quinta-feira, 13 de maio de 2021

MÚSICA(ATIVIDADES): FEITO PRA ACABAR - MARCELO JENECI - COM GABARITO

 MÚSICA(ATIVIDADES): FEITO PRA ACABAR

                                                            Marcelo Jeneci

Quem me diz

Da estrada que não cabe onde termina

Da luz que cega quando te ilumina

Da pergunta que emudece o coração

 

Quantas são

As dores e alegrias de uma vida

Jogadas na explosão de tantas vidas

Vezes tudo que não cabe no querer

 

Vai saber

 Se olhando bem no rosto do impossível

O véu, o vento o alvo invisível

Se desvenda o que nos une ainda assim

 

A gente é feito pra acabar

Ah Aah

 

 A gente é feito pra dizer

Que sim

A gente é feito pra caber

No mar

E isso nunca vai ter fim.

JENECI, Marcelo. Feito pra acabar. Intérprete: Marcelo Jeneci. In: Feito pra acabar. [S.l.]: Som Livre, 2010. 1 CD. Faixa 13. FONTE: Andrea Ebert/Arquivo da editora.

 Fonte: Livro: Língua Portuguesa: linguagem e interação/ Faraco, Moura, Maruxo Jr. – 3.ed. São Paulo: Ática, 2016. p.115/116.

Entendendo a canção

1.   Uma canção é um gênero textual que se parece bastante com outro gênero de texto que você conhece. Qual?

O poema.

2.   Em sua opinião, o que "é feito pra acabar"?

Resposta pessoal.

 

3.  A letra da canção de Marcelo Jeneci é, como muitos textos líricos, marcada pelo emprego intenso de figuras de linguagem. Que figura de linguagem que se destaca nessa canção?

É a antítese: ela consiste em reunir em um só enunciado ideias ou imagens opostas, em geral para ressaltar o contraste entre elas ou criar efeitos de sentido como a contradição.

4.Identifique exemplos de antíteses na letra da canção e tente explicar o significado delas.

As antíteses traduzem o estado de espírito do eu lírico: ao mesmo tempo que se sente cheio de vida (isso é bem marcado na segunda estrofe), parece também perceber que tudo precisa ter fim, inclusive a própria vida (marcado, por exemplo, pelo verso "A gente foi feito pra acabar").

   5.Que outras figuras de linguagem presentes na letra de Feito pra acabar?

A aliteração e a anáfora. As duas estão ligadas principalmente à sonoridade, ao ritmo.

 

 

 

quarta-feira, 12 de maio de 2021

CRÔNICA: VERGONHA PARCELADA - GREGORIO DUVIVIER - COM GABARITO

 CRÔNICA: VERGONHA PARCELADA

                Gregorio Duvivier

NÃO ESTRANHE se você me vir levando as mãos ao rosto no meio da rua e gritando comigo mesmo: "Não! Não, Gregorio! Por que você fez isso, cara?". Sofro de uma síndrome comum: a da vergonha parcelada. Algumas situações me causam tanto embaraço que pago por elas a vida inteira. A cada vez que uma vergonha antiga me vem à cabeça, sofro como se fosse a primeira vez que estivesse sofrendo.

Não parecem vergonhas monumentais, são vergonhas ridículas - mas é isso o que faz delas monumentais. Exemplo: no aeroporto de Congonhas, pedi um café. "Carioca?" - a moça perguntou. "Sou", respondi, achando que ela queria saber minha procedência.

A moça pensou que eu tinha feito uma piadinha péssima e retribuiu. Tive vontade de me esconder debaixo dos bancos do salão de embarque pelo simples fato de que alguém no mundo tinha achado que eu era uma pessoa que faria aquele tipo de piada. Até hoje, só passo em frente à Casa do Pão de Queijo de Congonhas com uma mochila escondendo o rosto.

