Poema: A FAMÍLIA DE OLHOS
Era a tarde de um longo e adorável dia em que eles passaram juntos. Sentaram-se no terraço em frente a um novo café, na esquina de um novo bulevar. O bulevar estava ainda atulhado de detritos, mas o café já exibia orgulhoso seus infinitos esplendores. [...] Enquanto se mantêm sentados e felizes, olhos nos olhos, o casal é surpreendido pelos olhares de outras pessoas. Uma família de pobres, vestida de andrajos – um pai de barba grisalha, um filho jovem e um bebê – para exatamente em frente a eles e observa, embevecida, o brilhante mundo novo lá dentro. As três faces eram extraordinariamente sérias, e aqueles seis olhos contemplavam fixamente o novo café com a mesma admiração, que diferia apenas em função da idade. [...] Os olhos do pai pareciam dizer: “Como isso é belo! Parece que todo o ouro do mundo foi se aninhar nessas paredes”. Os olhos do filho parecem dizer: “Como isso é belo! Mas é um lugar que só pode ser frequentado por pessoas que não são como nós”. Os olhos do bebê estavam demasiado fascinados para expressar qualquer coisa de alegria, estupidez e intensidade. A fascinação dos pobres não tem qualquer conotação hostil; sua visão do abismo entre os dois mundos é sofrida e resignada. Por causa disso, um dos enamorados (o rapaz) começa a sentir-se incomodado e até um pouco envergonhado. Surpreende-se tocado por essa “família de olhos” e sente alguma afinidade com eles. Porém, no momento seguinte, quando volta a olhar para os olhos de sua querida, tentando ler neles os seus próprios pensamentos ela diz: “Essas pessoas de olhos esbugalhados são insuportáveis! Você não poderia pedir ao gerente que os afastasse daqui?” O incidente o deixou triste; agora vê “como é difícil as pessoas se compreenderem umas às outras, como o pensamento é incomunicável, mesmo entre pessoas apaixonadas”. Marshall Berman
Nossa primeira cena primordial emerge em "Os olhos dos pobres" (Spleen, de Paris, nº26).
Esse poema assume a forma da queixa do
apaixonado: o narrador explica à mulher que ama porque ele se sente distante e
amargo em relação a ela. Lembra-lhe a experiência que ambos há pouco
partilharam. Era a tarde de um longo e adorável dia que eles passaram juntos.
Sentaram-se no terraço em frente a um novo café, na esquina de um novo bulevar.
O bulevar estava “ainda atulhado de detritos”, mas o café “já exibia orgulhoso
seus infinitos esplendores”. O mais alto desses esplendores era um facho de luz
nova: “O café estava deslumbrante. Até o gás queimava com o ardor de uma
iniciação; com toda a sua energia, iluminava a cegante brancura das paredes, a
extensão dos espelhos, as cornijas e as molduras douradas”. Menos deslumbrante
era o interior decorado, iluminado pela luz do gás: uma ridícula profusão de
Hebes e Ganimedes, sabujos e falcões; “ninfas e deusas arranjando pilhas de
frutas, gamos e guloseimas sobre suas cabeças”, uma mistura de “toda a história
e toda mitologia, incitando à gula”. Em outras circunstâncias o narrador
recuaria diante dessa grosseria comercializada; apaixonado, porém, sorri com
afeição e desfruta do seu apelo vulgar – nossa era chamaria a isso Acomodação.
Enquanto se mantêm sentados e felizes,
olhos nos olhos, os amantes são surpreendidos pelos olhares de outras pessoas.
Uma família de pobres, vestida de andrajos — um pai de barba grisalha, um filho
jovem e um bebê — para exatamente em frente a eles e observa, embevecida, o
brilhante mundo novo, lá dentro. “As três faces eram extraordinariamente
sérias, e aqueles seis olhos contemplavam fixamente o novo café com a mesma
admiração, que diferia apenas em função da idade”. Nenhuma palavra é proferida,
todavia o narrador tenta ler os olhos deles. Os olhos do pai parecem dizer:
"Como isso é belo! Parece que todo o ouro do mundo foi se aninhar nessas
paredes". Os olhos do filho parecem dizer: "Como isso é belo! Mas é
um lugar que só pode ser frequentado por pessoas que não são como nós". Os
olhos do bebê “estavam demasiado fascinados para expressar qualquer coisa além de
alegria, estupidez e intensidade”. A fascinação dos pobres não tem qualquer
conotação hostil; sua visão do abismo entre os dois mundos é sofrida, não
militante; não ressentida mas resignada. A despeito disso, ou por causa disso, o
narrador começa a sentir-se incomodado, “um pouco envergonhado de nossos copos
e garrafas, grande demais para a nossa sede”. Surpreende-se “tocado por essa família
de olhos" e sente alguma afinidade por eles. Porém, no momento seguinte,
quando “eu voltei a olhar para os seus olhos, minha querida, para ler neles
meus pensamentos” (o grifo é de Baudelaire), ela diz: "Essas pessoas de
olhos esbugalhados são insuportáveis! Você não poderia pedir ao gerente que os
afastasse daqui?"
