PEÇA DE TEATRO: SONHO DE UMA NOITE DE VERÃO
William Shakespeare
ATO III,Cena II
Outra parte do bosque. Entra Oberon.
OBERON - Saber eu desejara se Titânia já despertou, e mais: o que
primeiro lhe caiu sob os olhos, de que esteja perdida de paixão. Mas eis que
chega meu mensageiro.
(Entra Puck.)
Então, travesso espírito, qual foi a brincadeira mais estranha que aparelhaste
neste bosque mágico?
PUCK - A rainha se encontra loucamente de um monstro apaixonada. Quase em frente do sagrado lugar em que ela a sono mui tranquilo se achava em abandono, unia tropa de artífices de Atenas, capazes de trabalho rude, apenas, para ganhar o pão com o suor do rosto, ensaiava uma peça de mau gosto, para o dia solene do himeneu da Amazona garbosa e o grão Teseu. O casca-grossa de mais rude engenho de todos eles, que, com muito empenho, de Píramo fazia, a cena deixa por um momento, à espera de sua deixa. Eu, então, da ocasião me aproveitando para em um monstro o transformar, infando, sobre os ombros lhe pus, sem mais demora, de burro uma cabeça. Eis chegada a hora da resposta de Tisbe, o instante azado para na peça eu por o meu bocado. Ao vê-lo, os outros, tal como bulhento bando de patos bravos, no momento em que percebem caçador matreiro que para eles se arrasta sorrateiro, ou como gralhas de pés rubros, quando a um tiro súbito, a gritar, voando, se espalham pelo céu - cheios de medo
também se afundam logo no arvoredo. Para mais assustá-los, sapateio sem parar, deles todos pelo meio: uns sobre os outros caem, por socorro gritando, em desespero: Atenas! Morro! Minguando-lhes o senso na medida que aumenta o medo, quanto não tem vida lhes causa dano, que, pelos caminhos vão deixando
nas pontas dos espinhos aqueles membros do teatro imbele parte das roupas, dos chapéus, da pele.
Dominados, assim, todos do medo, deixei-os ir. Só fica no brinquedo nosso Píramo, em burro transformado. Nesse instante, porém, tendo acordado. Titânia, apaixonou-se loucamente do belo monstro que lhe estava em frente.
OBERON - Eu próprio melhor plano não teria podido excogitar. Mas a magia da planta no ateniense já puseste, conforme te falei, de peito agreste?
PUCK - A dormir o encontrei, Já liquidado ficou também esse negócio. Ao lado dele estava a ateniense desprezada que por ele vai ser alcandorada.
(Entram Demétrio e Hérmia)
OBERON - Põe-te de lado; eis o ateniense duro.
PUCK - Ela é a mesma; mas que este é outro eu juro.
DEMÉTRIO - Por que tais expressões gastais comigo? Deixai rigores para o vosso inimigo.
HÉRMIA - Com censuras agora me contento, mas sobejas razões teu
ardimento num crescendo me dá de amaldiçoar-te. Se de Lisandro a vida, em qualquer
parte, no sono tu tiraste, e já manchado de sangue tens o pé, nenhum cuidado te
cause prosseguir na furibunda devastação: a perna inteira afunda,.. Oh!
mata-me, também! O sol não era tão fiel ao dia, como ele a mim. Possível lhe
seria fugir de mim, para fazer-me guerra? Mais fácil fora acreditar que a terra
se deixasse furar por uma pua e que emitisse através dela a lua sua luz clara
para, do outro lado, deixar o irmão ao meio-dia enfiado. Dúvida já não tenho:
és assassino; esse rosto o proclama, o olhar ferino.
DEMÉTRIO - O aspecto devo ter de assassinado, não de assassino, porque
transpassado me deixou tua insólita crueldade. Mas brilhas com tão grande
claridade, apesar da feição dura e severa, como a luzente Vênus na alta esfera.
HÉRMIA - A que vem isso com Lisandro, agora? Ah, bom Demétrio, dá-mo sem
demora.
DEMÉTRIO - Antes eu dera aos cães sua carcaça.