Outro dia, chovia a cântaros - deve fazer um bom tempo, porque faz um bom tempo que não chove a cântaros. Acenava desesperadamente para os táxis, em frente ao Shopping da Gávea. Eis que um sujeito surge e começa a fazer o mesmo, alguns passos à minha frente. Todo ser humano civilizado sabe que, a partir do momento em que uma pessoa acena para os táxis, os outros candidatos têm que se posicionar atrás dela. Na frente, nunca. Revoltado, intercedi: "Amigo, desculpa, cheguei antes". Ao que ele respondeu, humilde: "Tô chamando táxi pra você. Sou segurança do shopping". E conseguiu um táxi, e abriu a porta pra mim, e eu entrei, e ele bateu a porta, e junto com a porta se abateu sobre mim o peso da miséria humana.

Encontrei um amigo de longa data. Não lembrava seu nome, e ainda hoje não lembro - talvez fosse Marcelo. Consegui disfarçar chamando o amigo de  brother, até que sua namorada me perguntou: "Há quanto tempo você conhece o Marcelo?". Respondi: "Desculpa, não sei de quem você tá falando". O Marcelo em questão, perplexo, me observava com um misto de tristeza pelo esquecimento e espanto pela minha estupidez.

Enquanto escrevo essa crônica, algumas vezes precisei interromper a digitação para levar as mãos ao rosto e exclamar, em voz alta: "Não! Não, Gregorio! Por que você fez isso, cara?".

DUVIVIER, Gregorio. Vergonha parcelada. Folha de S.Paulo, 6 abr. 2015. Caderno Ilustrada, p. E5.

Fonte: Livro: Língua Portuguesa: linguagem e interação/ Faraco, Moura, Maruxo Jr. – 3.ed. São Paulo: Ática, 2016. p.90-1.

 Fonte da imagem -https://www.google.com/url?sa=i&url=http%3A%2F%2Fblog.clubecafe.net.br%2Fvoce-conhece-os-tipos-mais-tradicionais-de-cafezinho%2F&psig=AOvVaw1rx22t8J5d2WeQmqhfemJI&ust=1620944737663000&source=images&cd=vfe&ved=0CAIQjRxqFwoTCPDLxPCXxfACFQAAAAAdAAAAABAD

Entendendo o texto

1. Nessa crônica de Gregorio Duvivier, não narra um único fato.

a) Responda: quantos e quais fatos são narrados ao longo da crônica?

Há três pequenas histórias contadas: o episódio do café, o táxi no dia de chuva e o esquecimento do nome do amigo.

b) O que parece conectar os fatos narrados uns aos outros?

 A conexão é estabelecida pela ideia geral da crônica, que o cronista propõe discutir: a existência de atitudes que tomamos e das quais nos envergonhamos sempre que nos lembramos delas.

c) Você já passou por experiências semelhantes à apresentada na crônica, a de sentir "vergonhas parceladas"? Em caso afirmativo, relate alguma dessas situações.

Resposta pessoal.

2. Em algumas passagens do texto, o enunciador se mostra explicitamente como um "eu". Releia o trecho a seguir e responda às questões.

“Sofro de uma síndrome comum: a da vergonha parcelada. Algumas situações me causam tanto embaraço que pago por elas a vida inteira. A cada vez que uma vergonha antiga me vem à cabeça, sofro como se fosse a primeira vez que estivesse sofrendo.” (linhas 4-8)

a) Que palavras explicitam o enunciador no trecho acima?

 As formas verbais de primeira pessoa do singular (sofro, pago, sofro, estivesse sofrendo) e o emprego do pronome me.

b) No início da crônica há também marcas que se referem explicitamente ao enunciatário (aquele a quem se destina o texto). Localize-as.

No primeiro parágrafo, a forma verbal de imperativo negativo "não estranhe", o pronome você e a forma verbal vir, exatamente no início do texto: "Não estranhe se você me vir [...]".

c) Em sua opinião, o que justificaria o emprego dessas formas que tornam explícito tanto o enunciador quanto o enunciatário? Que efeito de sentido elas provocam no texto?

Resposta pessoal. Sugestão: Perceber que a expressão tanto do enunciador quanto do enunciatário, por meio de formas linguísticas explícitas, constitui um recurso de linguagem que simula o diálogo, cujo objetivo é aproximar autor e leitores. O efeito de sentido é a aproximação entre os dois, o que gera o convite à reflexão, a partir de situações do cotidiano.

