domingo, 1 de agosto de 2021

REPORTAGEM: O LADO NEGRO DO FACEBOOK - ALEXANDRE DE SANT -SUPERINTERESSANTE - COM GABARITO

 REPORTAGEM: O LADO NEGRO DO FACEBOOK


Ele vigia os seus passos, mexe com a sua cabeça, transforma você em cobaia de experiências. Conheça as verdades que a maior rede social da história da humanidade não quer que você descubra.

                                                                                                                                             Reportagem de Alexandre de Sant

O Facebook é, de longe, a maior rede da história da humanidade. Nunca existiu, antes, um lugar onde 1,4 bilhão de pessoas se reunissem – e 936 milhões entrassem todo santo dia (só no Brasil, 59 milhões). Metade de todas as pessoas com acesso à internet, no mundo, entra no Facebook pelo menos uma vez por mês. Ele tem mais adeptos do que a maior das religiões (a católica, com 1,2 bilhão de fiéis), e mais usuários do que a internet inteira tinha dez anos atrás. Em suma: é o meio  de comunicação mais poderoso do nosso tempo, e tem mais alcance do que qualquer coisa que já tenha existido. A maior parte das pessoas o adora, não consegue conceber a vida sem ele. Também pudera: o Facebook é ótimo. Nos aproxima dos nossos amigos, ajuda a conhecer gente nova e acompanhar o que está acontecendo nos nossos grupos sociais. Mas essa história também tem um lado ruim. Novos estudos estão mostrando que o uso frequente do Facebook produz alterações físicas no cérebro. Quando estamos nele, ficamos mais impulsivos, mais narcisistas, mais desatentos e menos preocupados com os sentimentos dos outros. E, de quebra, mais infelizes.

No ano passado, pesquisadores das universidades de Michigan e  de Leuven (Bélgica) recrutaram 82 usuários do Facebook. Durante duas semanas, eles enviaram perguntas via SMS, cinco vezes por dia, para os voluntários. As perguntas eram “como você está se sentindo agora?”, “como você avalia a sua vida?” e “quanto tempo você ficou no Facebook hoje?”. O estudo mostrou uma relação direta: quanto mais tempo a pessoa passava na rede social, mais infeliz ficava. Os cientistas não sabem explicar o porquê, mas uma de suas hipóteses é a chamada inveja subliminar, que surge sem que a gente perceba conscientemente.

Já deve ter acontecido com você. Sabe quando a gente está no trabalho, e dois ou três amigos postam fotos de viagem? Você tem a sensação de que todo mundo está de férias, ou que seus amigos viajam muito mais do que você. E fica se sentindo um fracassado. “Como as pessoas tendem a mostrar só as coisas boas no Facebook,

achamos que aquilo reflete a totalidade da vida delas”, diz o psiquiatra Daniel Spritzer, mestre pela UFRGS e coordenador do Grupo de Estudos sobre Adições Tecnológicas. “A pessoa não vê o quanto aquele amigo trabalhou para conseguir tirar as férias”, diz Spritzer.

E a vida em rede pode ter um efeito psicológico ainda mais  assustador. Durante 30 anos, pesquisadores da Universidade de Michigan aplicaram testes de personalidade a 14 mil universitários.

Cada voluntário tinha de dizer se concordava ou discordava de afirmações como: “eu tento entender como meus amigos se sentem” e “eu geralmente me preocupo com pessoas menos favorecidas do que eu”. São perguntas criadas para medir o grau de empatia de uma pessoa – o quanto ela se importa com as outras. Em 2010, os cientistas publicaram os resultados. Os jovens da geração atual, que cresceram usando a internet, têm 40% menos empatia que os jovens de três décadas atrás. E essa tendência fica mais intensa a partir dos anos 2000, período que coincide com a ascensão das redes sociais. A explicação disso, segundo o estudo, é que na vida online fica fácil ignorar as pessoas quando não queremos ouvir seus problemas ou críticas – e, com o tempo, esse comportamento indiferente acaba sendo adotado também na vida offline.

Num meio competitivo, onde precisamos mostrar como estamos felizes o tempo todo, há pouco incentivo para diminuir o ritmo e prestar atenção em alguém que precisa de ajuda. Há muito espaço, por outro lado, para o egocentrismo.