HÉRMIA - Sai, monstro! Cão! Desfaçatez tão crassa minha paciência
virginal esgota. Já não tenho esperança nem remota. Sei que o mataste; mas,
como um bargante, dos homens fugir deves de ora em diante. Oh! Por amor de mim,
conta-me tudo, que em minha grande dor encontro escudo. De frente a olhá-lo
sempre te abstiveste, e, no sono, o mataste? Oh peito agreste! Poderia algum
verme, alguma cobra, tão depressa causar tão hedionda obra? Víbora, disse, que
ela mais pungente picada do que tu não
dá, serpente!
DEMÉTRIO - Funda-se nalgum erro o teu cuidado. Se Lisandro está mal, não
sou culpado, nem sei que morto esteja ele, também.
HÉRMIA - Dize, então, por favor, que ele está bem.
DEMÉTRIO - Se o disser, que vantagem me vem disso?
HÉRMIA - A de jamais me ver; maior serviço possível não será, como ora o
faço, sejas ou não culpado em seu trespasso.
(Sai.)
DEMÉTRIO - Nessa disposição não há segui-la. Vou esperar que fique mais
tranquila e procurar dormir.
Quando em falência se acha o sono, menor é a resistência ao peso da tristeza.
Desta sorte talvez melhor esse ônus eu suporte.
(Deita-se e dorme.)
OBERON - Que fizeste? Houve engano manifesto; foi posto o suco em um
amante honesto; deixaste falso um fido namorado, sem que o remisso fosse
castigado.
PUCK - O fado o quis; para um sincero amante, mil falsos há de haver a
cada instante.
OBERON - Percorre a mata, mais veloz que o vento, e acha Helena de Atenas
num momento. De aqui trazê-la ficas incumbido, enquanto o peito eu mudo ao moço
infido.
PUCK - Já vou! Já vou! Vê como eu vou ligeiro, tal qual seta de Tártaro
guerreiro.
(Sai.)
OBERON - Botão de rosa ferido pela flecha de Cupido,
(Espreme a flor nos olhos de Demétrio.) no espírito entra vencido deste moço
adormecido. Ao despertar, ao ruído que ela fizer, que rendido se lhe torne o
peito fido.
(Volta Puck.)
PUCK - Capitão do nosso bando de duendes, já vem andando para cá Helena
bela e o jovem da tal querela por mim causada, também. Ora dizei se convém
prosseguir na brincadeira, porque a tenhamos
inteira. Oh mestre! Como são loucos os mortais! De senso há poucos.
OBERON - Retira-te; ao vir o par vai Demétrio despertar.
PUCK - Dois namorados para uma só mulher! Não há nenhuma brincadeira que
me agrade, como ciúme de verdade.
(Entram Helena e Lisandro.)
LISANDRO - Por que dizes que tudo é só ironia? Se assim fosse, tão fundo
eu não chorara. No meu pranto comprova-se a magia que exerce em mim tua figura
rara. Como haveria em meu amor suspeita, se minha fé se encontra a ti sujeita?
HELENA - Vossa ousadia aumenta; é uma querela santa e infernal matar o
amor com juras. Vossa fé é só de Hérmia; abris mão dela? Vossas juras são falsas
e inseguras. Como conto falaz é o juramento que a ela e a mim fazeis num só
momento.
LISANDRO - Ao lhe jurar amor, não tinha eu senso.
HELENA - E ao deixarde-la, menos; é o que eu penso.
LISANDRO - Demétrio a Hérmia idolatra e vos detesta.
DEMÉTRIO (despertando) - O Helena, deusa, ninfa sublimada, que há de
mais fascinante que a alvorada desses olhos tão lindos? Tosco e baço é o
cristal junto deles; um pedaço de cereja esses lábios tentadores que a toda
hora me falam só de amores. A neve virginal do Tauro altivo, sempre apagada
pelo vento estivo, em corvo se transforma, horrente e feio, quando agitas a
mão, num galanteio. Oh! Vou beijar a sede da ventura, essa princesa feita de
luz pura!