3. Costuma-se dizer que a crônica é um gênero ligado ao relato e à representação de situações do cotidiano. De que forma a crônica de Gregorio Duvivier confirma essa ideia?

Resposta pessoal. Sugestão: É por meio de fatos corriqueiros, como pedir um café, chamar um táxi num dia de chuva e não se lembrar do nome de um antigo conhecido, que o autor da crônica procura levar os leitores a refletir sobre a temática central apresentada: as vergonhas parceladas.

 

CRÔNICA: BRILHANTE, ADAMASTOR - ANTONIO PRATA - COM GABARITO

 CRÔNICA: BRILHANTE, ADAMASTOR        

                        Antonio Prata

Este ano o verão demorou a chegar e parece querer compensar o atraso trabalhando dobrado. Subo a Angélica de carro e vejo um amigo a pé, pela calçada. Ele sua, bufa e resmunga qualquer coisa, provavelmente contra o sol, a gravidade, nossa condição bípede, Deus e todos os santos. Dou uma buzinada, abro o vidro, pergunto aonde vai, diz que ao fórum de Pinheiros. Vou para perto, ofereço uma carona. Ele salta pra dentro do carro e logo fico sabendo que sua infelicidade tem menos a ver com verão do que com o vizinho, um sujeito de maus bofes chamado Adamastor.

Meu amigo é educado e pacífico. Não cito seu nome, pois é réu num processo aberto pelo tal Adamastor no Tribunal de Pequenas Causas; não quero prejudicá-lo. Vamos chamá-lo de Ivo, nome que me parece adequado a um sujeito educado e pacífico. Assim como Adamastor cabe perfeitamente a um homem ignorante e agressivo - e vejam a coincidência, pois Adamastor é mesmo o nome do vizinho, que faço questão de citar para que se cubra de infâmia. Adamastor. Adamastor. Adamastor.

Ivo mora numa casa térrea. A casa fica de lado pra rua, de frente pra um jardinzinho comprido e prum muro de quatro metros de altura. Do outro lado do muro vive o Adamastor, mas Ivo nunca se lembra disso ao abrir a porta, todas as manhãs, pois entre o Adamastor e meu amigo, além do muro, há uma enorme trepadeira, uma tela verde de 4 x 10 metros, que o próprio Ivo plantou faz uma década, e ali está a embelezar sua vista e purificar o ar da cidade.

Se todos tivessem trepadeiras como a do Ivo, talvez não fizesse tanto calor. Talvez o verão não demorasse a chegar nem estivesse trabalhando dobrado. Talvez ainda houvesse garoa. Talvez o mundo estivesse salvo. Mas o mundo não está salvo, há menos trepadeiras do que sujeitos feito o Adamastor que, vejam só, encasquetou que a planta deixa sua casa úmida e que o Ivo precisa arrancá-la.

Eu disse que o Ivo era educado e pacífico. Não minto. Quando o Adamastor apareceu, trazendo o cunhado para intimidar, meu amigo ouviu calmamente sua queixa. Disse que ia chamar um engenheiro capaz de dizer se a trepadeira era a culpada pela umidade e, caso se confirmasse a suspeita, ele a cortaria. "É a trepadeira!", afirmou o Adamastor, com aquele pequeno gozo sadomasoquista de quem acredita que o próprio sofrimento é fruto única e exclusivamente do prazer alheio e que, uma vez exterminada a alegria do outro, seu incômodo cessará, na triste matemática dos egoístas, onde só existe a soma zero.

Pois bem, meu amigo chamou não um nem dois, mas três engenheiros. Todos disseram, na frente do Adamastor, que a trepadeira é inocente. Que a umidade vem do chão, do lado da casa do querelante, mas Adamastor não aceita e, 15 dias atrás, ao abrir a porta, Ivo encontrou, além da trepadeira, uma intimação judicial. Adamastor está levando a trepadeira aos tribunais. Não lhe importam a engenharia, a botânica, a lógica. O negócio é pessoal. Com seu nome de gigante e sua alma de gnomo, ele vai até o fim, até arrancar a trepadeira, até deixar o mundo um pouquinho pior e poder gozar, em sua toca úmida e abafada, o triunfo de sua mediocridade. Brilhante, Adamastor.