Em 2012, um estudo da Universidade de Illinois com 292 voluntários concluiu que, quanto mais amigos no Facebook uma pessoa tem, e maior a frequência com que ela posta, mais narcisista ela tende a ser – e maior a chance de fazer comentários agressivos. Esse último resultado é bem surpreendente, porque é contraintuitivo. Ora, uma pessoa que tem muitos amigos supostamente os conquistou adotando comportamentos positivos, como modéstia e empatia. O estudo mostra que, no Facebook, tende a ser o contrário.

Junte a indiferença com o narcisismo e a competição e você chegará ao terceiro elemento negativo das redes sociais: o ódio. Em tese, as redes sociais deveriam nos aproximar uns dos outros. Afinal, usamos nossos nomes reais, postamos fotos verdadeiras e sabemos se uma pessoa tem amigos em comum conosco. Como explicar, então, que pessoas que jamais brigariam na vida real – sobre futebol, sobre política, sobre qualquer assunto – fiquem se xingando no Face? E que isso seja tão comum?

Não existe uma resposta direta. Mas existem algumas pistas muito boas. Em 2013, pesquisadores da Universidade Benihang, na China, analisaram 70 milhões de posts do Weibo, rede social chinesa que mistura características do Twitter e do Facebook. Usando um software que lia palavras-chave, eles classificaram cada post como alegre, triste ou irritado – e viram como ele se propagava pela rede. As mensagens irritadas eram as que se espalhavam mais rápido, e chegavam mais longe: eram replicadas por pessoas a até três níveis de separação do autor (o amigo do amigo do amigo repetia o post).

“Quando a pessoa está online, há uma desinibição. Ela fica mais solta”, afirma o psicoterapeuta Cristiano Nabuco, do grupo de pesquisas em dependência tecnológica da USP. Isso acontece, segundo ele, por causa da distância física. Como não estão frente a frente, as pessoas se sentem mais à vontade para trocar acusações e insultos.

“Isso potencializa a agressão, porque eu posso fazer uma ofensa e dez pessoas vão lá e me ajudam na ofensa, vira um grupo  ofendendo uma pessoa”, explica Ana Luiza Mano, do Núcleo de Pesquisa de Psicologia em Informática da PUC-SP.

E isso pode ter consequências profundas. Segundo o Mapa da Violência 2014, um estudo elaborado pela Faculdade Latino-Americana de Ciências Sociais, o número de suicídios entre adolescentes brasileiros cresceu 36,7% entre 2000 e 2012 (o dobro do aumento nas demais faixas etárias). O estudo não acusa as redes sociais. Mas o período em que os suicídios crescem coincide com a ascensão delas.

Se você se sentir mal por causa do Facebook, basta se desconectar ou colocar o celular no bolso, certo? Não é tão fácil assim. Porque as redes sociais mexem com o núcleo accumbens, uma região que fica no meio do cérebro e regula o chamado “sistema de recompensa”. Quando fazemos alguma coisa agradável – comemos algo gostoso e calórico ou fazemos sexo, por exemplo –, esse sistema libera dopamina, um neurotransmissor que nos dá prazer. É a forma de o cérebro nos dizer que aquilo (comer bem ou se reproduzir) é vital para nossa sobrevivência, e, por isso, devemos repetir sempre que possível. Trata-se de um mecanismo ancestral, que se desenvolveu muito antes da internet. Em 2013, um estudo da Universidade Livre de Berlim descobriu que ganhar likes no Face ativa esse mesmo sistema. Cada “curtida” que recebemos provoca uma liberação de dopamina, como as que temos ao comer e fazer sexo.

“A sensibilidade do núcleo accumbens leva a mudanças de comportamento no mundo real”, explica, no estudo, o neurocientista Dar Meshi. Por isso, o Facebook é tão irresistível.

Só que abusar dele é perigoso. Pode  literalmente deformar o cérebro. Em 2012, um grupo de cientistas chineses analisou 17 adolescentes viciados em internet – que ficavam conectados pelo menos 5h30 por dia e tinham problemas na vida social por causa disso. As imagens dos exames revelaram anormalidade no córtex orbitofrontal, região que nos ajuda a controlar impulsos, e no corpo caloso, que conecta os dois hemisférios do cérebro. Segundo o estudo, os danos eram similares aos encontrados em viciados em álcool e cocaína.

