Conto: Uma vida em sete estampas
Semíramis Paterno
Marilu morava em uma pequena cidade,
bem perto da praia. Depois da aula, ela sempre ia ver o mar, mas nunca
mergulhava. Na verdade, a menina respeitava a imensidão das águas. Seu pai
ensinava-lhe a ter cautela, pois não era possível saber quando o fundo do mar
se enfureceria trazendo à tona toda a sua potência, devorando partes da terra e
quem estivesse por ali distraído.
Assim, Marilu gostava de se sentar na
areia para sentir o mar, seus diferentes sons, perfumes, tonalidades,
temperaturas e as incríveis criaturas que restavam após a tempestade.
Marilu era feliz.
Ela ficava exultante quando o menino
mais bonito da vizinhança, Amarildo a acompanhava em seus passeios à beira mar.
Ah, como era boa a sua companhia! Amarildo era gentil, delicado e, juntos,
poderiam conversar por horas. Ela o considerava seu melhor amigo.
Marilu tinha um ganso manso e sossegado
chamado Sardinha.
Amarildo tinha um velocípede que ganhou
de aniversário quando fez sete anos.
Os dois amigos até improvisaram uma
cestinha no velocípede para o Sardinha e o levavam para passear pela redondeza.
Marilu e Amarildo se divertiam muito nesses momentos. Sardina nunca se queixou.
Devia gostar também.
O tempo passou e, de tanto sentirem-se
felizes na companhia um do outro, terminaram por se apaixonar. Prometeram-se
amor eterno. Trocaram até uma pequena aliança feita por eles mesmos com
barbante dourado.
As senhoras do lugar e as famílias de
cada um olhavam satisfeitas aquele namoro e garantiam que dali sairia um bom
casamento.
No entanto, Amarildo, já com 19 anos,
resolveu entrar para a Marinha. Sempre fora apaixonado pelos navios que ali
chegavam e quando ficavam parados por mais tempo, ele gostava de visita-los e
de conhecer “aquela imensa maravilha” por dentro.
Chegou mesmo a fazer amizade com o
capitão de um desses navios que até lhe ensinou algumas manobras. E dele ganhou
um quepe de presente no seu aniversário.
-- Um quepe de capitão, Marilu! Olha só
que lindo!
E tiraram fotos de Amarildo, todo
bonito, com seu presente.
Marilu sentiu uma ponta de
ciúme, pois seu namorado ficou mesmo muito galante!
Ela teve medo...
E o medo se transformou em profunda
tristeza, com o passar dos anos. E foram anos!
Amarildo não voltou para cumprir sua
promessa.
Marilu passava as tardes na praia, e
suas lágrimas juntavam-se às águas do mar...
Incansavelmente, ela esperou...
esperou...
Amarildo nunca mais ali aportou.
Navegou outros mares.
Marilu, por sua vez, formou-se
professora. Gostava de ensinar as crianças. Conseguiu um bom emprego em uma
cidade grande, longe, bem longe do mar. Fez novos amigos, aproveitou a vida em
viagens e passeios.
Agora, ela tinha a companhia de um
cãozinho a quem deu o nome de Marolo.
Marilu morava só e nunca se esqueceu de
Amarildo, seu grande amor. Mas conviveu com outros homens que lhe fizeram boa
companhia. Primeiro, conheceu Omar, um engenheiro discreto, sério, cavalheiro e
bastante tímido.
Marilu achava graça nele, pois
carregava no braço um guarda-chuva. Fizesse sol ou chuva, fossem ao cinema ou
ao teatro, Omar não largava o objeto: “Pode ser que chova”; “Pode ser que faça
sol de rachar”.
E assim o tempo passava.
A timidez de Omar nunca lhe permitiu se
declarar e pedir a mão de Marilu em casamento. Mas ela até agradecia aos céus
por isso. não o amava suficiente. Seria um casamento morno.
Afastaram-se, então.
Omar foi trabalhar em uma grande obra
em outra cidade e deixou para a moça como lembrança o seu guarda-chuva, que
restava solitário atrás da porta da cozinha da casa de Marilu.
E então, em um piquenique com amigos da
escola, ela conheceu Marioldo.
O rapaz era divertido, alegre,
descontraído e arrojado no comportamento e na maneira de se vestir. Marilu o
achava muito engraçado. Juntos, davam boas risadas. Era impossível ficar séria
perto dele.
