terça-feira, 16 de janeiro de 2024

CRÔNICA: A ESCOLA - VIRIATO CORRÊA - COM GABARITO

 Crônica: A escola

              Viriato Corrêa

        — Andas tão sem gosto, meu filhinho! Já perdeste o entusiasmo? disse-me, uma vez, minha mãe, quando me vestia para a escola.

        Era verdade.

Fonte:https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEidUIJsbhWtZe2Z69q5NsgVRQlcoeEHeMZnSmmPtawJiKfaRK4SomWSA_jHcSkWfeGTbFzbcxVRTCYeRVnLF-phgU_IIs9Mlr3zaPwJmJZ_axwixPAL7qbne80W5UUR0d-2VuSB4iP9G3xZ3YZnROtcBptES-A5ZhWmlptp-R4fSitZyc2sYcfySlcLdDw/s320/ESCOLINHA.jpg


        Eu andava sem entusiasmo e sem gosto. À hora das aulas, ficava a remanchar para não me vestir, queixando-me de uma coisa, de outra, de uma dor de cabeça, de uma dor de dente.

        Desde o primeiro dia, a escola perdera o encanto para mim.

        Nada, nada havia lá que me despertasse o interesse ou me tocasse o coração. Ao contrário: como que tudo fora feito para me meter medo.

        A sala feia, o ar de tristeza, o ar de prisão, a cara feroz do professor, os castigos pelas menores faltas e pelos menores descuidos tinham-me deixado um grande desgosto na alma.

        E a verdade é que, na escola, nada mudava para me apagar aquela impressão.

        O quadro era sempre o mesmo quadro triste.

        Entrávamos às oito da manhã. O professor quase sempre já lá estava, na grande mesa, junto à parede, de cara amarrada, como se ali estivesse para receber criminosos.

        Quem chegava ia tomar-lhe a bênção e vinha sentar-se no seu lugar. Um silêncio de afligir. Era a hora do exercício de escrita e ninguém podia falar. Durante trinta minutos, só se ouvia o leve rumor das penas riscando o papel.

        O velho João Ricardo punha-se a passear entre os bancos, de régua na mão, fingindo-se desatento, mas, de fato, estava a vigiar a sala através dos vidros escuros dos óculos. Se um menino cochichava com outro, se segurava mal a caneta, se se distraía a olhar os maribondos do teto, ele, imediatamente, lhe vibrava a régua nas mãos e na cabeça. Ninguém conhecia o mata-borrão. Para enxugar a escrita, ia-se à parede, escavava-se o barro com a ponta da caneta e espalhava-se o pó na letra úmida.

        As paredes furadas pareciam respiradouros de formigueiro. Cada buraco tinha o seu dono e, quando alguém, por engano ou brincadeira, usava o alheio, o protesto surgia infalivelmente. — Esse não, esse é meu!

        Após o exercício de escrita ia-se "estudar a lição". O "estudo" era gritado, berrado. Cantava-se a lição o mais alto que se podia, numa toada enfadonha.

        Um inferno aquela barulheira. Trinta, quarenta, cinquenta meninos gritando coisas diferentes, cada qual esforçando-se em berrar mais alto. E quando, já cansados, íamos diminuindo a voz, o professor reclamava energicamente, da sua cadeira:

        — Estudem!

        E a algazarra recrudescia.

        Aquela mesma coisa, semanas inteiras, meses inteiros.

        Nada, nada que despertasse o gosto pelo estudo.

        Ao contrário. Tudo era motivo para castigo: uma lição mal sabida, uma escrita mal feita, uma palavra errada, um cochicho, um ar distraído, até um sorriso.

        Por uma falta pequenina ficava-se de pé, no centro da sala ou à porta da rua. Se a falta era maior, punha-se a criança de joelhos no meio da sala.

        A escola inteira falava horrorizada de dois suplícios que eu ainda não tinha tido ocasião de presenciar.

        Um deles era ficar o aluno de joelhos sobre grãos de milho.

        O outro, a "orelha de burro". À cabeça do menino colocavam-se duas enormes orelhas de papelão e fazia-se o desgraçado passear pelas ruas, vaiado pelos companheiros.

Viriato Corrêa. Cazuza. 27. ed. São Paulo: Nacional, 1997. p. 16-7.

Entendendo a crônica:

01 – Por que o narrador afirma que andava sem entusiasmo e sem gosto para ir à escola?

      O narrador afirma que perdeu o entusiasmo e o gosto pela escola devido à falta de interesse e ao ambiente desagradável que encontrava lá.

02 – Quais são alguns dos elementos que contribuíram para a aversão do narrador à escola?

      A sala feia, o ar de tristeza, a sensação de prisão, a expressão severa do professor e os castigos frequentes pelas menores faltas e descuidos contribuíram para a aversão do narrador à escola.

03 – Como o narrador descreve o ambiente da sala de aula?

      O narrador descreve a sala de aula como feia, com um ar de tristeza e prisão, destacando a aparência ameaçadora do professor e a atmosfera pouco acolhedora.

04 – Qual é a reação do professor em relação às faltas dos alunos durante a aula de escrita?

      O professor reage com rigor às faltas dos alunos durante a aula de escrita, utilizando uma régua para punir imediatamente aqueles que cochicham, seguram mal a caneta, se distraem ou cometem qualquer descuido.

05 – Como é o processo de "estudo da lição" na escola descrita na crônica?

      O "estudo da lição" é descrito como uma barulheira ensurdecedora, com os alunos gritando as lições o mais alto possível em uma toada enfadonha. Mesmo quando diminuíam a voz, o professor insistia para que continuassem estudando, intensificando o tumulto na sala.

06 – Quais são alguns dos motivos pelos quais os alunos são castigados na escola?

      Os alunos são castigados por uma série de motivos, incluindo lições mal sabidas, escrita mal feita, palavras erradas, cochichos, ar distraído e até mesmo sorrisos durante as aulas.

07 – Quais são os dois suplícios mencionados no final da crônica que causam horror aos alunos?

      Os dois suplícios mencionados são ficar de joelhos sobre grãos de milho e a "orelha de burro". No segundo, as crianças colocam duas enormes orelhas de papelão na cabeça e são vaiadas pelos colegas enquanto passeiam pelas ruas.

 

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