As redes sociais estão mexendo conosco. Inclusive de propósito – como quando o Facebook realizou uma experiência secreta e polêmica, em que as cobaias foram os próprios usuários.

[...]

É comum ver usuários do Facebook desconfiados com a política da empresa, ou temerosos de que ela tenha informações demais. Se você é um deles, há uma boa maneira de buscar respostas: solicitar o download de todas as informações que o Facebook coletou sobre você. Eu fiz isso, é fácil [...]. Recebi um pacote de arquivos que totalizavam 28 megabytes. [...]

O mergulho nos meus dados ficou entre o fascinante e o perturbador. O mais esquisito é que concordei em dar todo esse acesso ao Facebook “Ao clicar em Abrir uma conta, você concorda com nossos Termos, incluindo nosso Uso de Cookies”, diz o texto. Quase ninguém o lê: apenas 7% dos usuários, segundo uma pesquisa de 2011. No caso do Facebook, o documento oficial tem mais de 23 mil caracteres – mais do que essa reportagem –, e passa de 80 mil somando os subitens. Ou seja, é dificílimo de ler. Isso não é exclusividade do Facebook. Os contratos que você “assina” ao se inscrever nos serviços online sempre são longos e tortuosos. Talvez porque não existam para serem lidos – mas para que as empresas tenham poderes enormes sobre você. E porque, mesmo sabendo disso, e de tudo que o Facebook faz, você dificilmente vai parar de usá-lo. Eu não vou.

(Superinteressante, ed. 348.)

Fonte: Livro- Português: Linguagem, 2/ William Roberto Cereja, Thereza Cochar Magalhães, 11.ed – São Paulo: Saraiva, 2016.p.256-60.

Fonte da imagem- https://www.google.com/url?sa=i&url=https%3A%2F%2Fwww.tecmundo.com.br%2Ftutorial%2F60973-facebook-fazer-encontrar-post-antigo-voce.htm&psig=AOvVaw3MnvyakoUIWH6QxwjMTnrF&ust=1627931547831000&source=images&cd=vfe&ved=0CAsQjRxqFwoTCPCsmuXDkPICFQAAAAAdAAAAABAF

1.  ENTENDENDO A REPORTAGEM


C   1. Como a notícia, a reportagem também é um gênero jornalístico. Em que suportes você observa a ocorrência de reportagens?

Em jornais, revistas, TV.

 2. Nos itens que seguem estão relacionados alguns dos objetivos das reportagens. Identifique na reportagem lida trechos e situações correspondentes a cada um.

a) Tratar do fato com mais profundidade, ampliando o enfoque dado a ele por meio de dados estatísticos, mapas, gráficos, fotografias, etc.

“um lugar onde 1,4 bilhão de pessoas se reunissem – e 936 milhões entrassem todo santo dia (só no Brasil, 59 milhões)” / “Quase ninguém o lê: apenas 7% dos usuários, segundo uma pesquisa de 2011.” / “o número de suicídios entre adolescentes brasileiros cresceu 36,7% entre 2000 e 2012.

 b) Dar a conhecer o ponto de vista que o autor da reportagem tem sobre o fato.

A começar pelo título e pelo subtítulo da reportagem. Além disso, o trecho “Mas essa história também tem um lado ruim”, entre outros. Entre outros, os pesquisadores de diversas universidades do mundo (Estados Unidos, Bélgica, China, Alemanha) e do Brasil (USP, PUC).

c) Apresentar a voz ou o ponto de vista de autoridades a respeito do assunto.

Entre outros, os pesquisadores de diversas universidades do mundo (Estados Unidos, Bélgica, China, Alemanha) e do Brasil (USP, PUC).

 3. Como vimos anteriormente, entre os gêneros jornalísticos há aqueles que priorizam a informação e os que priorizam o comentário. Quanto à reportagem, ela é considerada um gênero que se ocupa tanto da informação quanto do comentário.

Localize na reportagem lida trechos representativos desses dois aspectos.

Entre outras possibilidades, é exemplo de papel informativo da reportagem o trecho inicial do texto, que traz informações sobre o número de usuários do Facebook. E do papel opinativo o trecho: “Ele vigia os seus passos, mexe com a sua cabeça, transforma você em cobaia de experiências”.

4. A reportagem lida apresenta aspectos positivos e negativos das redes sociais.

a) Além do número de pessoas que conseguem reunir, que pontos o autor relaciona como positivos nas redes sociais?