HELENA - Oh dor! Vejo que estais de acordo, acinte, para de mim zombar
com tal requinte. Se em vós houvesse sombra de respeito, jamais me ofenderíeis
desse jeito. Odiar-me não vos basta; a zombaria nesta farsa a vosso ódio se
associa. Se fôsseis homens, como a forma o mostra, não daríeis de vós tão triste
mostra, zombando assim de mim, com tantas juras, porque me causem tão-somente
agruras. Sois rivais, porque tendes amor a Hérmia, e ainda rivais para zombar
de Helena. Oh feito altivo! Oh sublimada empresa! Fazer chorar quem se acha ora
indefesa. Cavalheiro nenhum ofenderia uma virgem qualquer, nem tiraria a
paciência dela, por folia.
LISANDRO - Demétrio, sois cruel; tenho certeza de que a Hérmia amais.
Usemos de franqueza: de todo o coração te cedo a parte que eu ter pudesse em
seu amor; desta arte me cedereis também vosso quinhão do amor de Helena, a quem
estendo a mão-
HELENA - Jamais se ouviu tão vã declaração.
DEMÉTRIO - Lisandro, não me causas alegria; de Hérmia saber não quero.
Se algum dia lhe tive amor, está tudo acabado. Tal amor foi um simples
convidado que em seu peito morou, mas que, ao presente, para Helena retorna
alegremente.
LISANDRO - Não creias nisso, Helena.
DEMÉTRIO - Não permito que menoscabes o meu peito aflito. Se insistes,
provarás a minha espada. Mas eis que vem chegando a tua amada.
(Entra Hérmia.)
HÉRMIA - A noite que da vista tira tudo deixa o ouvido dez vezes mais
agudo. Quanto parece a vista ter perdido, em agudeza ganha o outro sentido. Bom
Lisandro, não foste ora encontrado com o auxílio da vista. Se ao teu lado me
vejo, é que tua voz estremecida de guia me serviu nesta corrida. Por que me abandonaste
tão sozinha?
LISANDRO - Para ir ver meu amor, minha rainha.
HÉRMIA - Que rainha ou amor de mim te aliena?
LISANDRO - A amada de Lisandro, a bela Helena, que ao teu lado ficar não
me deixava e que brilha, com sua coma flava, por tudo iluminando a noite escura
mais do que esses luzeiros de luz pura. Por que me buscas? Pois não viste ainda
que por ti sinto antipatia infinda?
HÉRMIA - Não dizes o que pensas; é impossível.
HELENA - Hérmia está ao lado deles; será crível? Vejo que os três estão,
de igual maneira, mancomunados nesta brincadeira, para rirem de mim. Ó ingrata
Hérmia, jovem maldosa, de comum
acordo vos pusestes com estes dois mancebos. para tamanho escárnio me
atirardes? As confidências que fazer soíamos, nossos votos de irmã, tantos
momentos de conversa amigável, quando o tempo de passadas velozes nós
culpávamos por nos vir separar: tudo esquecestes? A amizade dos bancos escolares?
A inocência da infância? Hérmia, nós duas como deusas prendadas, muitas vezes a
mesma flor tecemos com agulhas, de um modelo valendo-nos, sentadas numa
almofada só, cantarolando sempre
no mesmo tom iguais cantigas, como se corpos, mãos, almas e vozes em comum nós
tivéssemos. Desta arte crescemos juntas, aparentemente separadas, mas, ainda
assim, unidas; dois frutos amorosos num só talo, um coração apenas em dois
corpos ao parecer, tal como dois escudos encimados por uma crista
apenas. Quereis romper uma amizade dessas, para ao lado vos pordes desses moços
que escarnecem de vossa pobre amiga? Não é procedimento de amizade, nem é
conduta feminil, tampouco. Por mim, todo o meu sexo te condena, muito embora
eu, somente, a injúria sinta.
HÉRMIA - De espanto me enche esse discurso insólito. De vós não zombo; o
que suponho certo, é que alvo sou de vossa zombaria.
