sexta-feira, 12 de janeiro de 2024

CRÔNICA: MEU PAI, O HOMEM QUE TORCIA POR MIM - WALCYR CARRASCO - COM GABARITO

 Crônica: Meu Pai, o Homem que Torcia por Mim

                Walcyr Carrasco

 SEMPRE QUE VEJO UM CANÁRIO, lembro do meu pai. Cresci

cercado por gaiolas, repletas de espécimes coloridos. Ajudava a dar alpiste, a encher os bebedouros de água. Acompanhava as fêmeas chocando os ovos, pequenos e pintados. Era fantástico ver os filhotinhos piando. Minha mãe preparava uma papa de ração, que meu pai dava com uma colherinha. `As vezes eram tantos os cuidados que eu sentia ciúme. E se gostasse mais dos canários que de mim?

Fonte: https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEj-QM8xj3QNyngzBdYDB3Ljxo-jbabnDVQeHZPiSz1m9Kq3gFBT3N73AtJbdZRLlv_Oth37RgzeKccqgu5CKZhx8ns89ExUw-susCl1tSrIp6mrxh8aKkrWkSVrbc2hswA2kgwPdqBcGyB9zEHn5bc22N0_mjTJQtwHS49w-IYlL7YC2ZiCok5CQWU47io/s320/CANARIO.png


Meu pai não era dado a expansões carinhosas. Talvez porque fosse criado em um meio em que homem não expressava os sentimentos. Talvez porque nunca recebeu muito carinho de seu próprio pai. Saiu de casa aos treze anos e foi morar com um irmão. Teve um problema nos olhos e quase ficou cego, ainda adolescente. Mais tarde, quando quis continuar os estudos, já estava casado e com filhos. Tentou, mas não pôde seguir adiante.

Era ferroviário. Telegrafista. Profissão simples, mal remunerada. A pobreza, na minha infância no interior, era mais digna do que a de hoje em dia. Afinal, ele conseguiu batalhar por um projeto de vida para os filhos. A duras penas, mas conseguiu. Sua maior crença era nos fazer estudar. Meus dois irmãos começaram a aprender música aos seis anos de idade. Eu preferi estudar inglês, desde os dez. Ia à escola pública. Na época o colégio do Estado era prestigiado. Lutava-se para entrar, pela qualidade do ensino. Os professores eram pessoas respeitadas na cidade. Tratadas de maneira especial, pois, afinal, eram professores! Tudo isso pode parecer estranho hoje em dia, quando se ouve falar de escolas depredadas e de alunos que ameaçam os mestres. Mas houve um tempo, e não há tantos anos assim, em que o ensino merecia tratamento especial. Todos os esforços da família eram orientados para nossa educação. Até a fuga dos canários causaria menos dor a meu pai do que ver um filho repetir o ano.

Ganhei minha primeira máquina de escrever aos treze. Já anunciava aos quatro ventos meu desejo de ser escritor. Um dia —: não era Natal nem aniversário — ele veio com a máquina. Modelo simples, portátil. Comprada em prestações a perder de vista. Coloquei a primeira folha de papel sulfite e experimentei a primeira tecla. Nunca vou esquecer a sensação, o cheiro de tinta e a letra surgindo no papel!

Ao longo da vida, tive a chance de sentir seu apoio, várias vezes. Mesmo quando resolvi partir pelo mundo, de mochila nas costas, não ouvi uma palavra de recriminação. Quando voltei, ele continuava torcendo por mim. .

Ficou doente por quase vinte anos. Algum tempo antes da grande partida, teve a percepção de que não duraria muito. Foi ao cartório e fez o documento, pedindo para ser cremado. E outro para doar seus órgãos. Entretanto, quando aconteceu, pareceu tão de repente, tão despropositado! Fica sempre a sensação de que poderia ter ficado conosco por mais tempo, de que faltou falar sobre tantas coisas!

Quando fomos examinar seus papéis, encontramos uma carta, endereçada a todos nós. Escrita para ser aberta depois da partida. Dizia como tinha sido bom ser nosso pai. A palavra de carinho que, em vida, foi tão difícil pronunciar. Para cada um tinha uma mensagem especial. Lembrava que a vida não termina aqui, neste mundo. Fosse para onde fosse, prometia continuar pensando em nós. 

Até hoje, quando lembro dessa carta, sinto os olhos marejados de lágrimas.

Meu pai era um homem simples, mas teve grandeza. E o mais importante, ele torcia por mim. Para mim, esse é o significado maior de um pai. Alguém capaz de torcer, sempre, sem nenhuma condição, nenhuma imposição. Porque a única condição entre pai e filho deve ser sempre o amor.

 

Entendendo o texto

 

01. O que o autor faz sempre que vê um canário?

a) Lembra do pai.

b) Compra um novo pássaro.

c) Alimenta o canário.

d) Solta o canário.

02. Qual era a profissão do pai do autor?

       a) Professor.

       b) Médico.

       c) Ferroviário.

       d) Músico.

03. Por que o pai do autor não era dado a expansões carinhosas?

      a) Porque não gostava do autor.

      b) Porque nunca recebeu muito carinho de seu próprio pai.

      c) Porque tinha problemas nos olhos.

      d) Porque não sabia expressar sentimentos.

04. O que o pai do autor desejava para seus filhos?

      a) Tornarem-se músicos.

      b) Fazerem carreira no ferroviário.

      c) Estudarem.

      d) Criarem canários.

05. Como o autor descreve o período de sua infância em relação à pobreza?

       a) Digno.

       b) Desprezível.

       c) Desesperador.

       d) Humilhante.

06. O que o autor ganhou aos treze anos que indicava seu desejo de ser escritor?

       a) Um livro.

       b) Uma máquina de escrever.

       c) Um computador.

       d) Uma caneta.

07. Quando o autor decidiu partir pelo mundo, qual foi a reação de seu pai?

        a) Ficou zangado.

        b) Apoiou e torceu por ele.

        c) Não se importou.

        d) Pediu para que ele não fosse.

08. Por quanto tempo o pai do autor ficou doente?

        a) 10 anos.

        b) 15 anos.

        c) 20 anos.

        d) 25 anos.

09. O que o pai do autor fez antes de falecer em relação ao seu funeral?

       a) Escreveu uma carta pedindo para ser enterrado.

       b) Fez um testamento.

       c) Foi ao cartório e fez um documento pedindo para ser cremado.

        d) Não fez nenhum preparativo.

10. O que o autor encontrou ao examinar os papéis de seu pai após sua morte?

        a) Uma lista de presentes.

        b) Uma receita de família.

        c) Uma carta endereçada a todos.

        d) Um diário pessoal.

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