quinta-feira, 2 de janeiro de 2025

CRÔNICA: NOTÍCIA DE JORNAL - FERNANDO SABINO - COM GABARITO

 Crônica: Notícia de Jornal

              Fernando Sabino

        Leio no jornal a notícia de que um homem morreu de fome. Um homem de cor branca, trinta anos presumíveis, pobremente vestido, morreu de fome, sem socorros, em pleno centro da cidade, permanecendo deitado na calçada durante setenta e duas horas, para finalmente morrer de fome.

 Fonte:https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEi8EvbercfLXZZogrdQEWgpPxOpNSQXbK0HtaV2krSewN3KEU5zGXyzlG8KeskDUXI4uo5werUoJAEoRXjBBP6GTERi4dAnJR6QXyuZe2VnHLWM0i7TVV-hvpoK7r8kFi5aXxvVlicVFbsdyd34prcW-Y-PbLuPshTKBe-goZu6J5aBrIqnz6uEqd5T9YI/s320/JORNAL.jpg


        Morreu de fome. Depois de insistentes pedidos de comerciantes, uma ambulância do Pronto Socorro e uma radiopatrulha foram ao local, mas regressaram sem prestar auxílio ao homem, que acabou morrendo de fome.

        Um homem que morreu de fome. O comissário de plantão (um homem) afirmou que o caso (morrer de fome) era alçada da Delegacia de Mendicância, especialista em homens que morrem de fome. E o homem morreu de fome.

        O corpo do homem que morreu de fome foi recolhido ao Instituto Médico Legal sem ser identificado. Nada se sabe dele, senão que morreu de fome. Um homem morre de fome em plena rua, entre centenas de passantes. Um homem caído na rua. Um bêbado. Um vagabundo. Um mendigo, um anormal, um tarado, um pária, um marginal, um proscrito, um bicho, uma coisa – não é homem. E os outros homens cumprem deu destino de passantes, que é o de passar. Durante setenta e duas horas todos passam, ao lado do homem que morre de fome, com um olhar de nojo, desdém, inquietação e até mesmo piedade, ou sem olhar nenhum, e o homem continua morrendo de fome, sozinho, isolado, perdido entre os homens, sem socorro e sem perdão.

        Não é de alçada do comissário, nem do hospital, nem da radiopatrulha, por que haveria de ser da minha alçada? Que é que eu tenho com isso? Deixa o homem morrer de fome.

        E o homem morre de fome. De trinta anos presumíveis. Pobremente vestido. Morreu de fome, diz o jornal. Louve-se a insistência dos comerciantes, que jamais morrerão de fome, pedindo providências às autoridades. As autoridades nada mais puderam fazer senão remover o corpo do homem. Deviam deixar que apodrecesse, para escarmento dos outros homens. Nada mais puderam fazer senão esperar que morresse de fome.

        E ontem, depois de setenta e duas horas de inanição em plena rua, no centro mais movimentado da cidade do Rio de Janeiro, um homem morreu de fome.

        Morreu de fome.

Fernando Sabino, A Mulher do Vizinho, 1997.

Entendendo a crônica:

01 – Qual a principal crítica social presente na crônica?

      A principal crítica social presente na crônica é a indiferença da sociedade diante da morte de um homem por fome em plena cidade. Sabino denuncia a desumanização e a falta de empatia das pessoas, que preferem ignorar o sofrimento alheio. A crônica questiona os valores da sociedade e a ausência de solidariedade.

02 – Como a repetição da frase "morreu de fome" contribui para o efeito da crônica?

      A repetição da frase "morreu de fome" reforça a ideia da morte como um fato banal e corriqueiro, desumanizando a vítima. A repetição cria um efeito de choque e indignação, denunciando a crueldade da situação.

03 – Qual o papel dos personagens secundários (comerciantes, autoridades, passantes) na história?

      Os personagens secundários representam a sociedade como um todo, com suas diferentes reações diante da morte do homem. Os comerciantes simbolizam a preocupação com o próprio bem-estar e a busca por soluções práticas para problemas que os incomodam. As autoridades representam a burocracia e a falta de responsabilidade, enquanto os passantes simbolizam a indiferença e a apatia da maioria.

04 – Qual a importância da caracterização física do homem que morreu de fome?

      A caracterização física do homem é intencionalmente vaga, destacando sua condição de ser humano anônimo e descartável. A falta de detalhes sobre sua identidade reforça a ideia de que ele representa todos os marginalizados e excluídos da sociedade.

05 – Qual a relação entre o título da crônica e seu conteúdo?

      O título "Notícia de Jornal" é irônico, pois a morte por fome é apresentada como uma notícia comum, sem a devida importância e comoção. A crônica denuncia a banalização da morte e a insensibilidade da sociedade diante do sofrimento humano.

06 – Qual o efeito da linguagem utilizada por Fernando Sabino na crônica?

      A linguagem utilizada por Sabino é direta, objetiva e impactante. A repetição de frases e a ausência de adjetivos emotivos reforçam o caráter denunciatório da crônica. A linguagem clara e concisa contribui para a compreensão do leitor e o choca com a realidade apresentada.

07 – Qual a mensagem principal que a crônica transmite?

      A mensagem principal da crônica é um chamado à reflexão sobre a condição humana e a importância da solidariedade. Sabino nos convida a questionar nossos valores e atitudes, denunciando a indiferença e a desumanização presentes na sociedade. A crônica nos lembra que cada vida tem valor e que somos responsáveis pelo bem-estar do próximo.

 

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