Notícia: Viagem no tempo é coisa de ficção científica?
Muitos
filmes retratam viagens para o passado ou para o futuro, fenômeno que, embora
gere reflexões sobre suas consequências, não é descartado pela teoria da
relatividade de Einstein, a principal ferramenta da física para o estudo do
universo
Vivemos em um universo em mudança.
Vemos o Sol nascer e se pôr, vemos as folhas das árvores caírem, vemos nosso
corpo envelhecer. Todas essas mudanças são efeitos daquilo que chamamos de “tempo”.
Fonte:https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgDerZ40Gy4xyx3ZIFR4Q0TYE9Stvdg9pGonuCy0uEC0fYui98dhOpTwgmPQs8yDOFD9E4Bug9kJ0Cwsi6cH0orBYokbQy4MsH1yPVKPhNRTpgRF7DR0ynwA7o0ac_fNL9kBkSQWMmS_nVzTd5P2IZ-Rt8de8QNfIIbUUyfQJqamn3mxqo4V23LII5CX6M/s320/viagem-no-tempo-sem-paradoxos.jpg
Para a ciência, tempo é uma forma de
mensurar a mudança das coisas, assim como podemos medir a distância percorrida
por um veículo ou a temperatura da sua pele. Ao atribuir números que indiquem a
passagem do tempo, os cientistas foram capazes de construir equações que
preveem, por exemplo, como os corpos se movimentam.
Durante muitos séculos, acreditou-se
que o tempo passava igual para todo mundo e não sofria interferência de nada.
Mas, nos anos 1905 e 1915, o físico alemão Albert Einstein (1879-1955) publicou
as duas partes da sua teoria da relatividade, que colocou em xeque esse
conceito de tempo, contrariando toda a ciência vigente. Na cultura pop, as
empolgantes consequências da teoria da relatividade deram asas à imaginação de
escritores e roteiristas e, desde então, não faltaram obras sobre buracos de
minhoca, viagens no tempo e paradoxos temporais.
O
conceito moderno de tempo
A teoria de Einstein trata o tempo como
algo relativo, ou seja, ele não passa igual para todos os seres e objetos. Um
relógio nas mãos do Flash, por exemplo, contaria o tempo mais lentamente quando
o herói está em altas velocidades. Esse efeito é chamado de dilatação temporal.
Graças a essa relação de dependência entre a velocidade com que nos movemos no
espaço e a velocidade com que nos movemos no tempo (em outras palavras, o quão
rápido o tempo passa), Einstein elaborou uma teoria na qual espaço e tempo
estão interligados e se influenciam mutuamente, formando o chamado
espaço-tempo.
Mais tarde, Einstein descobriu que a
presença de matéria e energia em uma região do espaço também pode afetar o
espaço-tempo e causar distorções na forma como o tempo passa. Isso aparece no
filme Interestelar, que mostra como um buraco negro poderia retardar a
passagem de tempo, fazendo com que uma hora próximo a ele demore dezenas de
anos para um observador distante. Esse filme, aliás, é sempre um ótimo exemplo
(talvez o melhor), quando falamos de teoria da relatividade no cinema.
Por mais exótica que essa teoria possa
parecer, ela é muito bem fundamentada por diversos experimentos e até hoje
nenhum deles a contrariou. Hoje, buracos negros são uma realidade incontestável
– e os recém-laureados com o prêmio Nobel de física deram
contribuições justamente nessa área. Há também várias provas do impacto da
velocidade do observador e da gravidade na passagem do tempo. Mas não é essa a
parte da teoria de Einstein que mais faz sucesso na cultura pop.
As equações da relatividade não
privilegiam uma direção temporal, ou seja, elas não proíbem viagens no tempo
(seja para o futuro, seja para o passado). É claro que, o fato de uma equação
matemática permitir determinadas soluções não significa que elas realmente
existam no mundo real, ou que existam da forma como acreditamos que sejam. Mas,
se os buracos negros (que, por muito tempo, eram apenas uma solução matemática
de equações) foram comprovados por observações astronômicas, por que descartar
a possibilidade da viagem no tempo?
Viagem
no tempo e seus paradoxos
Queridinha da ficção científica, a
possibilidade da viagem no tempo é, de fato, uma das mais empolgantes
consequências das equações da relatividade.
A sua popularidade reside no enorme
potencial narrativo de se voltar para o passado (ou para o futuro). Além disso,
são muitos os paradoxos que podem surgir quando imaginamos uma viagem no tempo.
Um dos paradoxos temporais reside na
pergunta: uma pessoa que viaja para o passado pode alterá-lo de modo a provocar
mudanças no presente? Se isso fosse possível, o viajante poderia matar o
próprio avô e tornar a sua existência impossível, ou matar o criador da máquina
do tempo e fazer com que sua estadia no passado se tornasse impossível
Esses e os vários outros paradoxos
temporais que existem levam a crer que a viagem no tempo (ou, mais
especificamente, a viagem para o passado) é impossível, mesmo sendo
aparentemente permitida pela matemática.
O astrofísico russo Igor Novikov
(1935-) formulou, na década de 1970, o importante princípio de
autoconsistência, que afirma que, se um evento pode dar origem a um paradoxo,
ou causar qualquer alteração no passado que provoque uma inconsistência no
universo, então a probabilidade de esse evento ocorrer é nula. Ou seja, se for
possível voltar no tempo, essa viagem deve ocorrer de modo a não provocar
nenhuma alteração no presente.
