terça-feira, 16 de janeiro de 2024

CRÔNICA: A PARTIDA - VIRIATO CORRÊA - COM GABARITO

 Crônica: A partida

              Viriato Corrêa

        Quem me deu a notícia foi o Ninico da Totonha, no dia em que lhe pedi o sabiá da mata que ele, pela manhã, apanhara no alçapão.

        — Este não pode ser. Mas eu lhe dou outro na véspera de sua partida para a vila.

Fonte: https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEj1A2MCPYpBl5a1MLN6fhvM-5_p-BJmTXQJnJhhUNxdkewHSDbwacCUz1qHQtGL4IqnwlZMDQcuSMD9ej2W4xtF3CphmRDH6SYtjzdydlWcTD0q3okb0yj0GHQ_y_SOnkilYr7A-nbKpEPX2Dfy_n_6wYgh_a5uz6zruxPQhBM9UYFizro5pBoJjbYnQRg/s320/SABIA-001.jpg


        — Que vila? perguntei.

        Ninico arregalou os olhos, espantado.

        — Você não vai para a vila, Cazuza?

        — Não sei disso.

        Seus olhos surpreenderam-se mais.

        — Então não sabe que a sua família vai mudar-se para a vila?! Não se fala noutra coisa.

        Lembrei-me da frase de minha mãe no dia da sabatina de tabuada: "Depois ele aprenderá na vila".

        Pareceu-me ter ouvido qualquer coisa sobre a mudança, mas, preocupado com os brinquedos, não prestei atenção nenhuma às conversas.

        Quando voltei para casa, minha mãe, no avarandado, amamentava o meu irmãozinho de mês e meio. Falei-lhe imediatamente:

        — O Ninico acabou de me dizer que nós vamos de mudança para a vila. É verdade?

        — É verdade.

        — Quando?

        — Breve.

        — Por que é que a gente vai para a vila? insisti.

        Mamãe não respondeu e, como eu de novo fizesse a pergunta, disse, evidentemente a disfarçar:

        — Porque precisas aprender e a escola da vila é melhor do que a daqui.

        E mudou de conversa.

        Nunca pude saber, ao certo, o motivo que levara minha família a deixar o povoado em que meu pai nascera e vira nascer os seus primeiros filhos. Mas não foi somente porque a escola da vila fosse melhor que a da povoação.

        Ao que percebi nesta frase, naquela, naquela outra, a causa da mudança foram os negócios comerciais de meu pai. Os negócios iam mal.

        Vovô Lucrécio, pai de minha mãe, morador da vila, já velho e cansado de trabalhar, oferecera a meu pai a sua casa de negócios.

        Para que a nossa casa no povoado não passasse a mãos estranhas, tio Olavo se mudaria para ela e ficaria gerindo os nossos pequenos bens.

        Mais de uma vez surpreendi minha gente de olhos molhados e vermelhos. Todos se doíam de deixar aquele cantinho de terra, até mesmo minha mãe, que ia para o seu cantinho natal.

        Eu não me doía de nada. À proporção que os dias passavam mais contente ia ficando.

        O que me contavam da vila enchia-me a cabeça de curiosidade. Havia muitas casas de telha, casas de sobrado, igreja, festas, muita gente e uma grande escola com duas ou três centenas de crianças.

        As visitas de despedidas começaram um mês antes de partirmos.

        Abalávamos a família inteira para a casa de um ou de outro parente, de um ou de outro amigo, e lá ficávamos de manhã à noite, trocando palavras de carinho.

        Passei uma tarde inteirinha em casa de Chiquitita; outra tarde em casa do Maneco; almocei com o Ioiô, jantei com o Manduca, com o Quincas, com a Rosa.

        Na Pedra Branca, passei dia e meio. Fui depois do almoço, dormi e só voltei no dia seguinte, ao anoitecer.

        Tia Mariquinhas permitiu que os meninos da minha roda fossem lá brincar comigo. Fartamo-nos de comer frutas, de trepar nas árvores e nos balanços, de andar nas águas do riacho, remando a jangadinha.

        Oito dias antes, os nossos trens começaram a ser enviados para a vila. A primeira igarité que seguiu, ia apinhadinha de baús, canastras e samburás.

        Não me ficou claramente gravado na memória o momento da partida. Três dias antes, amanheci, inesperadamente, ardendo em febre. Na véspera a febre voltou mais forte.

        E na manhã em que partimos, a febre era tanta que fui carregado até o porto nos braços do Jorge Carreiro. Não me recordo de quase nada.

        Lembro-me apenas de que abri os olhos cansados no momento em que a igarité ia largando.

        E vi uma aglomeração de gente na ribanceira do rio.

        Vi o lenço de Tia Mariquinhas, batendo...

        Vi, confusamente, outros lenços agitando-se...

        Vi o Vavá, o Manduca, o Chiquinho...

        Vi a Rosa chorando, a gritar pelo meu nome...

        E vi, quase à beira d’água, o velho Mirigido, de boca escancarada, muito vermelha, a gritar qualquer coisa aos remadores da igarité.

Viriato Corrêa. Cazuza. 27. ed. São Paulo: Nacional, 1997. p. 16-7.

Entendendo a crônica:

01 – Por que Cazuza fica surpreso ao saber da mudança para a vila?

      Cazuza fica surpreso ao saber da mudança para a vila porque não tinha conhecimento dessa decisão da família.

02 – Qual é a justificativa inicial dada pela mãe de Cazuza para a mudança para a vila?

      Inicialmente, a mãe de Cazuza diz que a mudança é necessária porque a escola na vila é melhor e ele precisa aprender.

03 – Quais são as pistas dadas ao longo da crônica sobre o verdadeiro motivo da mudança da família de Cazuza para a vila?

      Há indícios de que o motivo da mudança é relacionado aos negócios comerciais do pai de Cazuza, que não estão indo bem.

04 – Como Cazuza reage à notícia da mudança?

      Cazuza inicialmente fica surpreso, mas ao longo do tempo ele se mostra cada vez mais contente com a ideia da mudança para a vila.

05 – Como são descritas as visitas de despedidas realizadas pela família de Cazuza antes da partida?

      As visitas de despedidas são descritas como momentos em que a família se desloca para casas de parentes e amigos, trocando palavras de carinho e compartilhando momentos especiais.

06 – O que acontece com Cazuza nos dias próximos à partida para a vila?

      Nos dias próximos à partida, Cazuza fica doente, com febre, e precisa ser carregado até o porto nos braços de Jorge Carreiro.

07 – Quais são as últimas imagens que Cazuza lembra no momento da partida?

      No momento da partida, Cazuza lembra-se de ver uma aglomeração de pessoas na ribanceira do rio, lenços sendo agitados, amigos chorando e o velho Mirigido gritando algo aos remadores da igarité.

 

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