sexta-feira, 3 de janeiro de 2025

CONTO: ADMIRÁVEL MUNDO NOVO - CAP.II - FRAGMENTO - ALDOUS HUXLEY - COM GABARITO

 Conto: Admirável Mundo Novo Cap. II – Fragmento

            Aldous Huxley

        [...]. O D. I. C. e seus alunos entraram no elevador mais próximo e foram levados ao quinto andar. 

        Berçários. Salas de Condicionamento Neopavloviano, indicava o painel de avisos.

        O Diretor abriu uma porta. Entraram numa vasta peça nua, muito clara e ensolarada, pois toda a parede do lado sul era constituída por uma única janela. Meia dúzia de enfermeiras, com as calças e jaquetas do uniforme regulamentar de linho branco de viscose, os cabelos assepticamente cobertos por toucas brancas, estavam ocupadas em dispor sobre o assoalho vasos com rosas numa longa fila, de uma extremidade à outra da peça. Grandes vasos, apinhados de flores.

Fonte: https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjOqWkExhC-ql5jIizT2mO1sE-xfwF7acqqIWJsuB9C_SWxoQpY6VWFRZ7JJwEZ79mUOUnpIrqdQpdlUZXIeEihdMzBP3K8qwtqJMgTt0rOOvOCfwpD-OIu4IJb7DHneGDc94pH4xN7CuRh07g0B-a9yA20Nkf47n0o-bMM6RIjXOk-F7_Mg2hF7zXBxVw/s320/MUNDO.jpg


        Milhares de pétalas, amplamente desabrochadas e de uma sedosa maciez, semelhantes às faces de inumeráveis pequenos querubins, [...].

        As enfermeiras perfilaram-se ao entrar o D.I.C.

        -- Coloquem os livros – disse ele, secamente.

        Em silêncio, elas obedeceram à ordem. Entre os vasos de rosas, os livros foram devidamente dispostos – uma fileira de livros infantis, cada um aberto, de modo convidativo, em alguma gravura agradavelmente colorida, de animal, peixe ou pássaro.

        -- Agora, tragam as crianças.

        Elas saíram apressadamente da sala e voltaram ao cabo de um ou dois minutos, cada qual empurrando uma espécie de carrinho, onde, nas suas quatro prateleiras de tela metálica, vinham bebês de oito meses, todos exatamente iguais (um Grupo Bokanovsky, evidentemente) e todos (já que pertenciam à casta Delta) vestidos de cáqui.

        -- Ponham as crianças no chão.

        Os bebês foram descarregados.

        -- Agora, virem-nas de modo que possam ver as flores e os livros.

        Virados, os bebês calaram-se imediatamente, depois começaram a engatinhar na direção daquelas massas de cores brilhantes, daquelas formas tão alegres e tão vivas nas páginas brancas. Enquanto se aproximavam, o sol ressurgiu de um eclipse momentâneo atrás de uma nuvem. As rosas fugiram como sob o efeito de uma súbita paixão interna; uma energia nova e profunda pareceu espalhar-se sobre as páginas reluzentes dos livros. Das filas de bebês que se arrastavam a quatro pés, elevaram-se gritinhos de excitação, murmúrios e gorgolejos de prazer.

        O Diretor esfregou as mãos.

        -- Excelente! – comentou. – Até parece que foi feito de encomenda.

        Os mais rápidos engatinhadores já haviam alcançado o alvo. Pequeninas mãos se estenderam incertas, tocaram, pegaram, despetalando as rosas transfiguradas, amarrotando as páginas iluminadas dos livros. O Diretor esperou que todos estivessem alegremente entretidos. Depois disse:

        -- Observem bem. – E, levantando a mão, deu o sinal.

        A Enfermeira-Chefe, que se encontrava junto a um quadro de ligações na outra extremidade da sala, baixou uma pequena alavanca.

        Houve uma explosão violenta. Aguda, cada vez mais aguda, uma sirene apitou. Campainhas de alarme tilintaram, enlouquecedoras.

        As crianças sobressaltaram-se, berraram; suas fisionomias estavam contorcidas pelo terror.

        -- E agora – gritou o D.I.C. (pois o barulho era ensurdecedor) – agora vamos gravar mais profundamente a lição por meio de um ligeiro choque elétrico.

        Agitou de novo a mão, e a Enfermeira-Chefe baixou uma segunda alavanca. Os gritos das crianças mudaram subitamente de tom. Havia algo de desesperado, de quase demente, nos urros agudos e espasmódicos que elas então soltaram.