PRATA, Antonio. Brilhante, Adamastor. Folha de S.Paulo, São Paulo, 8 fev. 2012. Caderno Cotidiano. Disponível em: folha.uol.com.br/fsp/cotidiano/24685-brilhante-adamastor.shtml. Acesso em: ago. 2015.

Fonte: Livro: Língua Portuguesa: linguagem e interação/ Faraco, Moura, Maruxo Jr. – 3.ed. São Paulo: Ática, 2016. p.82-5. 

"Adamastor é o nome de um gigante mitológico, citado pelo poeta Luís de Camões em seu poema épico Os lusíadas. Nesse poema, que narra uma das primeiras viagens marítimas empreendidas pelos portugueses ao redor do continente africano, o gigante Adamastor tenta destruir os navios portugueses num dos pontos do percurso da viagem. Na mitologia dessa obra poética, Adamastor representa os perigos naturais enfrentados pelos navegadores ao longo de sua jornada. Na crônica de Antonio Prata, o nome Adamastor remete metaforicamente a esse gigante. Veja como Camões descreve Adamastor:

De disforme e grandíssima estatura,

O rosto carregado, a barba esquálida,

Os olhos encovados, e a postura

Medonha e má, e a cor terrena e pálida,

Cheios de terra e crespos os cabelos,

A boca negra, os dentes amarelos."

CAMÕES, Luís Vaz de. Os lusíadas. 13ª ed. São Paulo: Melhoramentos, [s.d].

Glossário:

esquálido: imundo; desalinhado.

LEGENDA: O gigante Adamastor, em escultura de Julio Vaz Júnior (1877-1963) instalada no miradouro de Santa Catarina, em Lisboa.FONTE: © JB-2078/Alamy/Other Images

ENTENDENDO A CRÔNICA

1. Na crônica, qual evento pode ser considerado o motivo que desencadeia a sucessão de ações? Justifique sua resposta.

O encontro entre os dois amigos. É o encontro que desencadeia a história narrada e comentada na crônica.

2. Duas das personagens presentes no texto podem ser consideradas centrais - o protagonista e o antagonista.

a) Quem são elas?

     Ivo e Adamastor.

b) Por que estão em oposição uma à outra?

   Há uma disputa entre elas por causa da trepadeira, o que as coloca em posições antagônicas.

3. Uma das características que o enunciador atribui a Ivo é ser educado e pacífico. Vamos relacioná-la ao desenvolvimento da crônica.

a) Que ações empreendidas por essa personagem poderiam justificar a atribuição dessa característica?

A tentativa de negociar o corte da trepadeira com o vizinho Adamastor.

b) Em pelo menos duas passagens do texto, essa característica é explicitada e reforçada. Releia os trechos:

I.

Meu amigo é educado e pacífico. Não cito seu nome, pois é réu num processo aberto pelo tal Adamastor no Tribunal de Pequenas Causas; não quero prejudicá-lo. Vamos chamá-lo de Ivo, nome que me parece adequado a um sujeito educado e pacífico. [...] (linhas 12-17)

II.

Eu disse que o Ivo era educado e pacífico. Não minto. [...] (linhas 39-40)

Em sua opinião, por que a insistência nessa característica?

Ao insistir nessa característica de Ivo, ressalta-se, por contraste, a característica de Adamastor: a truculência.

4. O desfecho do texto é construído com ironia. Releia-o a seguir, observando especialmente os trechos em destaque:

 [...] Com seu nome de gigante e sua alma de gnomo, ele vai até o fim, até arrancar a trepadeira, até deixar o mundo um pouquinho pior e poder gozar, em sua toca úmida e abafada, o triunfo de sua mediocridade. Brilhante, Adamastor. (linhas 59-64)

a)   Explique a ironia, em destaque.

          A ironia forma-se pelo contraste entre o sentido do enunciado "[...] até deixar o mundo um pouquinho pior [...]" e o elogio que encerra a crônica, "Brilhante, Adamastor".

b) Em sua opinião, o que leva o autor da crônica a esse desfecho irônico?

