quarta-feira, 10 de janeiro de 2024

CRÔNICA: SINAL VERMELHO - WALCYR CARRASCO - COM GABARITO

 CRÔNICA: Sinal Vermelho

                   Walcyr Carrasco

 

QUANDO PERGUNTEI SE TINHA dinheiro trocado, minha amiga abriu a bolsa e tirou a carteira. Verificou. Insuficiente. Imediatamente, tirou uma segunda carteira do bolso do casaco, essa repleta de notas. Espantei-me:

— Duas carteiras?

— Uma é para os assaltantes — explicou.

Farta de ter sido roubada várias vezes ao parar no semáforo, ela optou pelo estratagema.

Fonte: https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjajfH8A7eafdlTNL09rOOLu2umC9fvbmbiX3hgDZQfiR96pzRxdJJ2TohU_7Imuifv9OoMazhabalarDKRy_T_61Bkgt1u6Vxdzt5W4EVafKPavMpm03RulmToqvZO4QGY_UtZ7A6OfmbtqDvjspqopX8Oe7XOYxRT3_8DnT3Nk6r4XXqweGsBAiuWsNM/s1600/VERMELHO.jpg


Houve época em que os assaltantes eram rápidos. Aproximavam-se, arrancavam um relógio e uma corrente de ouro e saíam correndo como ratos assustados. O assaltante do semáforo, hoje, é um profissional seguro, consciente de ter conquistado um espaço na sociedade. Em certo sentido, tem muito a ver com um dentista. Ambos sabem lidar com o nervosismo alheio. A única diferença é que, enquanto o dentista promete que não vai doer, o ladrão garante o oposto. Está distante de qualquer proposta feminista, pois prefere as mulheres desacompanhadas. Aproxima-se, explica que é um assalto e que quer todo o dinheiro da carteira. Generosamente, dispensa os documentos e as vítimas até agradecem.

— Tive a maior sorte — comentou uma conhecida.

— Ele deixou tudo, menos o dinheiro. Foi muito legal.   

Como se o ladrão fosse um amigo compreensivo!

Seu método, desenvolvido em centenas de semáforos, é o da pressão psicológica pura e simples. Na maior parte das vezes nem arma mostra. Já vi a atuação de um desses assaltantes. Eu estava parado num semáforo próximo à praça Roosevelt. Atrás de mim, em seu Fiat, a sábia amiga das duas carteiras. O profissional, acompanhado de um ajudante, aproximou-se de seu vidro. Vi, pelo meu retrovisor, que conversava com ela cortesmente. "Será um assalto?", refleti. Observei para ver se havia alguma arma. De jeito nenhum. Um bando de rapazes "mal-ajambrados" acompanhava a cena de longe. Já me vi descendo do carro e enfrentando todos a golpes de capoeira. O único problema é que não sei capoeira. Apenas pensei em aprender, duas ou três décadas atrás.

Prudentemente, decidi-me pela versão menos perigosa. "Deve estar pedindo esmola." Vi quando minha amiga ofereceu algumas notas. Achei a esmola grande, mas disfarcei. O sinal abriu, partimos. Mais tarde, no restaurante, onde havíamos combinado nos encontrar, ela revelou: fora um assalto! Gentilmente (e com alguma dor de consciência), fiz questão de pagar o jantar. Ou seja, o assaltado fui eu, porque o menu custou muito mais do que a quantia roubada.

Conheci uma garota que no último mês foi assaltada cinco vezes, em semáforos diferentes. Acha normal. Particularmente, acho que o mais grave é quando uma coisa dessas começa a ser "normal". E inútil revoltar-se. Uma jovem que trabalha na área de moda estava no semáforo do Trianon, na esquina da avenida Paulista, às 4 da tarde. O ladrão aproximou-se, pediu o relógio e o dinheiro. Ela rodopiou o pescoço em busca de ajuda. Foi-se o tempo dos cavaleiros andantes! Parecia ter-se tornado invisível. Nesse instante, farol verde! Os carros se moveram. Ela acelerou. O meliante agarrou seu rabo-de-cavalo. Pior que Rapunzel com suas tranças, ela ficou presa pelos cabelos, com um pé no acelerador, outro no breque e o pulso entregue ao ladrão. Liberou-se só depois de devidamente depenada.