HELENA - Instigado por vós não foi Lisandro a me seguir e me fazer encômios
por pura zombaria, enaltecendo-me os olhos e a figura? Não fizestes que este
outro vosso admirador, Demétrio - que, até há pouco, com o pé me repelia - me
chamasse de ninfa, deusa, rara, preciosa, celestial, irresistível? Por que fala
desta arte a quem detesta? Por que razão Lisandro ora se mostra perjuro ao
vosso amor que a alma lhe adorna, e afeição me protesta formalmente, se
instigado por vós não se encontrasse? Por ser
destituída dos encantos que vos são próprios e não ter nenhuma sorte no amor,
amando como o faço, sem ser correspondida? Isso piedade despertar deveria, não
desprezo.
HÉRMIA - De vossa fala o nexo não percebo.
HELENA - Continuai a fingir olhares tristes e, quando eu me virar, fazei
caretas; um para o outro piscai; levai avante vossa pilhéria fina; a
brincadeira bem planejada vai passar à história. Se de moral, piedade, ou
sentimento fosseis dotados, não me escolheríeis para objeto de vosso
passatempo. Mas passai bem; em parte é minha a culpa; a ausência ou a morte
ensejará o remédio.
LISANDRO - Não vás, gentil Helena; ouve-me os votos, amor, vida, minha
alma, Helena linda!
HELENA - Admirável!
HÉRMIA - Meu bem, não troces dela.
DEMÉTRIO - Se com seus rogos Hérmia o não convence a força empregarei.
LISANDRO - Tuas ameaças me obrigam tanto quanto o seu pedido. Amo-te,
Helena. Sim, por minha vida, por esta vida que por ti arrisco, juro provar que
falsidade afirma quem se atreva a dizer que eu não te adoro.
DEMÊTRIO - Maior que o dele é o meu amor. afirmo-o.
LISANDRO - Então vinde comigo.
DEMÊTRIO - Neste instante.
HÉRMIA - A que tende, Lisandro, a brincadeira?
LISANDRO - Para trás, negra etíope!
DEMÉTRIO - Ele finge que está furioso mas, realmente, abstém-se de me
seguir. Homem pacato,vamos!
LISANDRO (a Hérmia) - Gata, vai te enforcar! Bardana! Monstro! Se não,
serás tratada como víbora.
HÉRMIA - Por que tão rude assim ficais de súbito? Qual a causa, meu bem,
dessa mudança?
LISANDRO - Teu bem, Tártara escura? Para trás, vomitório! Veneno odioso, fora!
HÉRMIA - Estais brincando?
HELENA - Sim, e vós com ele.
LISANDRO - Demétrio, manterei minha palavra.
DEMÉTRIO - Quisera ter a obrigação escrita por vossa própria mão, pois
estou vendo que obrigação mui fraca ora vos prende. Vossa palavra para mim não
vale.
LISANDRO - Como! Devo bater-lhe? Assassiná-la? Embora a odeie, mal não
lhe desejo.
HÉRMIA - Como! É possível maior mal do que isso de me odiardes assim?
Ódio votardes-me? Por quê? Por quê? Oh Deus! Amor, que houve? Hérmia não sou e
vós não sois Lisandro? Sou tão formosa agora quanto era antes. Amáveis-me esta
noite, e nesta mesma noite me rejeitais. Serei forçada, pois, a pensar - oh!
Deus tal não permita! - que de caso pensado me deixastes. Dizei: é isso?
LISANDRO - Sim, por minha vida, e não te quero ver nunca jamais. Perde,
pois, a esperança; não te iludas, não me faças perguntas sem sentido. Não é
pilhéria, podes estar certa; nada há mais verdadeiro; tenho-te ódio e
apaixonadamente a Helena adoro.
HÉRMIA - Ai de mim! Feiticeira! Vil gusano, ladra de amor! Durante a
noite viestes para roubar o coração do peito do meu amado?
HELENA - Fina, realmente! Pudor não tendes virginal, modéstia, resquício
de vergonha? Será crível?