    Resposta pessoal. Sugestão: Perceber que a atitude irônica se deve ao fato de o autor criticar as ações empreendidas pelo vizinho - mesmo sabendo que a trepadeira não é a responsável pela umidade da casa, ele insiste em que ela seja destruída.

 

 

 

 

 

CONTO: LUZ DE LANTERNA, SOPRO DE VENTO - MARINA COLASANTI - COM GABARITO

 CONTO: LUZ DE LANTERNA, SOPRO DE VENTO

                  Marina Colasanti

         Tendo o marido partido para a guerra, na primeira noite da sua  ausência a mulher acendeu uma lanterna e pendurou-a do lado de fora da casa. “Para trazê-lo de volta”, murmurou. E foi dormir.

        Mas, ao abrir a porta na manhã seguinte, deparou-se com a lanterna apagada. “Foi o vento da madrugada”, pensou olhando para o alto como se pudesse vê-lo soprar.

       À noite, antes de deitar, novamente acendeu a lanterna que, a distância, haveria de indicar ao seu homem o caminho de casa.

      Ventou de madrugada. Mas era tão tarde e ela estava tão cansada que nada ouviu, nem o farfalhar das árvores, nem o gemido das frestas, nem o ranger da argola da lanterna. E de manhã surpreendeu-se ao encontrar a luz apagada.

       Naquela noite, antes de acender a lanterna, demorou-se estudando o céu límpido, as claras estrelas. “Na certa não ventará”, disse em voz alta, quase dando uma ordem. E encostou a chama do fósforo no pavio.

       Se ventou ou não, ela não saberia dizer. Mas antes que o dia raiasse não havia mais nenhuma luz, a casa desaparecia nas trevas.

        Assim foi durante muitos e muitos dias, a mulher sem nunca desistir acendendo a lanterna que o vento, com igual constância, apagava.

        Talvez meses tivessem passado quando num entardecer, ao acender a lanterna, a mulher viu ao longe, recortada contra a luz que lanhava em sangue no horizonte, a escura silhueta de um homem a cavalo. Um homem a cavalo que galopava na sua direção.

       Aos poucos, apertando os olhos para ver melhor, distinguiu a lança erguida ao lado da sela, os duros contornos da couraça. Era um soldado que vinha. Seu coração hesitou entre o medo e a esperança. O fôlego se reteve por instantes entre os lábios abertos. E já podia ouvir os cascos batendo sobre a terra, quando começou a sorrir. Era seu marido que vinha.

          Apeou o marido. Mas só com um braço rodeou- -lhe os ombros. A outra mão pousou na empunhadura da espada. Nem fez menção de encaminhar-se para a casa.

        Que não se iludisse. A guerra não havia acabado. Sequer havia acabado a batalha que deixara pela manhã. Coberto de poeira e sangue, ainda assim não havia vindo para ficar. “Vim porque a luz que você acende à noite não me deixa dormir”, disse-lhe quase ríspido. “Brilha por trás das minhas pálpebras fechadas, como se me chamasse. Só de madrugada, depois que o vento sopra, posso adormecer.”

        A mulher nada disse. Nada pediu. Encostou a mão no peito do marido, mas o coração dele parecia distante, protegido pelo couro da couraça. “Deixe-me fazer o que tem que ser feito, mulher”, disse sem beijá-la. De um sopro apagou a lanterna. Montou a cavalo, partiu. Adensavam-se as sombras, e ela não pôde sequer vê-lo afastar-se recortado contra o céu.

        A partir daquela noite, a mulher não acendeu mais nenhuma luz. Nem mesmo a vela dentro de casa, não fosse a chama acender-se por trás das pálpebras do marido.

       No escuro, as noites se consumiam rápidas. E com elas carregavam os dias, que a mulher nem contava. Sem saber ao certo quanto tempo havia passado, ela sabia porém que era tanto.

