Notícia: E se eu não fosse
Jairo Marques
Projetar aquilo que a gente
não é pode ajudar a valorizar, a dar carinho, àquilo que a gente de fato é
É certo que toda pessoa que habita este
mundo e que tenha a carcaça avariada como eu já pensou algumas vezes ao longo
da existência em como seria a vida “se não fosse” a condição de paralisia, de
cegueira, de surdez, de inabilidades gerais do esqueleto ou da cachola.
Essa reflexão se diferencia, a meu ver,
daquela “e se eu não fosse” tradicional, usada pelos mortais comuns.
Essa dá e passa logo porque, afinal,
para ser milionário tem a loteria, para ser loira tem a água oxigenada, para
ser magro tem o picote no estômago, para ser bonito tem o Pitanguy, para
esvaziar o saco cheio tem o passeio no parque.
Mas, para voltar a bater perna
livremente, para ouvir os gracejos da novela, para ver o raiar do sol, é
preciso esperança em um tal ratinho que encheram de eletrodos no Japão, em
outro que tomou chá de células-tronco na China e em diversos voluntários que
tomam agulhadas da ciência ao redor do planeta.
Logo, o “se eu não fosse” para esse
povo é calcado em uma esperança de algo que ainda não existe. E vai tempo, e
vai estudo, e vai teste para que surja algo que abra caminho para uma mudança
de realidade. Tem também o lance do “milagre”, da força da fé, mas isso é
motivo de outra prosa.
De minha parte, “se eu não fosse”
cadeirante, acho que seria mais leve tanto por não ter de tocar os dez quilos
da minha charrete como por não ter de me programar exageradamente para
conseguir atuar em sociedade.
É um tal de pensar se vou caber no
banheiro da casa da sogra, se a mesa da reunião será muito alta e vou ficar
escondido atrás dela, se vai haver rampa na entrada do pé-sujo onde vai
acontecer um happy hour com os amigos, se as calçadas da cidade do futuro
veraneio vão ser boazinhas para meu ir, vir e tomar uma brisa.
Botar na roda o questionamento “e se eu
não fosse assim”, porém, não é de todo ruim. Projetar aquilo que a gente não é
pode ajudar a valorizar, a dar carinho, àquilo que a gente de fato é.
Não enxergar muito bem pode ser
compensado com mais poder às papilas gustativas que vão decifrar fácil os
segredos do bolo de cenoura daquela tia de Sorocaba. Usar aparelho no ouvido é
ter prerrogativa “maraviwonderful” de se desligar do mundo na final do
campeonato em que o vizinho grita desesperado pela janela.
Ter incapacidades sérias de interagir
com outros seres viventes é oportunidade de examiná-los em detalhes, de ter uma
perspectiva de escafandrista enquanto todos os outros se imaginam borboletas
lindas e perfeitas que se esquecem de que foram lagartas, que se esquecem de
suas efemeridades.
Ok. Admito que é gostoso e diverte a
alma imaginar possibilidades, brincar de desenhar para o cotidiano da gente
certas sensações inéditas e aparentemente inatingíveis. Sem falar que, no campo
imaginativo, nas “viagens na maionese”, nós podemos ser verdadeiramente iguais
uns aos outros.
Porém, quando o galo canta e o homem se
levanta, ele será exatamente aquilo que as circunstâncias da existência o fiz
eram, com a chance de moldar “apenas” seu caráter, sua maneira de interagir e
de aproveitar as 24 horas do dia.
Folha de S. Paulo,
19/6/2012.
Fonte: Livro –
Português: Linguagens, 3 / William Roberto Cereja, Thereza Cochar Magalhães,
11. Ed. – Ensino médio. São Paulo: Saraiva, 2016. p. 257.
Entendendo a notícia:
01 – Qual a principal reflexão
proposta pelo autor?
O autor nos convida
a refletir sobre como as pessoas com deficiência lidam com a questão da
alteridade, ou seja, como elas imaginam como seria a vida sem suas limitações.
A reflexão vai além, questionando o valor que damos às nossas experiências e à
nossa singularidade.
02 – Qual a diferença entre a
reflexão "e se eu não fosse" para pessoas com e sem deficiência?
Para pessoas sem
deficiência, a reflexão "e se eu não fosse" é mais ligada a desejos e
aspirações, como ser rico, bonito ou famoso. Já para pessoas com deficiência,
essa reflexão está mais relacionada à esperança de uma vida mais independente e
com menos limitações físicas.
03 – Qual a importância da
esperança para as pessoas com deficiência?
A esperança é fundamental para as pessoas
com deficiência, pois ela as impulsiona a buscar novas tecnologias, tratamentos
e soluções para melhorar sua qualidade de vida. A esperança em um futuro com
mais possibilidades as motiva a superar os desafios do dia a dia.
04 – Como o autor vê a relação
entre as limitações físicas e a percepção da vida?
O autor sugere que
as limitações físicas podem levar a uma percepção mais profunda da vida.
Pessoas com deficiência podem desenvolver habilidades e qualidades únicas, como
a capacidade de apreciar os pequenos detalhes e de encontrar beleza em
situações cotidianas.
05 – Qual a importância da
imaginação para as pessoas com deficiência?
A imaginação é uma
ferramenta poderosa para as pessoas com deficiência. Através da imaginação,
elas podem explorar um mundo de possibilidades e encontrar novas formas de
viver. A imaginação também ajuda a lidar com as frustrações e a encontrar
significado na vida.
06 – Qual a mensagem principal
do texto?
A mensagem principal
do texto é que, apesar das limitações, é possível encontrar felicidade e
significado na vida. A valorização das nossas experiências e a capacidade de
adaptação são fundamentais para construir uma vida plena e satisfatória.
07 – Como o texto contribui
para a construção de uma sociedade mais inclusiva?
O texto contribui
para a construção de uma sociedade mais inclusiva ao humanizar a experiência
das pessoas com deficiência. Ao mostrar que elas também têm sonhos, desejos e
aspirações, o autor ajuda a desmistificar a ideia de que a felicidade está
ligada exclusivamente à perfeição física. Além disso, o texto incentiva a
empatia e a compreensão em relação às pessoas com diferentes habilidades.
Nenhum comentário:
Postar um comentário