Quereis forçar-me a gentil boca a dar-vos respostas impacientes? Oh! Que
opróbrio! Fora, boneca falsa!
HÉRMIA - É assim: boneca! Esclarece-se agora a brincadeira. Começo a
perceber que ela o confronto fez de nossas alturas, insistindo no seu porte
mais alto, na aparência mais elevada, em sua alta compostura, e desse modo pode
seduzi-lo. Subistes tanto em sua estima, apenas por eu ser anãzinha e diminuta?
Qual é minha estatura? Vamos, fala, varapau rebocado. Sou pequena, não é
verdade? Mas não tanto, ainda, que com as unhas os olhos não te alcance.
HELENA - Senhores, muito embora estejais todos de mim fazendo troça, por
obséquio não consintais que mal ela me cause. Nunca fui má, nem queda jamais
tive para essas discussões; mulher me sinto até mesmo na minha covardia. Não
deixeis que me bata, pois decerto não pensais que por ela ser mais baixa do que
eu, serei capaz de dominá-la.
HÉRMIA - Baixa, baixa outra vez.
HELENA - Hérmia bondosa, não vos mostreis zangada assim comigo. Sempre
vos tive amor; ofensa alguma jamais vos fiz e sempre fui discreta com relação a
vossas confidências. Sim, por amor, apenas, de Demétrio, lhe revelei que
havíeis combinado fugir para este bosque; ele seguiu-vos; eu o segui, também, por
amor dele, mas fui por ele repelida, sobre me ver ameaçada de pancada e até
mesmo de morte. Mas agora, se deixardes que em paz eu me retire, não mais vos
seguirei; torno com a minha loucura para
Atenas. Sim, deixai-me; bem vedes como eu sou simples e dócil.
HÉRMIA - Voltai logo; quem é que vos retém?
HELENA - O louco coração que atrás eu deixo.
HÉRMIA - Com Lisandro, não é?
HELENA - Não, com Demétrio.
LISANDRO - Não tenhas medo, Helena; nenhum dano ela te causará.
DEMÉTRIO - De nenhum modo, senhor, ainda mesmo que do lado dela vos
coloqueis.
HELENA - Quando zangada, sarcástica ela fica e arrebatada. Verdadeira
raposa era na escola; apesar de pequena, é perigosa.
HÉRMIA - "Pequena", sempre; é só "pequena" e
"baixa". Permitis que me insulte desse modo?
Deixai-me segurá-la um só momento.
LISANDRO - Para trás, anãzinha! Dedo mínimo, ser composto de grama
retardante, semente, conta de rosário, fora!
DEMÉTRIO - Insistis por demais junto a uma dama que não desce a
aceitar-vos os serviços. Deixai-a só; não mais faleis de Helena, nem tomeis seu
partido, pois se a mínima demonstração de amor lhe revelardes, pagareis caro.
LISANDRO - Ela já não me prende. Se tens coragem, segue-me; vejamos qual
de nós dois a Helena tem direito.
DEMÉTRIO - Seguir-te? Não! Irei junto contigo, rosto com rosto.
(Saem Lisandro e Demétrio.)
HÉRMIA - Vós, senhora, a causa sois dessa briga; não convém sairdes.
HELENA - Em vós eu não confio; não me agrada ficar em companhia
amaldiçoada. Se dessas mãos me podem vir feridas, para correr tenho eu pernas
compridas.
(Sai.)
HÉRMIA - Não sei o que pensar dessas mexidas.
(Sai.)
OBERON -
Tudo provém de tua negligência. Sempre te enganas, caso não se trate de alguma
brincadeira voluntária.
PUCK - Ó rei das sombras, podeis crer-me: houve erro. Não disseste que
fácil me seria reconhecer o moço, pelas vestes de modelo ateniense? Não mereço
censura desta vez, pois encantado deixei de Atenas jovem namorado. Mas
alegra-me ver tudo assim torto, que para mim não há melhor desporto.
