sexta-feira, 17 de junho de 2022

CRÔNICA: DEPOIS DO UNO - WALCYR CARRASCO - COM GABARITO

Crônica: Depois do Uno

                Walcyr Carrasco

        Há alguns meses perdi meu cachorro muito amado, o husky siberiano Uno. Sofri durante sua doença e compartilhei minha angústia através de uma crônica. Recebi centenas de e-mails e cartas, com pessoas relatando dores semelhantes. Lembro-me até de uma mensagem em que um rapaz contava jamais ter tido cachorro ou gato. Mas, apesar disso, se identificava com minha perda. Afinal de contas, perda é perda. Antes de Uno partir para a operação da qual não retornou, conversei com ele de noite, enquanto acariciava seus pelos.

        – Ah, Uno querido! Se você não voltar, foi um bom tempo que passamos juntos! Obrigado!

        Dentro do meu coração, senti que ele entendeu!

        Depois que Uno morreu, anunciei:

        – Nunca mais quero ter cachorro! Nem gato, nem passarinho!

        Disposto a manter minha palavra, recusei inúmeras ofertas de filhotes. Resolvi:

        – A vida é mais fácil sem um cachorro. Posso viajar à vontade, sem preocupação.

       Alinhavei mentalmente argumentos que provavam quanto era melhor não ter bicho nenhum.

        No Ano-Novo, fui para Camburi, uma praia no Litoral Norte de São Paulo. Fiz tudo o que manda a tradição: pulei sete ondinhas, comi uvas, bebi champanhe. Depois da ceia, deitei na rede da varanda. No escuro, iluminados apenas por velas, eu e meus amigos jogávamos conversa fora. De repente, um enorme cachorro negro apareceu, vindo da rua. Fizemos sinais.

        – Vem cá! – eu disse.

        Ele veio. E me obedecia em tudo! A ponto de outra pessoa comentar:

         – Esse cachorro parece que é seu!

        Fiquei um longo tempo brincando com ele. Queria prendê-lo, mas na praia não tenho muros! Ele foi embora. No dia seguinte, descobri que dormiu na porta do condomínio. Decidi que seria meu. Prometi gorjetas aos caseiros da região. Saí a procurá-lo na praia. Não o encontrei de jeito nenhum.

        Tempos depois, um amigo, Robson, foi para a mesma praia e me telefonou.

        – Você quer mesmo aquele cachorro?

        – Nunca mais quero ter cachorro, mas esse eu quero – respondi dentro de uma lógica inexplicável.

        Eu estava no Rio de Janeiro. Passei uma semana péssima. Esqueci da conversa. Voltei fragilizado, em um momento difícil da vida. Quando cheguei a São Paulo, meu amigo me esperava em casa.

        – Tem uma surpresa para você lá no quintal.

        Era uma cachorrinha preta, vira-lata, magérrima.

        – Aquele cachorro que você queria tem dono. Mas esta é uma prima dele!

        Peguei o bichinho trêmulo no colo. Abracei. Robson explicou:

        – Se você não quiser, minha tia fica com ela!

        Mas eu não ia querer? Abracei-a e, é claro, dei nome de gente: Ísis. Se alguma Ísis se sentir ofendida, me perdoe! Dali a alguns dias, pensei:

        – A Ísis precisa de companhia!

        Uma conhecida achou uma vira-latinha abandonada, tentando atravessar a rua no meio de carros e motos. Salvou-a. Mandou uma foto por e-mail. Fiquei com ela: Morgana. Um outro amigo, Roberto, estava com um filhote peludo preso no apartamento pequeno. Abriguei o Cauê! De repente, fiquei com três cachorros!

        Não bastou. Passei na vitrine de uma pet shop e me apaixonei por uma gata. Agora, dedico parte das noites a estabelecer relações diplomáticas entre a felina e os cães! Até que vai indo bem, com miados e latidos de parte a parte!

        E então, no meio dessa confusão, me dei conta: a vida continua! Nunca vou esquecer do meu husky. Um cão não substitui outro, como uma pessoa também não. Mas sempre há espaço para mais sentimentos. A vida se renova. Melhor ainda, o amor sempre renasce! Além de reforçar meu eterno otimismo, essa certeza me desperta uma paz profunda!

Walcyr Carrasco. Veja São Paulo, 24/10/2007, p. 274.

Fonte: Língua portuguesa – Coleção Brasiliana – 5° ano – Ensino Fundamental – IBEP – 2ª ed. São Paulo – 2011. p. 128-31.

Entendendo a crônica:

01 – Você tem animais de estimação ou já teve algum?