Qualquer motorista sabe quais são os pontos mais perigosos. Então por que ninguém faz nada? Em regiões como a praça Roosevelt e o Trianon sucedem se os assaltos como se fossem terras de ninguém.

Estou começando a desenvolver a síndrome do pânico em cada sinal vermelho. Fecho os vidros, mesmo agora no verão. Fico parado, olhando cautelosamente em todas as direções enquanto o interior do veículo se transforma numa sauna. Logo eu, um tipo capaz de fazer piada de quase todas as coisas da vida. Mas a questão é séria. Seria cômica se não fosse trágica.

Perder peso e entrar em forma?

Para andar na moda já não basta usar esta ou aquela roupa. E preciso ter o corpo certo, com as medidas exatas de um halterofilista para eles, com o padrão de uma ginasta olímpica para elas. Uma tragédia para os barrigudinhos como eu. Tenho um amigo que passa três horas por dia na academia. Sai do trabalho e corre para os abdominais, para os alongamentos, para o levantamento de peso. Está com peito de pombo. Outro malhou tanto que os bíceps parecem dois pernis. A cabecinha fica enterrada nos ombros como uma coruja. Ambos sentem-se orgulhosos como gaviões. Uma conhecida passa os dias malhando. O corpo, enxuto, não combina com os vincos do rosto e com o nariz em forma de guarda-chuva. Às vezes dá a impressão de que fez um implante de cabeça.

Tenho inveja dos tempos em que alguém podia envelhecer tranquilamente. Fazer exercícios não é mau. O duro é que virou obsessão. Há uma amiga que passa as noites pedalando numa bicicleta ergométrica enquanto vê as novelas. Outra comprou uma esteira a prazo, que agora enfeita seu dormitório, com uma porção de roupas dependuradas. Virou cabide. O filho de outro amigo começou a se queixar de gordura. Entrou em pane, até convencer o pai a adquirir a bicicleta mais cara do pedaço. Uma maravilha, colocada no terraço do apartamento. Mal chegou, atirou-se sobre ela e pedalou quinze minutos, feliz. Nunca mais a usou. Está lá, no terraço, tomando chuva.

O pior é que qualquer rapaz bombado, qualquer pantera malhada age como se fosse um ser oriundo das estrelas. Vão às festas de camiseta, com jeans e roupas colantes. Se eu apareço com um paletó folgado para disfarçar o abdome, observam-me, fiscalizando. Eu me sinto como se fosse uma bolsa Chanel na vitrine de uma sex shop. Confesso: resolvi fazer ginástica, recentemente. Tentei o personal trainer. Ou seja, um professor de ginástica particular, até que eu pegasse o ritmo. Mal começamos, ele me deitou numa espécie de cadeira de dentista forrada de preto e me deu uma barra com pesos nas extremidades, a ser erguida vinte vezes.

Ergui uma, foi fácil. Duas, mais ou menos. Na terceira, o coração batia no nariz.

— Estou velho, já não posso mais! — reclamei.

—- Continue erguendo, ou a barra cai no seu queixo — ele avisou, didaticamente.

Nos abdominais foi pior. Eu contava, e logo chegava aos trinta. Quase mordi o joelho, de tanto nervosismo. Depois o instrutor me pendurou num aparelho de alongamento. Fiquei de pernas abertas, barriga para a frente e mãos agarrando uma barra de madeira, logo atrás.

— Esse exercício tira barriga — explicou.

— Você não pode me algemar aqui, até amanhã? — implorei. 

Com um sorriso de desprezo, o crápula terminou a aula.

— Se amanhã você conseguir se mexer, faça alguns exercícios —

despediu-se.

