Crônica: Pequenas aprendizagens
Jamil Snege
Bastou relatar, na última crônica,
minha experiência com a descoberta de um câncer, para que meu telefone
triplicasse o volume de chamadas recebidas. Eram os amigos, os parentes e, em
número menor porém muito significativo, os colegas de fado e de sina. Descobri,
de repente, que o mundo ao redor não é tão são como parece. E que muitas
pessoas, com as quais cruzamos na rua, no shopping ou na fila do cinema,
guardam dentro de si, mais ou menos inviolado, um idêntico segredo.
Têm elas, como eu, um alien alojado em
alguma parte de seus corpos (ou fluídico e difuso em seu todo), com o qual
mantêm relações estranhas e contraditórias. Em algumas, a relação é de
beligerância declarada – e estas geralmente exibem a fisionomia contrita do
guerreiro. Querem vencer e tudo farão para expulsar o invasor e destruí-lo.
Outras, ao contrário, procuram ouvir o que o invasor tem a lhes dizer e o
tratam antes como mensageiro do que como inimigo. Não cedem a ele, mas também
não o afrontam com iras desmedidas. E um ser que está ali, com sua sintaxe
desordenada, querendo expressar algo. Curiosamente, essa atividade as ilumina.
Ainda sou neófito nas artes de
convivência com meu alien, mas tendo a imitar essa última postura. Procuro
decodificar as mensagens que ele me envia, sempre tomando o cuidado de
interpretar o conteúdo delas. Nesses poucos dias, aprendi mais sobre mim do que
em muitos anos de saudável pastio pelas rotinas da vida. Descobri afetos
insuspeitados, docilidades, relevâncias onde antes nada havia. E, simetricamente,
a absoluta irrelevância de certas coisas que julgávamos muito importantes.
Os males imaginários, por exemplo, nos
infundem muito mais terror que um bando de células malucas embutido em nosso
peito. Pois são apenas células malucas – e não passam disso. Tememos todas as
mortes possíveis, sofremos a iminência trágica e retumbante de cada uma delas –
mas somente uma única mortezinha, singular e vulgar, nos arrebatará deste
mundo.
Como quem descobre uma nova ruga ou um
novo fio de cabelo branco, você descobre que o espírito também envelhece e fica
mais sábio. E ficar mais sábio, neste caso, não significa mergulhar em
transcendência, mas, ao contrário, buscar a imanência das coisas mais simples.
Onde estão elas, você perguntará. Não há resposta verbal, nem construção
conceituai, que indique onde estão e o que são as coisas simples. Podemos fazer
algumas aproximações, através da sensibilidade, na direção delas. Por exemplo:
desligar o televisor, ao primeiro sinal de tédio, e olhar com um interesse
completamente novo, inaugural, para o rosto da pessoa que há anos vive a nosso
lado.
SNEGE, Jamil. Gazeta do
Povo, Curitiba, 21 jul. 2002, p. G-3.
Fonte: livro Português:
Língua e Cultura – Carlos Alberto Faraco – vol. único – Ensino Médio – 1ª edição
– Base Editora – Curitiba, 2003. p. 15-16.
Entendendo a crônica:
01
– A experiência com a doença levou o autor a uma profunda reflexão sobre a
vida. Quais foram as principais mudanças de perspectiva que ele experimentou?
Essa pergunta busca
explorar as transformações internas do autor, como a valorização de
relacionamentos, a mudança de prioridades e a nova visão sobre a vida e a
morte.
02
– O autor menciona duas posturas diferentes diante da doença: a beligerância e
a aceitação. Qual dessas posturas ele escolheu e por quê?
A questão explora
a decisão pessoal do autor e as razões que o levaram a adotar uma determinada
postura frente ao diagnóstico.
03
– A crônica destaca a importância das relações interpessoais. De que forma a
doença aproximou o autor das pessoas ao seu redor?
A pergunta
aprofunda a análise sobre como a experiência da doença influenciou os
relacionamentos do autor e como as pessoas ao seu redor reagiram.
04
– O autor afirma que aprendeu mais sobre si mesmo nos últimos dias do que em
muitos anos. Quais são as principais lições que ele aprendeu?
A questão busca
identificar as lições mais significativas que o autor extraiu da experiência,
como a importância de viver o presente, a fragilidade da vida e a necessidade
de buscar o simples.
05
– A crônica faz uma crítica à sociedade contemporânea. Qual é essa crítica e
como ela se relaciona com a experiência do autor?
A pergunta busca
analisar a visão crítica do autor sobre a sociedade, que valoriza o materialismo
e a superficialidade, contrastando com a busca por significado e simplicidade
que ele experimenta.
06
– O autor menciona a importância de "decodificar as mensagens" que a
doença envia. O que você entende por essa frase?
A questão busca
uma interpretação mais profunda da metáfora utilizada pelo autor, convidando o
leitor a refletir sobre o significado da doença como uma forma de comunicação.
07
– A crônica termina com uma reflexão sobre a simplicidade. Qual é a importância
da simplicidade na vida, segundo o autor?
A pergunta busca
compreender a valorização da simplicidade como um caminho para uma vida mais
plena e significativa, contrastando com a complexidade e a superficialidade do
mundo moderno.
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