       E, passado outro tanto, num final de tarde em que à soleira da porta despedia-se da última luz do horizonte, viu desenhar-se lá longe a silhueta de um homem. Um homem a pé que caminhava na sua direção. Protegeu os olhos com a mão para ver melhor e aos poucos, porque o homem avançava devagar, começou a distinguir a cabeça baixa, o contorno dos ombros cansados. Contorno doce, sem couraça. Hesitou seu coração, retendo o sorriso nos lábios — tantos homens haviam passado sem que nenhum fosse o que ela esperava. Ainda não podia ver-lhe o rosto, oculto entre barba e chapéu, quando deu o primeiro passo e correu ao seu encontro, liberando o coração. Era seu marido que voltava da guerra.

Não precisou perguntar-lhe se havia vindo para ficar. Caminharam até a casa. Já iam entrar, quando ele se reteve. Sem pressa voltou-se, e, embora a noite ainda não tivesse chegado, acendeu a lanterna. Só então entrou com a mulher. E fechou a porta.

 

COLASANTI, Marina. luz de lanterna, sopro de vento. in: ——.

Um espinho de marfim e outras hist—rias. Porto Alegre: l&PM, 1999. p.

165-168.

Fonte: Livro: Língua Portuguesa: linguagem e interação/ Faraco, Moura, Maruxo Jr. – 3.ed. São Paulo: Ática, 2016. p. 78-9.

ENTENDENDO O CONTO

 1.   As situações que você imaginou se concretizaram, de alguma forma, na história criada por Marina Colasanti?

Resposta pessoal.

2.   De que maneira a personagem principal persegue seu objeto de desejo?

Ela tenta manter acesa a chama da lanterna, noite após noite.

      3.O  clímax ocorre quando a mulher reencontra o marido, quando este volta da guerra pela segunda vez. De que maneira o desfecho aproxima a mulher de seu objeto de desejo? Explique.

      O gesto de acender a lanterna, executado agora pelo marido, sugere ao leitor o que acontecerá com ambas as personagens. O fogo, nesse caso, simboliza o calor, o amor, a proximidade entre ambos.

  4.   Como você explica o desfecho do conto?

     O desfecho aponta para a consolidação do amor entre marido e mulher. O fogo aceso mantém o marido “vivo” e “acordado”.

5.   Em sua opinião, que leitores mais se identificam com esse conto? Por quê?

Possivelmente leitores adultos, talvez do sexo feminino, capazes de se identificar com o drama vivenciado pela personagem feminina: a mulher que aguarda o retorno do marido que partiu para a guerra.

 

CONTO: O JEGUE CEGO - OSWALDO FRANÇA JÚNIOR - COM GABARITO

 HISTÓRIA: O JEGUE CEGO  

    Oswaldo França Júnior

Na Serra de Ibiapaba, numa das encostas mais altas, encontrei um jegue. Estava voltado para o lado leste e me pareceu que descortinava o panorama. Mas quando me aproximei, percebi que era cego!

Perguntei-lhe o que fazia nas encostas daquela serra. Ele me  respondeu que sempre tivera vontade de ficar ali, parado, descortinando o panorama árido. Mas o homem não permitia que ele abandonasse o trabalho e se dirigisse àquele sítio. Só houve um meio de o homem deixá-lo ir: era tornando-se inútil. E ele se tornou cego e ali estava.

— Mas você não pode ver o panorama — eu lhe disse.

— Não tem importância — ele respondeu—, eu posso imaginá-lo.

FRANÇA JÚNIOR, Oswaldo. As laranjas iguais. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1985. p. 67.

Fonte: Livro: Língua Portuguesa: linguagem e interação/ Faraco, Moura, Maruxo Jr. – 3.ed. São Paulo: Ática, 2016. p.51. 

Responda:

a)   A história lida é real ou inventada? Justifique.

Trata-se de uma história inventada, pois no mundo real bichos não falam.

 b)   Em sua opinião, por que o autor do conto escolheu um jegue para ser a personagem da história?

 Resposta pessoal. Nossa leitura aponta para uma ironia na escolha do animal, que se mostra bastante perspicaz.

c)   Que sentimento a última fala do jegue despertou em você?

Resposta pessoal.

 d)   Você se lembra de alguma história real e recente ocorrida com uma pessoa e que tenha despertado em você o mesmo sentimento?

Resposta pessoal.

2. Em certa passagem do conto, o narrador promove uma “aceleração” no ritmo da história. localize-a e indique onde começa e termina.