        Seus pequenos corpos contraíam-se e retesavam-se; seus membros agitavam-se em movimentos convulsivos, como puxados por fios invisíveis.

        -- Nós podemos eletrificar todo aquele lado do assoalho – berrou o Diretor como explicação. – Mas isso basta — continuou, fazendo um sinal à enfermeira.

        As explosões cessaram, as campainhas pararam de soar, o bramido da sirene foi baixando de tom em tom até silenciar. Os corpos rigidamente contraídos distenderam-se, o que antes fora o soluço e o ganido de pequenos candidatos à loucura expandiu-se novamente no berreiro normal do terror comum.

        -- Ofereçam-lhes de novo as flores e os livros.

        As enfermeiras obedeceram; mas à aproximação das rosas, à simples vista das imagens alegremente coloridas do gatinho, do galo que faz cocorocó e do carneiro que faz bé, bé, as crianças recuaram horrorizadas; seus berros recrudesceram subitamente.

        [...]

        -- Elas crescerão com o que os psicólogos chamavam um ódio "instintivo" aos livros e às flores. Reflexos inalteravelmente condicionados. Ficarão protegidas contra os livros e a botânica por toda a vida. – O Diretor voltou-se para as enfermeiras. – Podem levá-las.

        Sempre gritando, os bebês de cáqui foram colocados nos seus carrinhos e levados para fora da sala, deixando atrás de si um cheiro de leite azedo e um agradabilíssimo silêncio.

        Um dos estudantes levantou a mão.

        Embora compreendesse perfeitamente que não se podia permitir que pessoas de casta inferior desperdiçassem o tempo da Comunidade com livros e que havia sempre o perigo de lerem coisas que provocassem o indesejável descondicionamento de algum dos seus reflexos, no entanto... enfim, ele não conseguia entender o referente às flores. Por que dar-se ao trabalho de tornar psicologicamente impossível aos Deltas o amor às flores?

        [...]

        As flores do campo e as paisagens, advertiu, têm um grave-defeito: são gratuitas. O amor à natureza não estimula a atividade de nenhuma fábrica. Decidiu-se que era preciso aboli-lo, pelo menos nas classes baixas; [...]  

Aldous Huxley. Admirável Mundo Novo. 2 ed. São Paulo. 2001. p. 51-55.

Entendendo o conto:

01 – Qual é o objetivo do experimento realizado com as crianças?

      O experimento busca condicionar psicologicamente as crianças da casta Delta a desenvolverem um ódio "instintivo" a livros e flores. Isso visa protegê-las contra o desperdício de tempo com leituras e a natureza, que não são úteis para a produtividade da sociedade.

02 – O que ocorre quando as crianças são expostas aos estímulos das flores e dos livros?

      Inicialmente, as crianças sentem prazer e curiosidade pelas flores e pelos livros. No entanto, após serem submetidas a sons ensurdecedores e choques elétricos, passam a associar esses objetos ao medo e ao sofrimento, rejeitando-os completamente.

03 – Por que as crianças devem ser condicionadas a odiar as flores?

      O amor à natureza, representado pelas flores, é considerado improdutivo para as castas inferiores, pois as flores e paisagens não geram consumo ou atividade industrial. Por isso, é preciso eliminar esse interesse para favorecer a produtividade.

04 – Como o condicionamento é aplicado às crianças?

      O condicionamento é realizado com estímulos dolorosos e perturbadores, como sons altos e choques elétricos, para criar associações negativas entre as crianças e os objetos desejados, como flores e livros.

05 – Qual é a importância de impedir as castas inferiores de terem acesso a livros?

      Impedir o acesso aos livros evita que as castas inferiores leiam conteúdos que possam descondicionar seus reflexos ou questionar a ordem social, garantindo que permaneçam submissas e produtivas para a sociedade.

06 – Como os bebês da casta Delta são apresentados no experimento?

      Os bebês da casta Delta, idênticos por serem de um Grupo Bokanovsky, vestem-se de cáqui e são trazidos em carrinhos. Eles são posicionados para ver os livros e as flores antes de serem condicionados.

07 – O que revela o experimento sobre a sociedade do conto?

      O experimento mostra que a sociedade de Admirável Mundo Novo valoriza a manipulação e o controle psicológico desde a infância, eliminando qualquer comportamento ou interesse que não contribua para a eficiência, o consumo e a estabilidade social.

 

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