sábado, 4 de janeiro de 2025

CONTO: AS LUZES DO CARROSSEL - (FRAGMENTO) - CAPITÃES DA AREIA - JORGE AMADO - COM GABARITO

 Conto: As luzes do carrossel – Fragmento

        [...]

        -- E' uma beleza, — disse Pedro Bala olhando o velho carrossel armado. E João Grande abria os olhos para ver melhor. Penduradas estavam as lâmpadas azuis, verdes, amarelas, vermelhas.

Fonte: https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEiR0VyOINb2Zywi782-UeNuujrp12BTkxXhTm0-eZcQ-nu_41a5e1y9g9qIND7dZlt5xN-mao-avG38KdASQLbu02IPQlAYHLLrCqVTWBjmV2SSsfrI_ujg9ioTOUfMYskTR6ZCnLHN4BWCl0eIJ0CV9hbJVZYVGechzZWb7WwK2wxxVpIAb8qlrGnueAg/s1600/PISCA.jpg


        É velho e desbotado o carrossel de Nhozinho França. Mas tem a sua beleza. Talvez esteja nas lâmpadas, ou na música da pianola (velhas valsas de perdido tempo) ou talvez nos ginetes de pau. Entre eles tem um pato que é para sentar dentro os mais pequenos. Tem a sua beleza, sim, porque a opinião unanime dos Capitães da Areia é que ele é maravilhoso. Que importa que seja velho, roto e de cores apagadas se agrada ás crianças?

        Foi uma surpresa quase incrível quando naquela noite o Sem-Pernas chegou no trapiche dizendo que ele e Volta Seca iam trabalhar uns dias num carrossel. Muitos não acreditaram, pensaram que fosse mais uma pilhéria do Sem-Pernas. Então iam perguntar a Volta Seca que, como sempre, estava metido no seu canto sem falar, examinando um revólver que furtara numa casa de armas. Volta Seca fazia que sim com a cabeça e por vezes dizia:

        — Lampeão já rodou nele. Lampeão é meu padrim...

        O Sem-Pernas convidou a todos para irem ver o carrossel na outra noite quando o acabariam de armar. E saiu para encontrar Nhozinho França. Naquele momento todos os pequenos corações que pulsavam no trapiche invejaram a suprema felicidade do Sem-Pernas. Até mesmo Pirulito que tinha quadros de santos na sua parede, até mesmo João Grande que nesta noite iria com o Querido de Deus ao candomblé de Procópio, no Matatú, até mesmo o Professor que lia livros, e quem sabe se também Pedro Bala. que nunca inveja nenhum porque era o chefe de todos? Todos o invejaram, sim. Como invejaram a Volta Seca que no seu canto, o cabelo mestiço e ralo despenteado, os olhos apertados e a boca rasgada naquele ríctus de raiva apontava o revolver ora para um dos meninos, ora para um rato que passava, ora para as estrelas que eram muitas no céu.

        Na outra noite foram todos com o Sem-Pernas e Volta Seca (estes tinham passado o dia fora, ajudando Nhozinho a armar o carrossel) ver o carrossel armado. E estavam parados diante dele extasiados de beleza, as bocas abertas de admiração. O Sem-Pernas mostrava tudo. Volta Seca levava um por um para mostrar o cavalo que tinha sido cavalgado por seu padrinho Virgulino Ferreira Lampião. Eram quase cem crianças olhando o velho carrossel de Nhozinho França que a estas horas estava encornado num pifão tremendo na "Porta do Mar".

        O Sem-Pernas mostrou a máquina (um pequeno motor que falhava muito) com um orgulho de proprietário. Volta Seca não se desprendia do cavalo onde rodara Lampião. O Sem-Pernas estava muito cuidadoso do carrossel e não deixava que eles o tocassem, que bulissem em nada.

        Foi quando o Professor perguntou:

        — Tu já sabe mover com as maquinas?

        — Amanhã é que vou saber..., — disse o Sem-Pernas com um certo desgosto. — Amanhã seu Nhozinho vai me ensinar.

        — Então amanhã quando acabar a função tu pode botar ele pra rodar só com a gente. Tu bota as coisas pra andar, a gente se aboleta.

        Pedro Bala apoiou a ideia com entusiasmo. Os outros esperavam a resposta do Sem-Pernas ansiosos. O Sem Pernas disse que sim e então muitos bateram palmas, outros gritaram. Foi quando Volta Seca deixou o cavalo onde montara Lampião e veio para eles:

        — Quer ver uma coisa bonita?