Desde a primeira aula, bastava olhar no espelho para me sentir um atleta. Assim, continuei com o sofrimento. Aulas depois ele começou a colocar pesos nos pés, que eu deveria erguer ritmadamente. Dava a impressão de que os dedos iam cair no chão. Meus amigos, só elogios:

— Agora você vai sentir mais vitalidade. 

Eu sentia sono só de ouvir a palavra vitalidade. Fui me pesar, esperançoso.

Dois quilos extras.

— E a massa muscular — disse o crápula.

Tanto esforço para engordar? Preferia ter devorado quilos de chantili. Mesmo assim, persisti no sacrifício.

Outro dia peguei uma revista de moda internacional. Até agora essas revistas eram pródigas em exibir manequins até quarentões, mas sempre com peitorais e bíceps expressivos. Surpresa! Em todas, modelos longilíneos, magros, cabelos compridos e ar romântico.

— O homem musculoso está saindo de moda! — pontificou uma amiga estilista. — O bonito agora é o tipo dândi, bem magro.

Pensei nos meus amigos nadando, jogando tênis, malhando. O que vão fazer agora? Trocar de corpo? E eu? Corri ao espelho. Examinei: meus braços estavam começando a ficar com aquele jeitinho de quem faz ginástica! Ih!

         É isso aí. Até quando entro em forma dou com os burros n'água.

          

Entendendo o texto

01.  Por que a amiga do narrador carrega duas carteiras?

a) Para se proteger de assaltantes.

b) Porque uma é para os documentos e outra para o dinheiro. c) Para despistar os ladrões.

d) Todas as alternativas estão corretas.

02. Como o assaltante do semáforo é descrito em comparação com os antigos assaltantes?

         a) Rápido e impulsivo.

         b) Profissional e consciente.

         c) Desorganizado e desesperado.

         d) Inofensivo e amigável.

03.Qual é o método mais comum desse tipo de assaltante?

        a) Mostrar a arma imediatamente.

        b) Usar a pressão psicológica.

        c) Roubar apenas documentos.

        d) Agir rapidamente e fugir.

04. O narrador presenciou um assalto próximo à praça Roosevelt. O que ele observou sobre o assaltante?

        a) Ele estava armado e agiu rapidamente.

        b) Ele pedia esmolas educadamente.

        c) Ele estava acompanhado por um grupo de malfeitores.

        d) Ele recusou o dinheiro oferecido pela amiga do narrador.

05. O que aconteceu durante o assalto vivido pela amiga do narrador?

        a) Ela ofereceu notas como esmola.

        b) O assaltante levou tudo, exceto o dinheiro.

        c) Ela conseguiu escapar ilesa.

        d) O narrador pagou o jantar depois de descobrir o assalto.

06. O narrador relata uma experiência no trânsito que o fez sentir como se estivesse numa sauna. O que ele faz para se proteger?

        a) Fecha os vidros do carro.

        b) Liga o ar condicionado.

        c) Desce do carro e enfrenta os ladrões.

        d) Grita por ajuda.

07. Qual é a reclamação do narrador em relação à pressão estética na sociedade?

       a) A obsessão por perder peso.

       b) A exigência de ter o corpo perfeito.

       c) A falta de moda para barrigudinhos.

       d) Todas as alternativas estão corretas.

08. O narrador tenta fazer ginástica com a ajuda de um personal trainer. Como ele se sente após a primeira aula?

       a) Energizado e motivado.

       b) Como um atleta.

       c) Cansado e dolorido.

       d) Deprimido e desencorajado.

09. Qual é a descoberta surpreendente sobre a moda masculina mencionada na crônica?

       a) Homens musculosos estão fora de moda.

       b) Homens magros são os mais desejados.

       c) Modelos masculinos agora usam cabelos compridos.

       d) Homens devem trocar de corpo para se adequar à moda.

10. Como o narrador se sente em relação aos seus esforços para entrar em forma no final da crônica?

      a) Satisfeito e realizado.

      b) Frustrado e desanimado.

      c) Animado para continuar se exercitando.

      d) Surpreso com os resultados positivos.

 

 

 

 

 

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