domingo, 3 de dezembro de 2017

TEXTO: CAMISA 1 - JOSÉ ROBERTO TORERO - COM GABARITO

Texto: CAMISA 1


   Já faz cinco minutos que ninguém chuta uma bola. Melhor assim. Ou vai ver é pior: se ninguém chuta, eu não defendo e não apareço.
   Tomara que chutem, mas chutem fraco, porque aí eu faço uma ponte e a torcida vai achar que eu sou bom.
     Mas tem uns chutes fracos que vão bem no canto e aí parece um frango. O melhor mesmo é que não chutem. Ainda mais se o chute vier daquele número 8. Ele chuta bem pra caramba.
        Eu também chuto forte. Por que não fui ser atacante? Acho que foi porque meu pai me deu umas luvas quando eu era pequeno. Lá vem o 8!
        -- Trava, trava!
        Boa, o central travou. Esse cara ainda vai para a seleção. Ou pelo menos para um clube de cidade grande.
        Eu também vou, eu sei que um dia eu vou. Não, não vou, eu sei que não vou.
        É melhor estudar para aquele concurso do Banco do Brasil. Lá deve ter um time de futebol. Aposto que eu ia ser o titular.
        A não ser que o Aristides também passasse no concurso. Mas ele é uma besta, nunca que ia passar. Coitado, não posso falar assim. O cara tá com o dedo quebrado. Mas também, quem mandou se atirar no pé do Tonelada? Ainda mais num treino.
        Xi, lá vem o 7. Mas esse chuta muito mal. Ele vai chutar ou cruzar? chutar ou cruzar? Se ele cruzar, eu saio ou fico? Fico ou saio?
        Cruzou! Meu, que soco que eu dei! A bola foi parar quase no meio de campo! Eu sou bom à beça. Acho que até escutei uma palmas na torcida. Ou vai ver foi impressão. Quem é que aplaude goleiro? Só guando defende um pênalti. Bem que podiam apitar um pênalti contra a gente. Se eu não defender, não faz mal, e, se eu pegar, posso até ganhar a posição do Aristides.
        Xi, lá vem o 8.
        -- Trava, trava!
        Ufa, desta vez foi por cima... Só levantei o braço para acompanhar a bola, mas levantei com classe, parecia profissional. Pena que a minha camisa tá furada no sovaco. Preciso comprar uma nova. Uma vermelha! Aposto que eu ia jogar bem melhor com uma vermelha.
        Agora tenho que caprichar no tiro de meta. Adoro cobrar tiro de meta. Posso dar a maior bomba! E quando a bola cai num atacante parece que foi de propósito. Um, dois, três... Droga, foi pela lateral. Deve ter sido o vento. Ou essa chuteira. Também preciso de uma chuteira nova. E vermelha, para combinar com a camisa. Hoje em dia tem uns goleiros que colocam uns desenhos na camisa. Aí já acho demais. Mas vermelha é bacana. Com uma listra amarela. Ou sem listra? Com listra ou sem listra? Lá vem o 7 de novo. Vai chutar ou vai cruzar? chutar ou cruzar?
        Chutou! E eu peguei! Encaixei! Eu sou bom à beça! Que Banco do Brasil, que nada! Eu vou ser goleiro. E agora vou mandar outro bolão. Um, dois e ... Essa foi mais alta ainda. Quase chegou no outro goleiro. Quem será que é o outro goleiro? Parece meio velho. Aposto que tem mais de 30 anos. E ainda joga nesse timinho? Não deve ganhar nem 700 reais por mês. Será que quando eu tiver 30 ...
        Xi, lá vem o 8.
        -- Trava, trava!
        Não travou! Esse central é uma besta. Agora é só eu e o 8! Eu e o 8! Pode chutar que eu sou bom à beça! Eu vou pra seleção!
        Não ... Por baixo das pernas não ...

   Torero, José Roberto. In: Zé Cabala e outros filósofos do futebol.
                                                São Paulo: Objetiva, 2005. p. 87-89.
Interpretação do texto:
01 – A estratégia utilizada pelo autor do texto, ao reproduzir o monólogo interior de um goleiro, contribui para a construção do humor? Explique.
      Porque o autor, ao reproduzir o monólogo interior do goleiro durante um jogo de futebol, permite que o leitor “acompanhe” os pensamentos desse jogador enquanto ele espera defender o seu time, impedindo que o adversário faça um gol. Além disso, ficam claros os conflitos vividos por esse personagem que, ao mesmo tempo em que espera jogar bem e “aparecer” no jogo, também tem medo de não conseguir defender uma bola e acabar, por isso, sendo ridicularizado pela torcida e pelos demais jogadores.

02 – Antes de cada ataque do jogador de número 7, o personagem faz questionamentos interiores. Que questionamentos são esses e como são apresentados no texto?
      Antes de cada ataque do jogador 7, o goleiro fica na dúvida sobre como isso ocorrerá, isto é, se o adversário vai chutar a bola ou se vai cruzar, o goleiro se pergunta se deve ficar na sua posição ou sair para defender a bola. Esses questionamentos são apresentados em formas de perguntas que o goleiro faz a si próprio enquanto o jogador adversário se aproxima.

a)   Nos dois momentos em que esse ataque ocorre, o personagem consegue fazer a defesa e se vangloria disso. De que maneira essa atitude do personagem contribui para a construção do humor nesse trecho?
Na primeira jogada, o goleiro consegue dar um soco na bola e afirma que ela foi parar “quase no meio do campo”.
Na segunda jogada, o goleiro consegue pegar a bola de forma “encaixada”. Nos dois casos, ele se define como um goleiro “bom à beça”.

03 – Releia.
        “Ufa, dessa vez foi por cima... Só levantei o braço para acompanhar a bola, mas levantei com classe, parecia profissional. Pena que a minha camisa tá furada no sovaco. Preciso comprar uma nova. Uma vermelha” Aposto que eu ia jogar bem melhor com uma vermelha.”
a)   A descrição que o goleiro faz de sua atuação no trecho transcrito é divertida. Por quê?
A cena é divertida porque, além de o goleiro ficar aliviado com o fato de o chute a gol não ter representado um “perigo” real, o movimento feito pelo personagem é descrito como uma “grande” manobra que o fez parecer um jogador profissional.

b)   De que maneira o humor é explorado mais uma vez quando o goleiro se refere à sua camisa?
O humor é explorado quando o goleiro lamenta que o movimento realizado por ele tenha exposto o furo “no sovaco” que ele tem na camisa.

04 – Como o desfecho da história contribui para o humor da crônica?
      Quando ocorre o último chute a gol, a situação é engraçada por dois motivos: o goleiro fica frente a frente com o jogador 8, definido pelo personagem como muito bom, e o adversário faz o gol chutando entre as pernas do goleiro, o que é uma grande humilhação. O fato de o goleiro, que se caracterizou como “bom à beça” durante o texto, ter tomado um gol dessa forma contribui para o humor da cena.

a)   Que outros elementos, no texto, colaboram para a construção do humor?
Um elemento que colabora com a construção do humor é o fato do goleiro, primeiro, elogiar o zagueiro quando trava o camisa 7, e mais tarde chama-lo de “besta” porque não consegue parar o camisa 8.
Um outro momento engraçado é quando o goleiro cita o Aristides, dizendo que este quebrou o dedo porque se jogou no pé Tonelada.


4 comentários: