Crônica: O Império do Silicone
Walcyr Carrasco
ANDO ESPANTADO com o número de pessoas que vem
fazendo plástica e lipoaspiração. Conheço uma senhora que deve ter sido
pioneira das operações. Pelos meus cálculos, tem uns setenta anos. A aparência
é absolutamente indefinível:
— Quando sua família veio do Japão? — perguntei
gentilmente, dia
desses.
Momento constrangedor.
.— Sou quatrocentona — respondeu. — Não há um
oriental em minha
família!
Seus olhos são tão puxados que eu juraria...
Faz parte da época em que se esticava tudo. Os olhos chegavam às orelhas. Uma
atriz, certa vez, ficou sem fechar os olhos seis meses. De tão esticada, não
conseguia. Dormia com máscara. Atualmente a plástica avançou. É mais sutil. Mas
no passado, tudo isso era feito discretamente. Senhoras de mais idade se
recusam a confessar as plásticas.
— Nunca precisei — garante minha conhecida,
embora suas orelhas, de
tão puxadas, já estejam se encontrando atrás da
cabeça.
O grande fenômeno dos últimos tempos não está
na medicina, mas na sociedade. Tornou-se chique falar em botar silicone, fazer
lipo. As mais famosas anunciam aos quatro ventos:
-— Vou fazer o peito, o braço, os joelhos, as
coxas...
Tornou-se maravilhoso ser transformado em uma
experiência cibernética! Meu vizinho já entrou na lipo umas seis vezes.
Arranca as adiposidades. Mal convalesce, vai na
churrascaria. Enche o bucho com quindins. Dali a pouco, a calça não fecha de
novo.
— Está na hora de fazer uma recauchutagem —
avisa.
Aconselho:
— Lipo não é para emagrecer. Só deve ser feita
depois do regime!
Ele concorda, sorrindo. E se interna no dia
seguinte.
Claro que não resisti. Fui fazer uma consulta.
Tirei a camisa e mostrei a
barriga. Parecia um barril. Mas a plástica não
faz milagres?
-— Quero ficar mais ou menos como o Reynaldo
Gianechini — expliquei.
O médico me observou. Por um instante, pensei
que fosse prescrever uma camisa-de-força. Apalpou-me.
— Bem que eu gostaria de tirar sua barriga —
explicou. — Nesse caso saberia o que fazer com a minha, que é bem pior.
Abriu a camisa. O umbigo derramou-se para fora.
Oh, horror!
Explicou que temos o mesmo tipo de abdome, com
gordura espalhada. Lipo não adiantava. Só uma operação. A barriga ficaria
esticadíssima. Eu teria de ficar dobrado em dois durante alguns meses, até a
barriga recuperar a flexibilidade.
— Tem garantia contra torresmos? — perguntei.
Olhou-me dolorosamente. Não, não havia.
Bastavam algumas picanhas bem gordurosas para eu voltar a ser o que sou!
Fui visitar uma amiga, conhecida pelos decotes. Estava murcha.
— Tirei o silicone -— revelou.
— Por quê?
— É mais ou menos como mudar de corte de
cabelo. Uma hora a gente põe, outra hora tira. A semana que vem, faço o rosto.
Tenho
um crédito. Qualquer hora boto os seios de novo!
Um amigo trouxe a solução definitiva para minha
barriga. Uma prótese. Inventaram placas para ser colocadas no peito e no
abdome. A do tórax simula músculos de atleta. A outra faz a gente ficar com
barriga de tanquinho, como qualquer surfista.
— Mas escute... e minhas medidas? A tal barriga
de tanquinho vai ser projetada para a frente. Vai ficar parecendo uma máquina
de lavar.
Silêncio. Ninguém havia pensado nisso.
Desisti. Será que daqui a alguns anos vamos esquecer como eram os narizes, as orelhas, o jeito do rosto, antes de todo mundo querer atingir determinado padrão de beleza? Orelhas grandes não têm charme? Nariz torto? Tudo bem, querer ficar mais bonito. Mas ainda não consigo entender por que as pessoas andam fazendo tanta plástica. O que era segredo, tornou-se motivo de ostentação.
Entendendo o texto
01.
Qual é o assunto central da crônica "O Império do Silicone" de Walcyr
Carrasco?
a) Medicina avançada.
b)
Cirurgias plásticas.
c) Estilo de vida saudável.
d) Beleza natural.
02.
Quem é o narrador na crônica?
a) Primeira pessoa.
b) Segunda pessoa.
c) Terceira pessoa.
d) Narrador onisciente.
03.
Onde o narrador percebe o fenômeno da sociedade em relação à cirurgia plástica?
a) No hospital.
b) Na escola.
c) Na academia.
d) Na
sociedade em geral.
04.
Qual é a marca de subjetividade presente na crônica?
a) Imparcialidade.
b) Objetividade.
c) Neutralidade.
d) Opinião
pessoal.
05.
O que o vizinho do narrador faz após as sessões de lipoaspiração?
a) Faz dieta rigorosa.
b) Vai à academia.
c) Frequenta
a churrascaria.
d) Faz sessões de
bronzeamento.
06.
Qual é o conselho do narrador ao vizinho sobre a lipoaspiração?
a)
Fazer a lipo antes do regime.
b) Não fazer a lipo após o regime.
c) Não fazer
a lipo para emagrecer.
d) Fazer a lipo mesmo sem
fazer regime.
07.
O que o médico diz sobre a barriga do narrador?
a) Recomenda uma dieta.
b) Sugere uma nova técnica de
lipoaspiração.
c) Afirma
que a lipo não é suficiente.
d) Propõe um tratamento não cirúrgico.
08.
Por que a amiga do narrador tirou o silicone?
a) Por razões de saúde.
b) Por
mudança de moda.
c) Por recomendação médica.
d) Por arrependimento.
09.
O que o amigo do narrador sugere como solução definitiva para a barriga?
a) Lipoaspiração.
b) Prótese.
c) Dieta.
d) Exercícios físicos.
10.
O que o narrador questiona no final da crônica sobre as cirurgias plásticas?
a) A eficácia dos procedimentos.
b) A naturalidade da beleza.
c) A busca
por padrões de beleza.
d) A importância da saúde.
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