Eis por que, diz ele, hoje ele a odeia.
E acrescenta que o incidente o deixou triste e enraivecido: agora vê "como
é difícil para as pessoas se compreenderem umas às outras, como o pensamento é
incomunicável” – assim termina o poema – “mesmo entre pessoas apaixonadas".
[...]
BERMAN, Marshall.
Tudo o que é sólido desmancha no ar. São Paulo: Companhia de Bolso, 2007.
Fonte: Livro – Tecendo Linguagens – Língua Portuguesa – 9º
ano – Ensino Fundamental – IBEP 5ª edição – São Paulo, 2018, p. 160-2.
Entendendo o poema:
01 – Qual o significado da palavra Andrajo, no texto?
Significa trapo, roupa muito velha e rasgada.
02 – Você já presenciou alguma situação semelhante à retratada no poema
e enfocada pelo autor da análise? Se a resposta for positiva, comente com os
colegas.
Resposta pessoal do aluno.
03 – No texto que você leu, trechos do poema analisado são intercalados
à análise propriamente dita.
a) De que forma é possível perceber quais partes do texto são trechos do poema?
Os trechos do poema aparecem entre aspas e a
linguagem se diferencia um pouco das sequências de análise.
b) De que maneira o autor retextualiza algumas partes do poema? Explique.
O autor realiza citações, com o texto entre aspas,
e faz paráfrases, de forma que a leitura fica mais compreensível para o leitor.
c) Quais aspectos do poema foram destacados pelo filósofo? Justifique sua resposta.
O preconceito e a exclusão ilustrados pelo poema.
Isso pode ser justificado pelo trecho: “Essas pessoas de olhos esbugalhados são
insuportáveis! Você não poderia pedir ao gerente que os afastasse daqui?”
d) De que forma o autor faz referência ao poema ao criar o título para seu texto? Explique-o.
O nome do poema é “Os olhos dos pobres”. Fazendo
alusão a esse nome, o texto de Berman é “A família de olhos”, pois é quem usa
os olhos para apreciar o belo.
04 – Releia o trecho do texto:
[...] Sentaram-se no terraço “em frente a um novo café, na esquina de
um novo bulevar” [...]. Responda:
a) Você sabe o que é “bulevar”? Procure o significado dessa palavra no dicionário e registre-o.
Bulevar é uma avenida larga e arborizada.
b) O que esse cenário revela sobre a condição social do casal do poema?
As avenidas largas e arborizadas em grandes cidades
são frequentadas por pessoas de poder econômico mais alto.
05 – Pelo texto “A família de olhos”, é possível determinar o tempo e o espaço em que ocorre a ação relatada no poema analisado?
Podemos perceber que a história se passa em frente
a um elegante café, em um bulevar, e dura apenas alguns minutos.
06 – O poema narrativo analisado retrata dois mundos, duas realidades
diferentes.
a)
Explique que
realidade são essas e a quais personagens do poema se referem.
A realidade da pobreza, representada pela família
que observa o café, e a do conforto material, representada pelo casal de
namorados que está na parte interna do café.
b) Pode-se afirmar que o poema trata de uma situação de discriminação social? Explique.
Sim, porque a mulher queria ver a família humilde
fora dali, pois se sentia incomodada com aquelas pessoas de “olhos
esbugalhados”. Isso é uma violência e um ato extremo de discriminação social.
07 – De acordo com a análise de Berman, qual foi o sentimento do rapaz e
da namorada ao perceberem que estavam sendo observados por uma família de
pobres?
O rapaz se sentiu incomodado e envergonhado,
demonstrando compaixão por aquelas pessoas. Já a namorada sentiu outro tipo de
incômodo: sentiu-se agredida pelo olhar da família, considerando que aquelas
pessoas não deveriam estar ali.
Muito obrigada me ajudou muito 😃😊
ResponderExcluirMuito bom, vlw , ajudou demais S2
ResponderExcluirMuito obrigado, mas do que mim ajudou , sou grata a vcs
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