Poesia: Carta de um contratado
Antônio Jacinto
Eu queria escrever-te uma carta
amor,
uma carta que dissesse
deste anseio
de te ver
deste receio
de te perder
deste mais bem querer que sinto
deste mal indefinido que me persegue
desta saudade a que vivo todo entregue...
Eu queria escrever-te uma carta
amor,
uma carta de confidências
íntimas,
uma carta de lembranças de ti,
de ti
dos teus lábios vermelhos como tacula
dos teus cabelos negros como dilôa
dos teus olhos doces como maboque
do teu andar de onça
e dos teus carinhos
que maiores não encontrei por aí...
Eu queria escrever-te uma carta
amor,
que recordasse nossos tempos a capopa
nossas noites perdidas no capim
que recordasse a sombra que nos caía dos jambos
o luar que se coava das palmeiras sem fim
que recordasse a loucura
da nossa paixão
e a amargura da nossa separação...
Eu queria escrever-te uma carta
amor,
que a não lesses sem suspirar
que a escondesses de papai Bombo
que a sonegasses a mamãe Kieza
que a relesses sem a frieza
do esquecimento
uma carta que em todo o Kilombo
outra a ela não tivesse merecimento...
Eu queria escrever-te uma carta
amor,
uma carta que te levasse o vento que passa
uma carta que os cajus e cafeeiros
que as hienas e palancas
que os jacarés e bagres
pudessem entender
para que o vento a perdesse no caminho
os bichos e plantas
compadecidos de nosso pungente sofrer
de canto em canto
de lamento em lamento
de farfalhar em farfalhar
te levassem puras e quentes
as palavras ardentes
as palavras magoadas da minha carta
que eu queria escrever-te amor....
Eu queria escrever-te uma
carta...
Mas ah meu amor, eu não sei
compreender
por que é, por que é, por que é, meu bem
que tu não sabes ler
e eu – Oh! Desespero! – não sei escrever também.
Antônio Jacinto. In: Manuel
Ferreira, org. No reino de Caliban.
Lisboa: Seara Nova, 1976. p. 133-5.
Fonte: Livro –
Português: Linguagem, 2 / William Roberto Cereja, Thereza Cochar Magalhães, 11.
Ed. Ensino médio – São Paulo: Saraiva, 2016. p. 137-138.
Entendendo a poesia:
01
– Qual é o sentimento central expresso pelo eu lírico?
O sentimento
central é a saudade profunda da amada, aliada à frustração por não poder
expressar seus sentimentos por meio de uma carta. A impossibilidade de ler e
escrever intensifica o sofrimento do eu lírico.
02
– Qual a importância da escrita no poema?
A escrita,
representada pela carta, simboliza a comunicação, a expressão dos sentimentos e
a conexão entre as pessoas. A ausência da escrita revela a exclusão social e a
impossibilidade de se comunicar plenamente.
03
– Quais os elementos da natureza são utilizados para transmitir os sentimentos
do eu lírico?
O poeta utiliza
elementos da natureza, como o vento, os animais e as plantas, para simbolizar a
tentativa de transmitir a mensagem da carta. A natureza torna-se uma confidente
e uma testemunha do sofrimento amoroso.
04
– Qual o papel da oralidade na poesia?
A oralidade está
presente na forma como o poema é construído, com repetições e ritmo, que evocam
a fala e a canção. A oralidade reforça a ideia de um lamento, de um desabafo
que busca ecoar na natureza e nos corações.
05
– Qual a relação entre o título do poema e seu conteúdo?
O título
"Carta de um contratado" revela a condição social do eu lírico, que
está submetido a um trabalho que o afasta de sua amada. A impossibilidade de
escrever a carta está diretamente ligada a essa condição de submissão e
exploração.
06
– Quais as implicações sociais e culturais presentes no poema?
O poema denuncia
as desigualdades sociais e a exclusão cultural, evidenciando a importância da
educação e do acesso à escrita. A impossibilidade de se comunicar por escrito
revela as consequências do colonialismo e da falta de oportunidades para os
colonizados.
07
– Qual a mensagem principal do poema?
A mensagem
principal do poema é a importância da comunicação e da expressão dos
sentimentos. Ao mesmo tempo, denuncia as desigualdades sociais e as barreiras
que impedem a realização plena dos indivíduos. A impossibilidade de escrever a carta
simboliza a falta de voz e a opressão.
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