrentada pelos idosos em relação à solidariedade na sociedade?
a) Falta
de voluntários para programas ligados ao idoso.
b) Falta de disposição das pessoas
em passar tempo com idosos.
c) Apresso das pessoas em relação à
vida do neto.
d) Todas as
opções acima.
09. Segundo o narrador, como era a convivência com
a velhice em cidades menores no passado?
a) As
pessoas se conheciam e ajudavam umas às outras.
b) Sempre havia alguém para fazer
uma sopa ou ajudar em caso de doença.
c) Os vizinhos eram mais solidários.
d) Todas as opções acima.
10. Qual é a reflexão final do narrador em relação
à velhice e à sociedade atual?
a) Todos deveriam se fazer a mesma pergunta para melhorar as coisas.
b) O narrador não se preocupa com
o futuro.
c) A sociedade moderna é mais
solidária com os idosos.
d) A velhice era melhor no passado.
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