sábado, 30 de dezembro de 2017

CRÔNICA: CASO DE CANÁRIO - CARLOS DRUMMOND DE ANDRADE - COM GABARITO

CRÔNICA: CASO DE CANÁRIO
                     Carlos Drummond de Andrade

      Casara-se havia duas semanas. Por isso, em casa dos sogros, a família resolveu que ele é que daria cabo do canário:
      – Você compreende. Nenhum de nós teria coragem de sacrificar o pobrezinho, que nos deu tanta alegria. Todos somos muito ligados a ele, seria uma barbaridade. Você é diferente, ainda não teve tempo de afeiçoar-se ao bichinho. Vai ver que nem reparou nele, durante o noivado.
      – Mas eu também tenho coração, era essa. Como é que vou matar um pássaro só porque o conheço há menos tempo do que vocês?
      – Porque não tem cura, o médico já disse. Pensa que não tentamos tudo? É para ele não sofrer mais e não aumentar o nosso sofrimento. Seja bom, vá.
      O sogro, a sogra apelaram no mesmo tom. Os olhos claros de sua mulher pediram-lhe com doçura:
      – Vai, meu bem.
      Com repugnância pela obra de misericórdia que ia praticar, ele aproximou-se da gaiola. O canário nem sequer abriu o olho. Jazia a um canto, arrepiado, morto-vivo. É, esse está mesmo na última lona e dói ver a lenta agonia de um ser tão precioso, que viveu para cantar.
      – Primeiro me tragam um vidro de éter e algodão. Assim ele não sentirá o horror da coisa.
      Embebeu de éter a bolinha de algodão, tirou o canário para fora com infinita delicadeza, aconchegou-o na palma da mão esquerda e, olhando para outro lado, aplicou-lhe a bolinha no bico. Sempre sem olhar para a vítima, deu-lhe uma torcida rápida e leve, com dois dedos no pescoço.
      E saiu para a rua, pequenino por dentro, angustiado, achando a condição humana uma droga. As pessoas da casa não quiseram aproximar-se do cadáver. Coube à cozinheira recolher a gaiola, para que sua vista não despertasse saudade e remorso em ninguém. Não havendo jardim para sepultar o corpo, depositou-o na lata de lixo.
      Chegou a hora de jantar, mas quem é que tinha fome naquela casa enlutada? O sacrificador, esse, ficara rodando por aí, e seu desejo seria não voltar para casa nem para dentro de si mesmo.
      No dia seguinte, pela manhã, a cozinheira foi ajeitar a lata de lixo para o caminhão, e recebeu uma bicada voraz no dedo.
      – Ui! Não é que o canário tinha ressuscitado, perdão, reluzia vivinho da silva, com uma fome danada?
      – Ele estava precisando mesmo era de éter – concluiu o estrangulador, que se sentiu ressuscitar, por sua vez.

ENTENDENDO O TEXTO:

1. Assinale a alternativa correta para cada item: A expressão: “… daria cabo do canário…” significa:
a. ( ) dar o canário a alguém
b. ( ) soltar o canário da gaiola
c. (X) matar o canário
d. ( ) prender o canário na gaiola

2. Na frase: “Você ainda não teve tempo de afeiçoar-se ao bichinho”, a palavra em destaque pode ser substituída por:
a. (X) apegar-se                                               b. ( ) enfurecer-se
c. ( ) desencantar-se                                        d. ( ) preocupar-se

3. Na frase: “Com repugnância pela obra de misericórdia que ia praticar…”, a palavra em destaque pode ser substituída por:
a. (X) escrúpulo         b. ( ) tédio           c. ( ) ansiedade            d. ( ) raiva.

4. Na frase: “O canário …. jazia a um canto…”, a palavra em destaque pode ser substituída por:
a. ( ) cantava      b. ( ) arrepiava-se       c. (X) estava deitado       d. ( ) saltitava

5. Na frase: “Tirou o canário com infinita delicadeza…”, a palavra em destaque pode ser substituída por:
a. ( ) arrogante       b. (X) enorme       c. ( ) desajeitado      d. ( ) espontânea.

6. Nas frases abaixo, aparecem em destaque, expressões da fala coloquial. Relacione as duas colunas, de acordo com o significado dessas expressões:
1.  “…esse está mesmo na última lona…”
2.  “…achando a condição humana uma droga…”
3.  “O canário reluzia vivinho da silva…”
4.  “ O canário estava com uma fome danada.”

a. (2) uma coisa muito ruim.      
b. (4) muito grande, fora do comum.
c. (1) no fim.
d. (3) vivo, sem nenhuma dúvida.

7. Por que os sogros e a esposa escolheram o rapaz para sacrificar o canário?
    Porque ele, sendo novo na família, ainda não tivera tempo de se apegar ao canário. 

8. O que o genro quis dizer com a frase: “Mas eu também tenho coração.”?
     Ele quis dizer que também era sensível e que tinha pena do bichinho.

9. Por que a família decidiu matar o canário de estimação?
     Porque o médico afirmara que ele estava muito doente, não tinha cura.

10. Por que o jovem marido considerou o sacrifício do canário como uma obra de misericórdia?
     Porque seria um ato de caridade abreviar o sofrimento do canário.

11. Como procedeu ele para matar o canário?
     Deu-lhe éter para cheirar e depois torceu-lhe de leve o pescoço.

12. Transcreva do texto a frase que mostra o estado de espírito do personagem depois que executou o passarinho.
     “E saiu para a rua, pequenino por dentro, angustiado, achando a condição humana uma droga.”

13. As expressões sepultar e enlutada referem-se normalmente à morte de pessoas. Por que o narrador as empregou referindo-se ao canário?
      O canário era como uma pessoa da família. Todos lhe queriam bem, como a uma criatura humana.

14. Como você entende a expressão “voltar para dentro de si mesmo”?
      A expressão significa parar para pensar, para meditar.

15. Na crônica, não aparece o nome do personagem escolhido para matar o canário. Retire do texto as palavras empregadas para se referir a ele.
      As palavras usadas para se referir ao personagem são sacrificador e estrangulador.

16. Como se explica o fato de o canário estar vivo?
      Na verdade, o canário não tinha morrido. A torcida rápida e leve no pescoço não foi suficiente para matá-lo.

17. Por que o personagem, no final, também se sentiu ressuscitado?
      O personagem estava desolado com a morte do canário. Ao saber que ele estava vivo, sentiu grande alivio e felicidade.

18. Na crônica, o canário aparece em duas situações diferentes:
      --- Primeiro, ele está muito mal, semimorto.
      1a. – Jazia a um canto, arrepiado, morto-vivo.

      --- Depois, ele aparece curado, bem vivo. Transcreva as frases que mostrem o canário nessas duas situações.
      Não é que o canário tinha ressuscitado, perdão, reluzia vivinho da silva com uma fome danada?



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