OBERON - Viste que os dois rivais foram em busca de uma clareira para
duelo. Embrusca depressa a noite, bom Robim; defronte deles espalha as trevas
do Aqueronte; aparta um do outro os moços
namorados e os faze andar por diferentes lados. Imita de Lisandro a voz aguda,
porque mais a Demétrio o ódio sacuda; ou de Demétrio finge a voz, de modo que
não se encontrem nunca e, sobremodo cansados, possa o sono, irmão da morte,
surpreendê-los com seu pesado porte, infundindo-lhes plácido sossego com suas
tenras asas de morcego. Depois, nos olhos de Lisandro espreme desta outra
plantazinha o suco estreme, que apresenta a virtuosa propriedade de lhes
restituir a claridade, da ilusão lhes deixando
inteiramente liberta a vista, o coração e a mente. Despertos, pensarão que esta
balbúrdia tivesse sido, tão-somente, estúrdia visão, talvez um simples sonho,
apenas. Voltarão, desse modo, para Atenas os dois casais de fidos namorados, em
laços sempiternos amarrados. Enquanto isso fizeres com carinho, pedirei a Titânia
o pajenzinho, da vista logo lhe tirando o encanto que a faz de um monstro
apaixonar-se tanto.
PUCK - Meu rei dos duendes, isso vai ser, feito com toda a pressa, como
o pede o pleito, que os velozes dragões da noite escura não cessam de apartar
com a viatura aquelas nuvens negras. Não demora, vai nos surgir o anunciar da
aurora, ante o qual os espíritos nefandos procuram logo o cemitério, aos
bandos; os espectros de quantos pelas ondas, ou nas encruzilhadas, as hediondas
sepulturas tiveram, para os leitos de vermes já se foram, com trejeitos; de
medo de mostrar suas vergonhas, escondem da luz clara as carantonhas, ocultando
de grado o aspecto impuro na negra noite de sobrolho escuro.
OBERON - Nossa essência, porém, é diferente. Com o amante da Aurora, no
nascente rubicundo costumo divertir-me; às vezes, como caçador, a firme terra
me apraz cortar, até que a rubra porta ecoa a
Netuno nos descubra, com amarelo de ouro colorindo a verde superfície do mar
lindo. Mas apressa-te; a mágica abrevia; urge fazer tudo isso antes do dia.
(Sai Oberon.)
PUCK - Com toda a velocidade vou trazê-los. Nenhum há de me escapar.
Minha vontade nas choupanas, na cidade, por tudo tem validade. Trazê-los vou,
sem maldade, com toda a velocidade. Lá vem um.
(Entra Lisandro.)
LISANDRO - Tua fúria, Demétrio, deu em nada?
PUCK - Aqui, vilão! Arranca logo a espada!
LISANDRO - Já vou! Já vou!
PUCK - Então, para a clareira me acompanha.
(Sai Lisandro, na direção da voz.)
(Volta Demétrio.)
DEMÉTRIO - Lisandro, essa carreira de veloz gamo impede que eu conheça
em que buraco escondes a cabeça.
PUCK - Covarde, com as estrelas é tua briga? Ou com as árvores? Mandas
que te siga, e te escondes de mim? Bonito duelo! Vem, menino; uma vara de
marmelo tenho aqui, pois vergonha fora, imensa, com ferro te punir por esta
ofensa.
DEMÉTRIO - Já vais ver. Onde estás?
PUCK - É muito fácil seguir-me a voz tua figura grácil.
(Saem.)
(Volta Lisandro.)
LISANDRO - Sempre me vai à frente em meu caminho; mas, ao querer
pegá-lo, estou sozinho. Corro a valer, mas ele é mais veloz; só tem forças nas pernas
e na voz. Exausto estou de tanta correria.
Vou descansar. (Deita-se.) Vem, abençoado dia! Se eu vir de novo a tua luz
risonha, me pagará Demétrio esta vergonha.
(Dorme.)
(Voltam Puck e Demétrio.)
PUCK - Olá, covarde! Em que lugar te escondes?
DEMÉTRIO - para, se tens coragem. Não respondes? Por tudo corres, a
mudar de posto, sem que jamais eu possa ver-te o rosto. Onde estás?
PUCK - Aqui mesmo; não me fujas.