        Todos queriam. O sertanejo trepou no carrossel, deu corda na pianola e começou a música de uma valsa antiga. O rosto sombrio de Volta Seca se abria num sorriso. Espiava a pianola, espiava os meninos envoltos em alegria. Escutavam religiosamente aquela música que saia do bojo do carrossel na magia da noite da cidade da Bahia só para os ouvidos aventureiros e pobres dos Capitães da Areia. Todos estavam silenciosos. Um operário que vinha pela rua vendo a aglomeração de meninos na praça veio para o lado deles. E ficou também parado escutando a velha música. Então a luz da lua se estendeu sobre todos, as estrelas brilharam ainda mais no céu, o mar ficou de todo manso (talvez que Iemanjá tivesse vindo também ouvir a música) e a cidade era como que um grande carrossel onde giravam em invisíveis cavalos os Capitães da Areia. Neste momento de música eles sentiram-se donos da cidade. E amaram-se uns aos outros, se sentiram irmãos porque eram todos eles sem carinho e sem conforto e agora tinham o carinho e conforto da música. Volta Seca não pensava com certeza em Lampião neste momento. Pedro Bala não pensava em ser um dia o chefe de todos os malandros da cidade. O Sem-Pernas em se jogar no mar onde os sonhos são todos belos. Porque a música saia do bojo do velho carrossel só para eles e para o operário que parará. E era uma valsa velha e triste, já esquecida por todos os homens da cidade. [...].

Capitães da areia. São Paulo: Companhia das Letras, 2008. p. 66-68.

Fonte: Livro – Português: Linguagens, 3 / William Roberto Cereja, Thereza Cochar Magalhães, 11. Ed. – Ensino médio. São Paulo: Saraiva, 2016. p. 167-170.

Entendendo o conto:

01 – Qual o significado do carrossel para os Capitães da Areia?

      O carrossel representa um escape da dura realidade das ruas para os Capitães da Areia. É um símbolo de alegria, de infância, de um mundo mágico e distante da miséria em que vivem. A beleza das luzes, a música da pianola e a sensação de liberdade proporcionada pelo movimento do carrossel criam um momento de pura felicidade para essas crianças.

02 – Qual o papel de Volta Seca na história e qual sua relação com o carrossel?

      Volta Seca é um personagem complexo e enigmático. Ele representa a figura do bandido, mas também demonstra um lado mais humano ao se conectar com a música e com a alegria das crianças. Sua relação com o carrossel, especialmente com o cavalo que Lampião teria montado, simboliza sua busca por identidade e pertencimento a um grupo.

03 – Como a música da pianola influencia os Capitães da Areia?

      A música da pianola exerce um poder transformador sobre os Capitães da Areia. Ela cria uma atmosfera mágica e une as crianças em um momento de profunda emoção. A música as transporta para um outro mundo, onde os problemas e as dificuldades da vida nas ruas são momentaneamente esquecidos.

04 – Qual o papel do Professor na história?

      O Professor representa a figura do intelectual e do líder entre os Capitães da Areia. Ele busca conhecimento e cultura, e sua presença demonstra a importância da educação mesmo em condições adversas. O Professor também demonstra uma capacidade de organização e liderança ao propor que o Sem-Pernas coloque o carrossel em movimento para todos.

05 – Qual a importância do espaço da cidade na narrativa?

      A cidade é um personagem fundamental na história. A Bahia, com suas ruas, praças e o mar, serve como pano de fundo para a vida dos Capitães da Areia. O contraste entre a beleza da cidade e a miséria das crianças cria uma atmosfera de tensão e intensifica o impacto da história.

06 – Qual a mensagem principal do fragmento?

      O fragmento transmite uma mensagem de esperança e resiliência. Apesar das dificuldades, as crianças encontram momentos de alegria e solidariedade. A beleza do carrossel e a força da música demonstram que mesmo em meio à adversidade, é possível encontrar momentos de felicidade e construir laços de amizade.

07 – Como a obra de Jorge Amado contribui para a compreensão da realidade social brasileira?

      Jorge Amado, através de suas obras, como "Capitães da Areia", retrata a realidade social brasileira de forma realista e crítica. Ele denuncia as desigualdades sociais, a pobreza e a exploração, ao mesmo tempo em que celebra a força do povo brasileiro e sua capacidade de resistir e superar as adversidades. A obra de Amado contribui para a construção de uma memória coletiva e para a reflexão sobre os desafios da sociedade brasileira.

 

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