Texto: LÍNGUA BRASILEIRA
[...] O Brasil tem dessas coisas, é um
país maravilhoso, com o português como língua oficial, mas cheio de dialetos
diferentes.
No Rio de Janeiro é “e aí merrmão! CB,
sangue bom!” Até eu entender que merrmão era “meu irmão” levou um tempo. Para
conseguir se comunicar, além de arranhar a garganta com o erre, você precisa
aprender a chiar que nem chaleira velha: “vai rolá umasch paradasch
ischperrtasch”.
Na cidade de São Paulo eles boam um “i”
a mais na frente do “n”: “ôrra meu! Tô por deintro, mas não tô inteindeindo o
que eu tô veindo”. E no interiorrr falam um erre todo enrolado: “a Ferrrnanda
marrrrcô a porrrteira”. Dá um nona língua. A vantagem é que a pronúncia deles
no inglês é ótima.
Em Mins, quer dizer, em Minas, eles
engolem letras e falam Belzonte, Nossenhora, Doidemais da conta, sô! Qualquer
objeto é chamado de trem. Lembrei daquela história do mineirinho na plataforma
da estação. Quando ouviu um apito, falou apontando as malas: “Muié, pega os
trem que o bicho tá vindo”.
No Nordeste é tudo meu rei, bichinho, ó
xente. Pai é painho, mãe é mainha, vó é voinha. E pra você conseguir falar com
o acento típico da região, é só cantar a primeira sílaba de qualquer palavra
numa nota mais aguda que as seguintes. As frases são sempre em escala descendente,
ao contrário do sotaque gaúcho.
Mas o lugar mais interessante de todos
é Florianópolis, um paraíso sobre a terra, abençoado por Nossa Senhora de
Desterro. Os nativos tradicionais, conhecidos como Manezinhos da Ilha, têm o
linguajar mais simpático da nossa língua brasileira. Chamam lagartixa de
crocodilinho de parede. Helicóptero é avião de rosca (que deve ser lido
rôschca). Carne moída é boi ralado. Telefone público, o popular orelhão, é
conhecido como poste de prosa e a ficha de telefone é pastilha de prosa. Ovo
eles chamam de semente de galinha e motel é lugar de instantinho. [...]
Ramil, Kledir. Tipo assim.
Porto Alegre: RBS publicações.
Publicações, 2003. p. 75-76.
(Fragmento). by Kledir Ramil.
Interpretação do texto:
01 - Em seu texto, Kledir Ramil “brinca” com os
chamados dialetos ou variedades regionais. Em que tipo de
fato linguístico ele se baseia para representar cada uma das variedades?
Kledir Ramil procura caracterizar cada
falar regional pelas diferenças de pronúncia (a pronuncia de S e R no Rio de
Janeiro; do R no interior de São Paulo; do E antes de consoante nasal na cidade
de São Paulo; a entonação nordestina; a eliminação de sílabas finais em Minas)
e de vocabulário (em Minas, no Nordeste e em Florianópolis).
02 – O autor se vale do seu
conhecimento sobre essas diferenças para produzir efeitos de humor ao
caracterizar a variedade utilizada no Rio de Janeiro. Explique como isso é
feito, justificando sua resposta com elementos do texto.
O
autor procura garantir que o leitor reconheça a fala de um carioca a partir da
descrição bem humorada da pronúncia dos sons R e S pelos cariocas: “Além de
arranhar a garganta com o erre, você precisa aprender a chiar que nem chaleira
velha.” Como acontece com as piadas, a graça da caracterização desse dialeto
deriva da visão estereotipada do carioca como alguém que “força” a pronúncia
desses fonemas (“e aí merrmão!”; “vai rolá umasch paradasch ischperrtach”.).
03 – As singularidades do
sotaque paulistano mencionadas no texto podem ser explicadas, em parte, pela
influência exercida pela pronúncia do português falado pelos imigrantes
italianos. Que características desse sotaque foram destacadas?
O autor afirma
que os falantes paulistanos colocam um I a mais na frente do N. A
ditongação de e em ei antes de consoante nasal em
final de sílaba é frequente nos bairros de forte presença italiana, como a
Mooca, o Bexiga e o Brás. A expressão Ôrra meu! é típico desses bairros.
04 – O autor distingue a
pronúncia, inclusive graficamente, do R
falado no interior de São Paulo daquele presente no sotaque carioca. Em que
consiste essa diferença? Justifique.
O autor, em
primeiro lugar, afirma que, no interior de São Paulo, os falantes pronunciam
“um erre todo enrolado”, que “dá um nó na língua”, refere-se ao R denominado,
comumente, caipira. Para marcar, graficamente, a diferença entre essa pronúncia
e a dos cariocas, o autor usa uma sequência de três erres (porrrteira) em lugar
de apenas dois utilizados para o erre carioca (merrmão).
a)
Por que ele afirma que os falantes de
“interior” de São Paulo teriam uma ótima pronúncia no inglês?
Ele faz essa afirmação porque, no inglês norte-americano, a
pronuncia desse R mais marcado é representativa da norma; portanto, os falantes
do interior de São Paulo não teriam dificuldades em aprender esse aspecto da
pronúncia do inglês norte-americano padrão.
05 – O que, segundo o texto,
caracterizaria o falar mineiro? Explique.
Segundo o texto, o falar mineiro seria
caracterizado pelo fato de os falantes “engolirem letras”: Mins em lugar de
Minas; Belzonte em vez de Belo Horizonte; Nossenhora em vez de Nossa Senhora.
Além disso, o autor ainda afirma que é comum o uso do vocábulo trem para
designar coisas ou objetos. Ainda é possível notar as expressões demais da
conta e sô como características do falar mineiro.
06 – No texto, Kledir Ramil
afirma que os nativos tradicionais de Florianópolis “têm o linguajar mais
simpático da nossa língua brasileira”. Por que o autor caracteriza esse
linguajar como “simpático”?
O autor do texto chama de “simpáticas” as
diferenças de vocabulário que caracterizam variedade falada em Florianópolis:
lagartixa é crocodilinho de parede; helicóptero é avião de rosca; carne moída é
boi ralado; pastel de carne é envelope de boi ralado.
07 – Releia:
“A caracterização de uma variante
regional por meio de clichês e exageros costuma vir associada a um tipo de
preconceito linguístico que custamos a reconhecer”. Com base nesta afirmação,
você consideraria preconceituosa a caracterização que o autor faz dos falantes carioca,
paulista, mineiro e nordestino? Por quê?
Talvez o autor não se dê conta, mas sua
visão sobre esses falares regionais é, sim, preconceituosa. Para percebermos
como o preconceito se manifesta no texto, basta recuperarmos a caracterização
que faz de alguns deles; a fala dos cariocas é descrita como semelhante ao
chiado de uma “chaleira velha”; os paulistas teriam um “erre todo enrolado”; os
mineiros “engolem letras”. Em todas essas caracterizações, há uma conotação
fortemente negativa e estereotipada.
a)
A visão dele é a mesma quando trata da fala
de Florianópolis? Por quê?
No caso da fala de Florianópolis, observamos que o autor faz uma
avaliação positiva das suas características específicas. Chega mesmo a afirmar
que eles “têm o linguajar mais simpático da nossa língua brasileira”.
Atividade bem elaborada. Parabéns.
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