AUTOBIOGRAFIA: RECORDAÇÕES DE UMA VIDA
Nasci no Brás, Rua Carlos
Garcia, 26, no dia 30 de novembro de 1906.
Quando eu tinha oito anos a guerra, que
começou no 14 e terminou 18. Com a guerra veio muita miséria, nós passamos
muito mal aqui em são Paulo. Lembro, na Rua Américo Brasiliense, da Companhia
Mecânica importadora que ajudou muitos desses que não tinham possibilidade de
aquisição: um porque o pai foi pra guerra, outros porque tinham dificuldade de
encontrar trabalho. Na hora do almoço e na hora da janta ela dava uma sopa para
famílias do Brás, da Mooca, do pari, da classe menos favorecida pela sorte.
Comecei a trabalhar com nove anos numa
oficina de gravura que ainda existe: Masucci, Petracco e Nicoli. Meu irmão
Alfredo, que já trabalhava lá, me encaminhou: era estamparia, gravuras,
fundição de placa de bronze... Nessa fábrica foi a minha infância, mocidade e
uma boa parte da velhice. Saí de lá com cinquenta e cinco anos de trabalho,
aposentado.
O ano em que me casei, 1937, foi um dos
anos de maior miséria em são Paulo. Não sei se foi porque era o começo da
guerra, foi um ano muito sacrificado, não tinha serviço, era uma miséria.
Hoje moro com a Isabel, minha filha
solteira, e minha filha viúva e os dois netos... Sou aposentado mas ainda faço
alguma coisa daquilo que eu sabia fazer, afinal sou responsável pela casa.
A aposentadoria não é nada e preciso
pegar serviços de gravação. Pago o aluguel desta casa porque tem um quintal
gostoso para os netos, árvores.
Quando encontro os amigos da oficina
que trabalharam trinta, quarenta anos comigo é uma satisfação enorme, lembrando
o que fazíamos; as amizades lá eram boas. Porém, o mais importante em minha
vida foi o meu casamento, o nascimento das filhas, o casamento da primeira
filha, o nascimento dos filhos da minha filha.
Aquilo que eu fiz na vida não foi lá
grande coisa. Se estivesse na minha competência eu daria um conselho aos jovens
para levar uma vida honesta, uma vida com amor. E se portar direitinho... A
coisa mais linda que existe é quando um homem tem a responsabilidade da
família, uma boa esposa.
Os velhos de hoje foram os moços de
ontem. Devem procurar ainda fazer alguma coisa na vida. Se um velho fosse
doente, abandonado, deve-se recolher num lar onde pudesse passar os últimos
anos com fartura, boa companhia quando sozinho. Se tem família, embora
tenha feito algum deslize na mocidade, acho que devia ser perdoado e tratado
muito bem. Há os que partiram para o jogo e a bebida e ficaram por aí
abandonados. Mas eu acho que deveríamos olhar até por esses velhos. Eles também
trabalharam.
(Memória e sociedade:
lembranças de velhos - Ecléa Bosi)
Entendendo o texto
1 – Quais são os fatos históricos citados no texto?
Primeira Guerra
Mundial – (1914 – 1918). Em (1937) o governo Vargas implantou o Estado Novo.
1945 – Regime autoritário, marcado pelo nacionalismo pela censura entre outros.
2 – Quantos anos o narrador
trabalhou na mesma oficina de gravura? O que isso revela sobre ele?
Cinquenta e quatro anos de trabalho. Que
era uma pessoa responsável, comprometida e competente.
3 – Qual a situação
econômica do narrador?
Vivia de seu salário e sustentava sua
família.
4 – Quais são os aspectos
que o narrador considera positivos na vida dele?
Ter tido uma
esposa, filhos e netos.
5 – Segundo o narrador, como
devem ser tratados os velhos?
Com carinho, pois eles também já
trabalharam.
6 – A situação do aposentado
no Brasil. Lembra do caso do narrador: Depois de 55 anos de trabalho ele ainda
precisa trabalhar para sobreviver. Será correto, justo? Justifique sua
resposta.
Não é justo, nem
correto, mas infelizmente quem aposenta com um salário mínimo não consegue
sobreviver com ele, ou seja, pagar aluguel, remédios, alimentos, então
continuam trabalhando para reforçar o orçamento e melhorar às condições da família.
7 – Faça um “balanço” da vida do Sr. Amadeu (narrador do
texto). Valeu a pena tanto sacrifício? Justifique sua resposta.
Resposta pessoal do aluno.
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