O físico Stephen Hawking (1942-2018)
argumentou, em artigo publicado em 1992 na revista Physical Review D, que
suas pesquisas sustentam fortemente a chamada conjectura de proteção
cronológica, segundo a qual “as leis da física não permitem o surgimento de
curvas de tempo fechadas”, ou seja, a própria natureza não permitiria que algo
voltasse a um ponto do passado e continuasse se movendo até chegar novamente ao
ponto de partida (formando uma curva fechada). É essa linha do tempo fechada
que gera os vários paradoxos e, por alguma razão, a própria natureza parece se
encarregar de evitar que isso aconteça.
Os buracos de minhoca, uma espécie de
atalho que conecta dois pontos diferentes no espaço e no tempo, seriam uma
forma de se criar essa curva de tempo fechada. No entanto, Hawking mostrou que
a geometria desses buracos de minhoca (que nem sequer sabemos se existem) os
torna objetos muito instáveis, que tendem a se desfazer quase instantaneamente,
impedindo a passagem de uma partícula sequer.
É
possível viajar no tempo?
Existem, sim, cientistas que não
descartam essa possibilidade. Os pesquisadores Francisco Lobo e Paulo Crawford,
da Universidade de Lisboa, afirmam, em texto publicado em 2002 no ArXiv, que
a simples existência dos paradoxos temporais não prova que viagem no tempo seja
matemática e fisicamente impossível.
O prodígio estudante Germain Tobar e seu
supervisor Fabio Costa, da Universidade de Queensland (Austrália), publicaram
recentemente, na revista Classical and Quantum Gravity, uma solução matemática
capaz de remover os paradoxos da viagem no tempo.
A matemática que desenvolveram sustenta
a seguinte ideia: se você viaja para o passado e impede o paciente zero de ser
infectado, você vai acabar se infectando e se tornando o paciente zero (ou
outra pessoa será). Ou seja, você poderia mudar o passado, mas o universo se
autoajustaria e o futuro não seria afetado.
É uma visão determinista do passado
(coerente com a ideia de que o passado já aconteceu e modificações nele não são
capazes de modificar o futuro). Essa sofisticada matemática de fato remove os
paradoxos da viagem no tempo, independentemente do quanto o passado seja
alterado.
O que fica evidente é que não há nada
definitivo sobre viagem no tempo, nada que garanta que ela seja possível ou
não. E esse é um dos grandes charmes da ciência: a incerteza, que move
cientistas de todas as áreas a investigarem cada vez mais profundamente a
natureza que vivemos.
Por fim, vale dizer que os filmes sobre
viagem no tempo (por mais incoerentes e cheios de paradoxos que sejam) são
muito essenciais! Eles nos obrigam a refletir sobre esses paradoxos e nos
ajudam a desenvolver uma concepção menos careta sobre o tempo (algo que a
física já faz há mais de 100 anos). Por isso, nunca é demais assistir a um bom
filme sobre viagem no tempo e desafiar suas convicções sobre a natureza, afinal,
o que sabemos do universo ainda é uma gota no oceano.
Lucas Mascarenhas de
Miranda – Físico e divulgador de ciência – Universidade Federal de Juiz de Fora.
Entendendo a notícia:
01 – O que é o conceito de
tempo na ciência?
O tempo é uma
forma de mensurar as mudanças das coisas, assim como se mede distância ou
temperatura. Ele permite aos cientistas atribuir números à passagem do tempo e
prever fenômenos como o movimento dos corpos.
02 – Qual foi a principal
contribuição de Albert Einstein sobre o tempo?
Einstein
demonstrou que o tempo é relativo, ou seja, ele não passa de maneira igual para
todos. Essa ideia é central na teoria da relatividade, que interliga o espaço e
o tempo, formando o espaço-tempo.
03 – O que é dilatação
temporal?
É o efeito que
ocorre quando o tempo passa mais lentamente para um objeto que se move a
grandes velocidades. Por exemplo, um relógio com alguém em alta velocidade
contaria o tempo mais devagar comparado a um observador parado.
04 – Os buracos negros influenciam
o tempo?
Sim, a presença
de buracos negros pode distorcer o espaço-tempo, retardando a passagem do
tempo. Próximo a um buraco negro, o tempo pode correr de forma muito mais lenta
em comparação com um observador distante.
05 – A viagem no tempo é
permitida pelas equações da relatividade?
Sim, as equações
da relatividade não proíbem viagens no tempo, seja para o futuro ou para o
passado. No entanto, isso não significa que tais viagens sejam possíveis no
mundo real.
06 – O que é o princípio de
autoconsistência de Novikov?
O princípio
afirma que, se um evento pode gerar um paradoxo ou inconsistência no universo,
a probabilidade de ele ocorrer é nula. Assim, se viagens no tempo forem
possíveis, elas devem ocorrer de forma que não alterem o presente.
07 – Como filmes sobre viagem
no tempo contribuem para a ciência?
Esses filmes
ajudam a explorar os paradoxos temporais e desafiam nossas ideias sobre o
tempo, promovendo reflexões e incentivando uma visão mais ampla sobre a
natureza e o universo.
Nenhum comentário:
Postar um comentário