CONTO: O velho e o sítio
Chico Buarque
Encontrar aberta a cancela do sítio me
perturba… Penso nos portões dos condomínios, e por um instante aquela cancela
escancarada é mais impenetrável. Sinto que, ao cruzar a cancela, não estarei
entrando em algum lugar, mas saindo de todos os outros. Dali avisto todo o vale
e seus limites, mas ainda assim é como se o vale cercasse o mundo e eu agora
entrasse num lado de fora. Após a besta hesitação, percebo que é esse mesmo o
meu desejo. Piso o chão do sítio e caio fora. Piso o chão do sítio, e para me
garantir decido fechar a cancela atrás de mim. Só que ela está agarrada ao
chão, incrustada e integrada ao barro seco. Quando deixei o sítio pela última
vez, há cinco anos, devo ter largado a cancela aberta e nunca mais ninguém a
veio fechar.
(…) o velho sentado no tamborete faz um grande esforço para erguer a cabeça, e
é o tempo que necessitava para reconhecer nosso antigo caseiro. Deixou crescer
os cabelos que, à parte as raízes brancas, parecem ter mergulhado num balde de
asfalto. A pele do seu rosto resultou mais pálida e murcha do que já era, e ele
me fita com um ar interrogativo que não consigo interpretar; talvez se pergunte
quem sou eu. Penso em lhe dar um tapa nas costas e dizer “há quantos anos, meu
tio”, mas a intimidade soaria falsa. Meu pai entraria soltando uma gargalhada
na cara do velho, passaria a mão naquele cabelo gorduroso, talvez chutasse o
tamborete e dissesse “levanta daí, sacana!”. Meu pai tinha talento para gritar
com os empregados; xingava, botava na rua, chamava de volta, despedia de novo,
e no seu enterro estavam todos lá. Eu, se disser “há quantos anos, meu tio”,
pode ser que o ofenda, porque é outro idioma. Sem aviso, o velho dá um pulo de
sapo e vai para o centro da cozinha, apontando para mim. Usa o calção amarrado
com barbante abaixo da cintura, e suas pernas cinzentas ainda são musculosas,
as canelas finas; é como se ele fosse de uma raça mista, que não envelhecesse
por igual. Aproxima-se com molejo de jogador, mas com o tórax cavado e os
braços caídos, papeira, a boca de lábios grossos aberta com três dentes, os
olhos azuis já encharcados. E abraça-me, beija-me, recua um passo, fica me
olhando como um cego olha, não nos olhos, mas em torno do meu rosto, como que
procurando minha aura. “Deus lhe abençoe, Deus lhe abençoe”, diz. Depois
pergunta “que é de Osbênio? Que é de Clair?” e entendo que ele esperava outra
pessoa, algum parente, quem sabe.
Um cacho de bananas verdes no chão da cozinha lembra-me que passei o dia a chá
e bolacha. Na geladeira, que é um móvel atarracado de abrir por cima, encontro
um jarro d’água, uma panela com arroz e uma tigela de goiaba em calda.
Instalo-me com a tigela à mesa, onde antigamente os empregados comiam. O velho
adivinha que pretendo passar uns tempos no sítio, e emociona-se novamente. Cai
sentado na cadeira ao lado, e seus olhos voltam a se encharcar, desta vez com
lágrimas azedas. Conta o velho que a mulher morreu há dois anos, que ele mesmo
está muito doente, que os filhos sumiram no mundo. Tapa uma narina para assuar
a outra, e conta que com ele só restaram as crianças. Que os outros, os de
fora, foram chegando e dominando tudo, o celeiro, a casa de caseiro, a casa dos
hóspedes, e contrataram gente estranha, e derrubaram a estrebaria e comeram os
cavalos. E que os outros, os de fora, só estão esperando ele morrer para tomar
posse da casa, por isso que ele dorme ali na despensa, e os netos espalhados na
sala e pelos quartos. Conta que os patrões nunca aparecem, mas, quando
aparecerem, vão ter um bom dum aborrecimento.
(BUARQUE, Chico. Estorvo.