A aproximação dos amigos, a conquista de novas amizades e o conhecimento do que ocorre em nossos grupos sociais.

b) Que aspectos negativos são apontados pelas pesquisas?

Alterações físicas no cérebro dos usuários. Além disso, eles se tornam mais impulsivos, mais narcisistas, mais desatentos com o sentimento dos outros e mais infelizes.

c) Como é explicada, no texto, a sensação de infelicidade do usuário?

É explicada pela chamada “inveja subliminar”, causada pela divulgação, pelos amigos de rede, de momentos de felicidade, como viagens, amores, festas, sem levar em conta o esforço feito por eles para conseguirem esses momentos.

5. Segundo o texto, a união da indiferença em relação aos sentimentos do outro com o narcisismo e a competição apresenta uma grave consequência.

a) Qual é ela?

O ódio.

b) Que hipótese o texto apresenta para o surgimento desse sentimento?

A distância física entre as pessoas leva à desinibição, o que provoca uma radicalização das ofensas, agravada pela formação de grupos atacando uma pessoa. Daí, também, o agravamento do número de suicídios de jovens após o incremento das redes sociais.

 6. É comum os jornais e revistas utilizarem uma linguagem impessoal, buscando apresentar uma suposta neutralidade. Apesar disso, há situações em que o jornalista explicita suas opiniões sobre o assunto de que trata, como no caso da reportagem lida. Veja:

“Se você se sentir mal por causa do Facebook,

basta se desconectar ou colocar o celular no

bolso, certo? Não é tão fácil assim.”

 a)   Que razão baseada em estudos científicos o jornalista aponta  para justificar a dificuldade em se desconectar?

Segundo pesquisas, as redes sociais mexem com uma região do cérebro que regula o chamado “sistema de recompensa” que libera dopamina, um neurotransmissor responsável pelo prazer.

 b)   De acordo com o texto, em que medida a busca incessante do prazer proporcionado pelas redes sociais pode ser maléfica ao usuário?

De acordo com pesquisas, pode haver uma deformação do cérebro, dano semelhante ao encontrado em dependentes de álcool e cocaína.

 7. Além de informar o leitor, uma reportagem pode apresentar, também, sugestões para protegê-lo. Em relação à quantidade de dados do usuário arquivados pelo Facebook, o repórter apresenta uma orient.ação e um alerta.

a) Qual é a orientação?

Solicitar o download de todas as informações que o Facebook coletou sobre o usuário.

b)Qual é o alerta?

Tudo que o Facebook fizer com os dados do usuário é com sua permissão, dada no momento em que clica em “Abrir uma conta”.

8. A reportagem termina da seguinte forma: “E porque, mesmo sabendo disso, e de tudo o que o Facebook faz, dificilmente você vai parar de usá-lo. Eu não vou”. Explique a aparente contradição dessa afirmação.

O jornalista dá a entender que o poder de sedução das redes sociais é tanto que, mesmo com todo o conjunto de informações negativas

a respeito do Facebook, é quase impossível o usuário se desconectar dele.

9. Observe a linguagem empregada na reportagem em estudo.

a) Que características ela apresenta? Indique-as.

• clara, objetiva, direta, impessoal e visando à neutralidade jornalística.

• pessoal e extremamente coloquial, com uso de gírias e  expressões típicas de um determinado grupo social, com o posicionamento exclusivo do jornal.

• clara, objetiva, direta, pessoal, com abertura para a presença de diferentes vozes e pontos de vista e acessível à maioria dos leitores.

• poética, com uso de alegorias e emprego de palavras pouco usuais na língua, sem um posicionamento claro a respeito do tema abordado.

b)Que variedade linguística ela adota?

A norma culta.

 c)   Nas formas verbais, que tempo predomina? Em que pessoa?

Predomina o presente do indicativo, na 3» pessoa do singular.

 d)   Levante hipóteses: Por que, diferentemente da notícia, esse tempo verbal predomina na reportagem?

Resposta pessoal. Sugestão: Provavelmente porque as reportagens têm em vista a ampliação do enfoque sobre os fatos, ao buscar diferentes versões para eles. O presente do indicativo produz no leitor a impressão de que novas versões ou interpretações dos fatos podem surgir, isto é, de que a discussão sobre o assunto continua em aberto.

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