DEMÉTRIO - Vamos brigar no claro; só corujas podem ver em tamanha
escuridão. Se eu te pegar de dia... A lassidão me constrange a medir a
compostura em qualquer parte...nesta pedra dura.
(Deita-se e dorme.)
(Volta Helena.)
HELENA - Ó noite tediosa e cansativa, passa depressa! Vem, radiante
aurora! porque a Atenas eu possa chegar viva, livre de quem minha alma em vão
implora. Sono, que esquecer fazes a agonia, liberta-me da minha companhia.
(Deita-se e dorme.)
PUCK - Somente três? Falta gente porque o outro par descontente fique
completo. Coitada! Como vem triste e cansada, por Cupido transtornada!
(Volta Hérmia.)
HÉRMIA - Jamais tal dor senti, tanto cansaço; toda molhada estou,
dilacerada; não me é possível dar mais um só passo; os pés não me obedecem
quase nada. Aqui esperarei o dia belo;Deus proteja a
Lisandro nesse duelo.
(Deita-se e dorme.)
PUCK - No solo duro dorme; conjuro de grande efeito transforme o peito
também deste namorado.
(Deita o suco da planta nos olhos de Lisandro.)
Quando acordares com novos ares, fiques rendido do peito fido de que já foste
afeiçoado. Cada mulher com um varão, proclama velho rifão com muita boa
intenção. Com prosa lhana João pega Joana. Quem boa potranca tem, acha que tudo
está bem.
(Sai.)
Entendendo o texto
01. Quem
é o primeiro personagem a aparecer na Cena II do Ato III?
a) Oberon
b) Puck
c) Demétrio
d) Titânia
02. Qual foi a brincadeira feita por Puck com um dos artesãos?
a)
Transformou-o em burro.
b) Colocou-o para dormir.
c) Fez com que ele se apaixonasse
por Titânia.
d) Tirou a voz dele.
03. Por que Titânia se apaixona por um monstro?
a) Foi uma maldição de Oberon.
b) Por
causa do feitiço da flor mágica.
c) Ela estava sonhando.
d) Foi enganada por Puck.
04. Que erro Puck comete ao usar o suco da flor mágica?
a) Aplica o
suco em Lisandro em vez de Demétrio.
b) Aplica o suco na pessoa errada e
cria mais confusões.
c) Não usa a flor mágica
corretamente.
d) Faz com que Oberon perca a
paciência.
05. Qual
é o sentimento predominante de Hérmia quando descobre que Lisandro a rejeita?
a) Raiva.
b) Tristeza
e incredulidade.
c) Desprezo por Helena.
d) Confusão.
06. Como
Helena interpreta o comportamento de Lisandro e Demétrio ao se declararem para
ela?
a) Ela
acredita que é uma piada cruel contra ela.
b) Ela pensa que eles estão
apaixonados por ela de verdade.
c) Ela acredita que ambos estão
enfeitiçados.
d) Ela desconfia de Hérmia.
07. O que
Oberon ordena a Puck fazer para consertar a confusão?
a) Trazer
Helena até eles.
b) Fazer Lisandro voltar a amar
Hérmia.
c) Usar o feitiço no momento certo.
d) Transformar Demétrio em outro
animal.
08. O que causa o conflito entre Hérmia e Helena?
a) O ciúme e a desconfiança de Hérmia.
b) A acusação de Helena de que Hérmia
ajudou na zombaria.
c) As
declarações de amor feitas por Lisandro e Demétrio a Helena.
d) A
traição de Demétrio.
09. Qual é a principal emoção demonstrada por Helena durante a cena?
a) Gratidão.
b) Indignação
e tristeza.
c) Alegria.
d) Raiva por Hérmia.
10. No final da Cena II do Ato III, o que Oberon pretende fazer para
resolver a situação?
a) Fazer com
que Demétrio ame Helena de verdade.
b) Separar Lisandro de Helena
imediatamente.
c) Reverter o feitiço em Lisandro.
d) Acalmar todos os personagens para
evitar mais conflitos.
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