O moço era agrônomo e tinha um sítio,
para onde iam com frequência. Gostavam de plantas, animais, e a vida ao ar
livre lhes fazia muito bem.
Depois de um tempo de namoro, Marioldo
declarou-se para Marilu. Disse-lhe que gostava muito dela e pensava que,
unidos, poderiam ter uma vida agradável.
Embora também gostasse da companhia do
rapaz, ela não sentia paixão por ele. então, pensou que não seria capaz de
viver uma vida a dois sem um sentimento maior. Com certa tristeza,
separaram-se.
Marioldo deixou-lhe como lembrança uma
calopsita chamada Avita, que vivia pendurada em seu ombro, mas adorava Marilu.
Quando a via chegar, a ave logo se empoleirava no ombro dela.
Em pouco tempo, Marilu soube que o
rapaz se casara.
Já velha, depois de muito trabalhar e
cansada da cidade grande. Marilu voltou ao mar. Seus pais já não existiam.
Instalou-se na mesma casa onde morava
quando pequena. Na casa ao lado, um velho velocípede enferrujado servia de
enfeite no jardim.
Marilu passava as tarde no mar,
carregando no braço o velho guarda-chuva de Omar e, no ombro, Avita, que estava
misteriosamente viva, e sua doce companhia lhe amenizava os derradeiros
penares.
Marilu vagava na areia, contando as
ondas que iam e vinham. As ondas que levaram, para nunca mais, o seu amor
primário...
Quando a recolheram sem vida na areia,
repararam em uma pequena aliança de barbante dourado, já quase um filete, no
dedo anelar da mão direita...
Semíramis Paterno.
Entendendo o conto:
01
– Qual a principal característica da relação entre Marilu e Amarildo?
A relação entre
Marilu e Amarildo é marcada por uma paixão intensa e duradoura, que se inicia
na infância e se prolonga por toda a vida de Marilu, mesmo após a partida de
Amarildo.
02
– Qual o papel do mar na vida de Marilu?
O mar representa
um lugar de refúgio, de paz e de reflexão para Marilu. É também um símbolo da
imensidão dos sentimentos e da força da natureza, capaz de tanto a beleza
quanto a destruição.
03
– Quais os outros personagens que marcaram a vida de Marilu além de Amarildo?
Além de Amarildo, outros
personagens importantes na vida de Marilu são Sardinha (seu ganso), Omar (o
engenheiro tímido), Marioldo (o agrônomo alegre) e Avita (a calopsita). Cada um
deles deixou uma marca e uma lembrança especial em sua vida.
04
– Qual o significado das alianças trocadas entre Marilu e Amarildo?
As alianças de
barbante dourado simbolizam a promessa de amor eterno entre Marilu e Amarildo,
um vínculo que, apesar do tempo e da distância, permanece vivo no coração de
Marilu.
05
– Como a partida de Amarildo afetou a vida de Marilu?
A partida de
Amarildo causou uma profunda tristeza em Marilu, deixando uma marca indelével
em sua vida. Ela nunca superou completamente essa perda e continuou a amá-lo
por toda a vida.
06
– Qual o papel dos objetos na vida de Marilu?
Os objetos
presentes no conto possuem um significado simbólico e afetivo para Marilu,
representando momentos e pessoas importantes de sua vida. O guarda-chuva de
Omar, a calopsita Avita e a aliança de barbante são exemplos disso.
07
– Como a autora retrata a passagem do tempo na vida de Marilu?
A autora retrata
a passagem do tempo de forma poética e sentimental, mostrando as transformações
pelas quais Marilu passa ao longo de sua vida, desde a infância até a velhice.
08
– Qual a mensagem principal do conto?
A mensagem principal do conto é a força do amor e a
importância de guardarmos as lembranças das pessoas que amamos, mesmo que a
vida nos separe delas. O conto também fala sobre a importância de seguir em
frente e encontrar novas alegrias, mesmo diante da perda.
09
– Como a natureza está presente no conto e qual seu significado?
A natureza,
especialmente o mar, está presente de forma constante no conto, representando
tanto a beleza quanto a força da vida. O mar é um reflexo dos sentimentos de
Marilu, ora calmo e tranquilo, ora agitado e tempestuoso.
10
– Qual o final do conto e o que ele representa?
O final do conto
é marcado pela morte de Marilu, que ocorre à beira-mar, o lugar que a
acompanhou por toda a vida. O final representa a circularidade da vida e a
união de Marilu com o mar, um símbolo de eternidade e de tudo aquilo que ela
amou.
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