Trata-se do trecho que começa em “sempre tivera” e termina em “ali estava”.

3. Identifique as formas verbais do texto. Que tempo predomina: o presente, o passado ou o futuro? Por que isso ocorre, em sua opinião?

Predomina o passado, já que o texto conta um fato passado, já acontecido.


terça-feira, 11 de maio de 2021

REPORTAGEM: PARA CARR, INTERNET ATUA NO COMÉRCIO DA DISTRAÇÃO - NICHOLAS CARR- ELISANGELA ROXO - COM GABARITO

 Para Carr, internet atua no comércio da distração


Autor de “A Geração Superficial” analisa a influência da tecnologia na mente

Segundo jornalista americano Nicholas Carr, a internet pode ser capaz de homogeneizar as fronteiras culturais

ELISANGELA ROXO– DE SÃO PAULO

O jornalista americano Nicholas Carr acredita que a internet não estimula a inteligência de ninguém.

Ele fez um apanhado teórico sobre a superficialidade que a web provoca no livro “A Geração Superficial — O que a internet está fazendo com os nossos cérebros”, lançado agora no Brasil pela Agir.

Na obra, o autor explica descobertas científicas sobre o funcionamento do cérebro humano e teoriza sobre a influência da internet sobre nossa forma de pensar.

Graças a este livro, Carr se tornou referência quando o assunto é oposição aos avanços e às possibilidades criadas pela internet.

Para ele, a rede torna o raciocínio de quem navega mais raso, além de fragmentar a atenção de seus usuários.

Mais: Carr afirma que há empresas obtendo lucro com a recente fragilidade da nossa atenção.

“Quanto mais tempo passamos on-line e quanto mais rápido  passamos de uma informação para a outra, mais dinheiro empresas de internet, como Google e Facebook, fazem”, avalia.

“Essas empresas estão no comércio da distração e são experts em nos manter cada vez mais famintos por informação fragmentada em partes pequenas. É claro que elas têm interesse em nos estimular e tirar vantagem da nossa compulsão por tecnologia.”

A crítica de Carr começou com o artigo “O Google Está nos Deixando Mais Burros?”, publicado em 2008 na revista “The Atlantic Review”. A repercussão foi tamanha que a história virou livro.



Fronteiras

No ano passado, a obra figurou entre as mais vendidas nos EUA e foi finalista da categoria de não ficção do Prêmio Pulitzer, o “Oscar literário”. O livro foi traduzido para mais de 20 línguas.

Segundo Carr, a internet, com seu alcance ilimitado, pode ser uma ameaça às fronteiras culturais.

“Nosso uso de tecnologia é influenciado por normas sociais e culturais. Mas, a longo prazo, a tecnologia tende a homogeneizar tudo. Ela já começa a apagar as diferenças culturais e estimula um uso padrão em todo lugar”, ressalta Carr.

“Acho que, ultimamente, a internet é usada de forma igual, com efeitos semelhantes, independentemente do lugar e da cultura.”

Off-line

Para tentar recuperar o raciocínio perdido, o próprio jornalista resolveu se desconectar um pouco.

Fechou suas contas no Facebook e no Twitter e mantém apenas a atualização de um blog pessoal.

Carr afirma não ter interesse em voltar para nenhuma das duas redes sociais. Ele as considera fontes de “limitação do pensamento”.

Apesar disso, o autor aderiu recentemente à nova rede social do Google, o Google+, que diz ter achado “muita chata”.

“Entrei porque escrevo sobre tecnologia e quero entender esse serviço. Apesar de não ser tão banal quanto o Facebook, espero poder encerrar logo minha conta.”

A GERAÇÃO SUPERFICIAL

AUTOR Nicholas Carr

EDITORA Agir

TRADUÇÃO Mônica Gagliotti Fortunato Friaça

QUANTO R$ 49,90 (312 páginas)

[...]

ROXO, Elisangela. Para Carr,

internet atua no comércio da distração. Folha de S.Paulo,

São Paulo, 18 fev. 2012. Ilustrada. p. E3.

Fonte: Livro: Língua Portuguesa: linguagem e interação/ Faraco, Moura, Maruxo Jr. – 3.ed. São Paulo:Ática, 2016. p.42-3.


