Poesia: A Lição de Poesia
João Cabral de Melo Neto
1.
Toda a manhã consumida
como um sol imóvel
diante da folha em branco:
princípio do mundo, lua nova.
Já não pude desenhar
uma linha;
um nome, sequer uma flor
desabrochava no verão da mesa:
nem no meio-dia iluminado,
cada dia comprado,
do papel, que pode aceitar,
contudo, qualquer mundo.
2.
A noite inteira o poeta
em sua mesa, tentando
salvar da morte os monstros
germinados em seu tinteiro.
Monstros, bichos, fantasmas
de palavras, circulando,
urinando sobre o papel,
sujando-o com seu carvão.
Carvão de lápis, carvão
da ideia fixa, carvão
da emoção extinta, carvão
consumido nos sonhos.
3.
A luta branca sobre o papel
que o poeta evita,
luta branca onde corre o sangue
de suas veias de água salgada.
A física do susto percebido
entre os gestos diários;
susto das coisas jamais pousadas
porém imóveis — naturezas vivas.
E as vinte palavras recolhidas
nas águas salgadas do poeta
e de que se servirá o poeta
em sua máquina útil.
Vinte palavras sempre as mesmas
de que conhece o funcionamento,
a evaporação, a densidade
menor que a do ar.
In: MELO NETO, João Cabral de. Obra completa: Rio de Janeiro: Nova
Aguilar, 1994. p.78-79.
Fonte: livro Português:
Língua e Cultura – Carlos Alberto Faraco – vol. único – Ensino Médio – 1ª
edição – Base Editora – Curitiba, 2003. p. 106-107.
Entendendo a poesia:
01
– O que representa a "folha em branco" para o poeta?
A folha em branco
simboliza o início da criação poética, um espaço vazio e puro onde o poeta pode
construir um novo mundo a partir das palavras. É um momento de grande
potencialidade e, ao mesmo tempo, de grande desafio, pois exige que o poeta dê
forma ao caos das ideias e emoções. A luta contra a criação está justamente
nesse ato de dar forma ao indefinido, de transformar o nada em algo concreto.
02
– Qual a importância dos "monstros" que habitam o tinteiro do
poeta?
Os
"monstros" representam a força bruta e caótica da inspiração, as
ideias que surgem de forma desordenada e muitas vezes assustadora. Eles
simbolizam a parte mais instintiva e selvagem da criação poética, que precisa
ser domesticada pela técnica e pela razão. Ao tentar dar forma a esses
monstros, o poeta revela a complexidade do processo criativo, que envolve tanto
a emoção quanto a razão.
03
– O que significa a "luta branca" sobre o papel?
A "luta
branca" simboliza a tensão entre a inspiração e a técnica, entre a emoção
e a razão. É a batalha que o poeta trava consigo mesmo para transformar a ideia
vaga em um poema acabado. Essa luta é essencial para a poesia, pois é através
dela que o poeta molda a linguagem e encontra sua voz própria.
04
– Qual o papel das "vinte palavras" no poema?
As "vinte
palavras" representam as ferramentas básicas do poeta, o material bruto
com o qual ele constrói seus versos. Elas simbolizam a economia e a precisão da
linguagem poética de Cabral, que busca a máxima expressividade com o mínimo de
palavras. Ao utilizar um número limitado de palavras, o poeta intensifica o
significado de cada uma delas.
05
– Como o poeta concilia a ideia de "naturezas vivas" com a
imagem de coisas "jamais pousadas"?
A aparente
contradição entre a vida e a imobilidade revela a complexidade da realidade e a
capacidade da poesia de capturar essa complexidade. As "naturezas
vivas" representam a dinâmica da criação poética, enquanto as coisas
"jamais pousadas" simbolizam a fixidez da linguagem escrita. Ao mesmo
tempo, a poesia é capaz de dar vida às palavras, tornando-as imortais.
06
– Qual a relação entre a "física do susto" e a criação
poética?
O susto é um
elemento fundamental da experiência poética, pois nos desperta para a realidade
e nos obriga a olhar para o mundo de uma nova perspectiva. A "física do
susto" revela a força da linguagem poética, capaz de provocar reações
emocionais intensas no leitor.
07
– Qual a importância da imagem da "máquina útil" para entender
o processo criativo do poeta?
A "máquina
útil" representa a técnica poética, a habilidade do poeta em dominar a
linguagem e transformar suas emoções em versos. A poesia não é apenas uma
questão de inspiração, mas também de trabalho e de técnica. A imagem da máquina
enfatiza a importância do ofício do poeta.
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