São Paulo: Companhia das Letras, 1991, p 24-27)
1. Qual das alternativas abaixo apresenta um objeto não
escrito no texto?
a) tigela b) geladeira c) panela d) mesa
a) tigela b) geladeira c) panela d) mesa
e) fogão
2. Assinala a alternativa correta, que corresponde ao primeiro
parágrafo do texto:
a) A cancela que se encontra aberta, está agarrada no chão, incrustada e integrada ao barro seco…
b) A cancela do sítio perturba o narrador, porque ela representa o limite entre o que está dentro e o que está fora do mundo.
c) A cancela escancarada ficou assim por menos de cinco anos.
d) Cancela e portões de condomínio são similares, isto é, custam a fechar.
e) A cancela aberta é impenetrável, conforme desejo expresso do narrador.
a) A cancela que se encontra aberta, está agarrada no chão, incrustada e integrada ao barro seco…
b) A cancela do sítio perturba o narrador, porque ela representa o limite entre o que está dentro e o que está fora do mundo.
c) A cancela escancarada ficou assim por menos de cinco anos.
d) Cancela e portões de condomínio são similares, isto é, custam a fechar.
e) A cancela aberta é impenetrável, conforme desejo expresso do narrador.
3. Assinala a alternativa correta, que corresponde à
descrição física do velho:
a) Seus cabelos têm cor igual à cor dos olhos.
b) Suas pernas, que já foram musculosas, agora são finas.
c) O seu tórax é cavado, tem papeira, e a sua boca de lábios grossos permitem ver três dentes.
d) Usa barbante para amarrar seus cabelos brancos.
e) A pele de seu rosto é morena, e os braços estão caídos.
a) Seus cabelos têm cor igual à cor dos olhos.
b) Suas pernas, que já foram musculosas, agora são finas.
c) O seu tórax é cavado, tem papeira, e a sua boca de lábios grossos permitem ver três dentes.
d) Usa barbante para amarrar seus cabelos brancos.
e) A pele de seu rosto é morena, e os braços estão caídos.
4. Com relação ao vocabulário empregado no texto, assinala a
alternativa correta:
a) A palavra incrustada significa fragmentada.
b) O adjetivo atarracado equivale a encurvado.
c) O emprego da palavra velho tem sentido conotativo, figurado.
d) A expressão “pulo de sapo” equivale à expressão “pulo de gato”.
e) Na frase: “…por isso ele dorme ali na despensa“, o termo destacado significa dependência da casa onde se guardam mantimentos.
a) A palavra incrustada significa fragmentada.
b) O adjetivo atarracado equivale a encurvado.
c) O emprego da palavra velho tem sentido conotativo, figurado.
d) A expressão “pulo de sapo” equivale à expressão “pulo de gato”.
e) Na frase: “…por isso ele dorme ali na despensa“, o termo destacado significa dependência da casa onde se guardam mantimentos.
5. Com relação ao último parágrafo, assinala a alternativa
que demonstra a apreensão do antigo caseiro com o futuro do sítio:
a) “Na geladeira, que é um móvel atarracado de abrir por cima, encontro um jarro d’água, uma panela com arroz e uma tigela de goiaba em calda.”
b) “O velho adivinha que pretendo passar uns tempos no sítio…”
c) “Cai sentado na cadeira ao lado, e seus olhos voltam a se encharcar, desta vez com lágrimas azedas.”
d) “…e conta que com ele só restaram as crianças.”
e) “Conta que os patrões nunca aparecem, mas, quando aparecerem, vão ter um bom dum aborrecimento.”
a) “Na geladeira, que é um móvel atarracado de abrir por cima, encontro um jarro d’água, uma panela com arroz e uma tigela de goiaba em calda.”
b) “O velho adivinha que pretendo passar uns tempos no sítio…”
c) “Cai sentado na cadeira ao lado, e seus olhos voltam a se encharcar, desta vez com lágrimas azedas.”
d) “…e conta que com ele só restaram as crianças.”
e) “Conta que os patrões nunca aparecem, mas, quando aparecerem, vão ter um bom dum aborrecimento.”
Gostei muito do teu blog, ajudou muito em meu trabalho como professora, sou grata pelo auxílio. Abraços!
ResponderExcluirMuito obrigada,teu trabalho é muito importante, auxiliou-me...
ResponderExcluirExcelente trabalho! Tem me auxiliado bastante nas atividades de casa com o meu filho. Muito obrigado!
ResponderExcluirMe ajudou muito com os meus alunos difícil da escola onde trabalho
ResponderExcluirmuito obg, me ajudou d++ mesmo
ResponderExcluirMe ajudou muito parabéns
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