ENTENDENDO O TEXTO

1.De que assunto trata o texto?

O texto apresenta as principais ideias de Nicholas Carr tratadas em seu livro A geração superficial.

2. Podemos dizer que o texto se divide em algumas partes, bem marcadas pela diagramação. releia-o, observe seu formato na foto que traz a matéria na página do jornal e responda:

a) Que partes são essas?

 O título, as breves (abaixo do título, duas linhas-finas), o nome do redator, o corpo do texto, subdividido em três partes (marcadas por intertítulos), uma parte final, com a ficha técnica do livro resenhado.

b) A partir do primeiro parágrafo, iniciado em “o jornalista americano (linhas 1-3)”, o texto apresenta três subdivisões internas. Qual é o tema predominante em cada uma das três partes do texto?

Primeira parte: apresentam-se as ideias que originaram o livro A geração superficial; segunda parte: informa sobre a trajetória do livro e também traz algumas das ideias defendidas por seu autor; terceira parte: a necessidade de o autor se desconectar para recuperar a capacidade de raciocínio.

c) Existe, em sua opinião, alguma relação de sentido entre esses temas? Explique.

Resposta pessoal. Espera-se que os alunos percebam que sim: em cada parte apresenta-se um dos aspectos do livro resenhado e das ideias do autor.

3. A noção de internet aparece expressa no texto já no título. Com base na ideia de coesão referencial, localize as palavras que, na primeira parte do texto, parecem retomar a noção de internet ao longo do texto.

Internet, web, rede.

 4. Releia este trecho do texto:

“Nosso uso de tecnologia é influenciado por normas sociais e culturais.

Mas, a longo prazo, a tecnologia tende a homogeneizar tudo. Ela já começa a apagar as diferenças culturais e estimula um uso padrão em todo lugar”, ressalta Carr. (linhas 49-53)

Responda:

a)   O pronome ela em “ela já começa [...]” é um elemento de coesão referencial. Explique por quê.

O pronome retoma tecnologia, palavra expressa anteriormente.

b)   Há um tema apresentado no início do trecho que se repete até  o final. Que tema é esse?

                  O tema tecnologia, que aparece no início do trecho (“nosso uso da tecnologia”) e é retomado no segundo enunciado por duas vezes (“ela já começa”... e “estimula um uso...”).

TIRA HUMORÍSTICA: GARFIELD - (PRONOMES DEMONSTRATIVOS) - COM GABARITO

 TIRA HUMORÍSTICA: GARFIELD – (PRONOMES DEMONSTRATIVOS)

 

DAVIS, Jim. Garfield. Folha de S.Paulo, São Paulo, 12 mar. 2014.

Fonte: Livro: Língua Portuguesa: linguagem e interação/ Faraco, Moura, Maruxo Jr. – 3.ed. São Paulo: Ática, 2016. p.40. 

1.5 Em sua opinião, a que se deve o efeito humorístico da tira?

     Resposta pessoal.

Sugestão: O efeito humorístico ocorre pela quebra de expectativa da personagem Jon quanto ao ronronar de Garfield ao mesmo tempo que pelo comentário irônico de Garfield sobre a entrada de Jon.

2.Observe a diferença gráfica entre os balões que se referem a Jon e a Garfield e no caderno explique sua função no texto.

Os balões de Jon indicam falas da personagem (são uma forma visual de indicação do discurso relatado direto); para Garfield, há dois tipos de balão: o que reproduz o som (BURP, no segundo quadro) é idêntico ao de Jon, indica discurso direto (oralizado), e o balão do terceiro quadro indica o pensamento (não oralizado) de Garfield.

 3.No último quadrinho, aparecem os pronomes isso (na fala de Jon) e aquilo (no pensamento de Garfield). Escreva no caderno a que ideias ou noções cada um desses dois pronomes se refere em cada caso.

Esses pronomes se referem a ideias já expressas nos outros quadros da tira: isso, na fala de Jon, refere-se ao ronronar de Garfield; aquilo, no pensamento de Garfield, retoma a ideia de entrada, expressa no primeiro quadro na fala de Jon.