Crônica: NATAL – Fragmento
Luís Fernando Veríssimo
Natal
é uma época difícil para cronistas. Eles não podem ignorar a data e ao mesmo
tempo não há mais maneiras originais de tratar do assunto. Os cronistas,
principalmente os que estão no métier há tanto tempo, que ainda usam a palavra
métier – já fizeram tudo que havia para fazer com o Natal. Já recontaram a
história do nascimento de Jesus de todas as formas: versão moderna (Maria tem o
bebê numa fila do SUS), versão coloquial (“Pô, cara, aí Herodes radicalizou e
mandou apaga as pinta recém-nascida, baita mauca”), versão socialmente
relevante (os três reis magos são detidos pela polícia a caminho da manjedoura,
mas só o negro precisa explicar o que tem
no saco) versão on-line (jotace@salvad.com.bel conta sua vida num chat site), etc.
Papai Noel, então, nem se fala. Eu
mesmo já escrevi a história do casal moderno que flagra o Papai Noel deixando
presentes sob a árvore de Natal, corre com o Papai Noel e não conta nada da sua
visita para o filho porque querem criá-lo sem qualquer tipo de superstição
várias vezes. Poucos cronistas estão inocentes de inventar cartas fictícias com
pedidos para o Papai Noel: patéticas (paz para o mundo, bom senso para os governantes),
políticas (“Só mais um mandato e eu juro que acerto, ass. Fernando”) ou
práticas (“Algo novo para escrever sobre o Natal, por amor de Deus!”).
Já fomos sentimentais, já fomos
amargos, já fomos sarcásticos e blasfemos, já fomos simples, já fomos
pretensiosos – não há mais nada a escrever sobre o Natal! Espera um pouquinho.
Tive uma ideia. Uma reunião de noéis! Noel Rosa, Noel Coward e Papai Noel. Acho
que sai alguma coisa. Noel Rosa, Noel Coward e Papai Noel estão reunidos… onde?
Na mesa de um bar? Papai Noel não frequenta bares para não dar mau exemplo.
Pelo menos não com a roupa de trabalho. No Polo Norte? Noel Coward, acostumado
com o inverno de Londres, talvez aguentasse, mas Noel Rosa congelaria. Não
interessa onde é o encontro. Uma das primeiras lições da
crônica é: não especifica. Noel Rosa, Noel Coward e Papai Noel estão reunidos em
algum lugar.
[...]
Noel Coward e Papai Noel se entreolham.
Papai Noel cofia a barba. Ninguém sabe, exatamente, o que é “cofiar”, mas é o que
Papai Noel faz, enquanto Noel Coward olha em volta com evidente desgosto por
estar em algum lugar. Preferia estar em outro. Ninguém encontra o que dizer,
nem eu.
[...]
Esquece. Não há mais nada a escrever
sobre o Natal.
[...].
Correio Braziliense, Brasília, 19/12/99.
Fonte: livro Português:
Língua e Cultura – Carlos Alberto Faraco – vol. único – Ensino Médio – 1ª
edição – Base Editora – Curitiba, 2003. p. 21.
Entendendo a crônica:
01
– Qual a principal dificuldade enfrentada pelos cronistas ao escrever sobre o
Natal, segundo Veríssimo?
A principal
dificuldade é a falta de originalidade. Os temas natalinos já foram explorados
exaustivamente, tornando difícil encontrar novas perspectivas ou abordagens.
02
– Que tipos de abordagens sobre o Natal já foram exploradas pelos cronistas, de
acordo com o texto? Cite alguns exemplos.
Veríssimo cita
diversas abordagens, como: versões modernas e coloquiais da história de Jesus,
críticas sociais, humor sarcástico e blasfemo, sentimentalismo, e até mesmo o
uso de cartas fictícias ao Papai Noel.
03
– Qual a ideia original que Veríssimo apresenta para fugir do lugar-comum sobre
o Natal?
A ideia original
é reunir três figuras históricas com o nome "Noel" em um mesmo lugar:
Noel Rosa, Noel Coward e Papai Noel. A intenção é criar uma situação inusitada
e gerar um diálogo improvável entre esses personagens.
04
– Por que a ideia da reunião entre os três Noéis não funciona, segundo o autor?
A ideia não
funciona porque os personagens são muito diferentes e não há um contexto
natural para a reunião. Além disso, o autor reconhece que não consegue
encontrar diálogos e situações interessantes para essa cena.
05
– Qual a conclusão a que Veríssimo chega sobre a possibilidade de escrever algo
novo sobre o Natal?
Veríssimo conclui
que, após explorar todas as possibilidades e perceber as dificuldades de criar
algo original, não há mais nada a escrever sobre o Natal.
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