      Resposta pessoal do aluno.

02 – Você também já sofreu com a morte de um animal de estimação, mesmo que esse animal fosse de alguém próximo a você?

      Resposta pessoal do aluno.

03 – O que você pensa sobre dar nome de pessoas para animais de estimação?

      Resposta pessoal do aluno.

04 – A crônica lida foi escrita com base em uma carta enviada por um leitor à revista. Na sua opinião, por que o rapaz, que contou jamais ter tido cachorro ou gato, identificava-se com a perda sofrida pelo autor da crônica?

      Resposta pessoal do aluno.

05 – Quais são os dois argumentos utilizados pelo autor quando menciona:

        “Alinhavei mentalmente argumentos que provavam quanto era melhor não ter bicho nenhum”.

      Viajar sem preocupação. Não correr o risco de sofrer com doenças e morte do animal.

06 – Explique o seguinte trecho:

      “– Nunca mais quero ter cachorro, mas esse eu quero – respondi dentro de uma lógica inexplicável.”

      O autor encontra-se nesse momento dividido: embora não queira mais ter animal de estimação porque sofreu demais com a perda, gostou muito do cachorro que apareceu na praia em que estava.

07 – Você se lembra dos nomes que o escritor deu aos deus animais? Sem voltar ao texto, escreva esses nomes de acordo com as características apresentadas.

a)   Husky siberiano muito amado, que morreu há alguns meses.

Uno.

b)   Prima do cachorro da praia, uma cachorrinha preta, vira-lata, magérrima.

Ísis.

c)   Vira-latinha abandonada, salva por uma conhecida.

Morgana.

d)   Filhote peludo preso no apartamento pequeno do Roberto.

Cauê.

e)   Gata de um pet shop, por quem o escritor se apaixonou.

Ele não conta que nome deu à gata.

08 – Releia:

        “Agora, dedico parte das noites a estabelecer relações diplomáticas entre a felina e os cães! Até que vai indo bem, com miados e latidos de parte a parte!”. Por que o cronista se dedica a essa tarefa?

      Essa tarefa é feita porque, em geral, cães e gatos não se dão bem. Cães costumam ficar irritados com os gatos, às vezes perseguindo esses felinos.     

09 – No último parágrafo, o autor explica o que aprendeu após entrar em contato com a perda e com novos animais em sua vida. Selecione a frase que mais despertou sua atenção e explique o seu significado.

       “... a vida continua” – A vida não para porque sentimos dor ou sofrimento pelas perdas enfrentadas. / “Nunca vou esquecer o meu husky. Um cão não substitui outro, como uma pessoa também não” – A morte de um animal de estimação não significa que será esquecido, nenhum ser que tenha sido importante para nós poderá ser substituído. / “Mas sempre há espaço para mais sentimentos”. – Nossos sentimentos não são limitados; ao contrário, eles sempre podem ser ampliados. / “A vida se renova [...] o amor sempre renasce” – Mesmo diante da tristeza, a vida continua e há sempre a possibilidade de o amor surgir de novo. / “Além de reforçar meu eterno otimismo, essa certeza me desperta uma paz profunda!” – Mesmo passando por uma grande perda, o autor mantém-se com pensamentos positivos e isso lhe traz tranquilidade.

10 – O gênero textual de “Depois do Uno” está explicitado pelo autor no primeiro parágrafo do texto. Releia o trecho seguinte para responder às próximas questões.

        “Há alguns meses perdi meu cachorro muito amado, o husky siberiano Uno. Sofri durante sua doença e compartilhei minha angústia através de uma crônica.”.

a)   Qual é o gênero textual?

Crônica.

b)   Qual é o título e quem é o autor?

“Depois do Uno”; Walcyr Carrasco.

c)   Qual é o tema/assunto?

Animais de estimação.

d)   Qual foi o fato que desencadeou o assunto?

A morte de Uno, o cachorro do autor.

e)   Quais são os dados de publicação (suporte e data)?

Revista Veja São Paulo – 24/10/2007.

f)    Qual é a possível intenção do autor?

Refletir criticamente sobre o cotidiano, emocionar, descrever os seus sentimentos, etc.

11 – Copie somente as alternativas que mostram as características dessa crônica.

a)   Mostra uma visão pessoal do autor sobre um fato.

b)   Aparecem falas de personagem; portanto, há uso do discurso direto.

c)   O narrador está em primeira pessoa.

d)   O narrador não participa da história.

e)   O autor apresenta ao leitor seu ponto de vista sobre o assunto.

     

 

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