Crônica: Depois do Uno
Walcyr Carrasco
Há alguns meses perdi meu cachorro
muito amado, o husky siberiano Uno. Sofri durante sua doença e compartilhei
minha angústia através de uma crônica. Recebi centenas de e-mails e cartas, com
pessoas relatando dores semelhantes. Lembro-me até de uma mensagem em que um
rapaz contava jamais ter tido cachorro ou gato. Mas, apesar disso, se
identificava com minha perda. Afinal de contas, perda é perda. Antes de Uno
partir para a operação da qual não retornou, conversei com ele de noite,
enquanto acariciava seus pelos.
– Ah, Uno querido! Se você não voltar,
foi um bom tempo que passamos juntos! Obrigado!
Dentro do meu coração, senti que ele
entendeu!
Depois que Uno morreu, anunciei:
– Nunca mais quero ter cachorro! Nem
gato, nem passarinho!
Disposto a manter minha palavra, recusei
inúmeras ofertas de filhotes. Resolvi:
– A vida é mais fácil sem um cachorro.
Posso viajar à vontade, sem preocupação.
Alinhavei mentalmente argumentos que
provavam quanto era melhor não ter bicho nenhum.
No Ano-Novo, fui para Camburi, uma
praia no Litoral Norte de São Paulo. Fiz tudo o que manda a tradição: pulei
sete ondinhas, comi uvas, bebi champanhe. Depois da ceia, deitei na rede da
varanda. No escuro, iluminados apenas por velas, eu e meus amigos jogávamos
conversa fora. De repente, um enorme cachorro negro apareceu, vindo da rua.
Fizemos sinais.
– Vem cá! – eu disse.
Ele veio. E me obedecia em tudo! A
ponto de outra pessoa comentar:
– Esse cachorro parece que é seu!
Fiquei um longo tempo brincando com
ele. Queria prendê-lo, mas na praia não tenho muros! Ele foi embora. No dia
seguinte, descobri que dormiu na porta do condomínio. Decidi que seria meu.
Prometi gorjetas aos caseiros da região. Saí a procurá-lo na praia. Não o
encontrei de jeito nenhum.
Tempos depois, um amigo, Robson, foi
para a mesma praia e me telefonou.
– Você quer mesmo aquele cachorro?
– Nunca mais quero ter cachorro, mas
esse eu quero – respondi dentro de uma lógica inexplicável.
Eu estava no Rio de Janeiro. Passei uma
semana péssima. Esqueci da conversa. Voltei fragilizado, em um momento difícil
da vida. Quando cheguei a São Paulo, meu amigo me esperava em casa.
– Tem uma surpresa para você lá no
quintal.
Era uma cachorrinha preta, vira-lata,
magérrima.
– Aquele cachorro que você queria tem
dono. Mas esta é uma prima dele!
Peguei o bichinho trêmulo no colo.
Abracei. Robson explicou:
– Se você não quiser, minha tia fica
com ela!
Mas eu não ia querer? Abracei-a e, é
claro, dei nome de gente: Ísis. Se alguma Ísis se sentir ofendida, me perdoe!
Dali a alguns dias, pensei:
– A Ísis precisa de companhia!
Uma conhecida achou uma vira-latinha
abandonada, tentando atravessar a rua no meio de carros e motos. Salvou-a.
Mandou uma foto por e-mail. Fiquei com ela: Morgana. Um outro amigo, Roberto,
estava com um filhote peludo preso no apartamento pequeno. Abriguei o Cauê! De
repente, fiquei com três cachorros!
Não bastou. Passei na vitrine de uma
pet shop e me apaixonei por uma gata. Agora, dedico parte das noites a
estabelecer relações diplomáticas entre a felina e os cães! Até que vai indo
bem, com miados e latidos de parte a parte!
E então, no meio dessa confusão, me dei
conta: a vida continua! Nunca vou esquecer do meu husky. Um cão não substitui
outro, como uma pessoa também não. Mas sempre há espaço para mais sentimentos.
A vida se renova. Melhor ainda, o amor sempre renasce! Além de reforçar meu
eterno otimismo, essa certeza me desperta uma paz profunda!
Walcyr Carrasco. Veja
São Paulo, 24/10/2007, p. 274.
Fonte: Língua
portuguesa – Coleção Brasiliana – 5° ano – Ensino Fundamental – IBEP – 2ª ed.
São Paulo – 2011. p. 128-31.
Entendendo a crônica:
01 – Você tem animais de
estimação ou já teve algum?
Resposta pessoal
do aluno.
02 – Você também já sofreu
com a morte de um animal de estimação, mesmo que esse animal fosse de alguém
próximo a você?
Resposta pessoal
do aluno.
03 – O que você pensa sobre
dar nome de pessoas para animais de estimação?
Resposta pessoal do aluno.
04 – A crônica lida foi
escrita com base em uma carta enviada por um leitor à revista. Na sua opinião,
por que o rapaz, que contou jamais ter tido cachorro ou gato, identificava-se
com a perda sofrida pelo autor da crônica?
Resposta pessoal do aluno.
05 – Quais são os dois
argumentos utilizados pelo autor quando menciona:
“Alinhavei
mentalmente argumentos que provavam quanto era melhor não ter bicho nenhum”.
Viajar sem preocupação. Não correr o
risco de sofrer com doenças e morte do animal.
06 – Explique o seguinte
trecho:
“– Nunca mais quero ter cachorro, mas
esse eu quero – respondi dentro de uma lógica inexplicável.”
O autor
encontra-se nesse momento dividido: embora não queira mais ter animal de
estimação porque sofreu demais com a perda, gostou muito do cachorro que
apareceu na praia em que estava.
07 – Você se lembra dos
nomes que o escritor deu aos deus animais? Sem voltar ao texto, escreva esses
nomes de acordo com as características apresentadas.
a) Husky siberiano muito amado, que morreu há alguns meses.
Uno.
b) Prima do cachorro da praia, uma cachorrinha preta, vira-lata, magérrima.
Ísis.
c) Vira-latinha abandonada, salva por uma conhecida.
Morgana.
d) Filhote peludo preso no apartamento pequeno do Roberto.
Cauê.
e) Gata de um pet shop, por quem o escritor se apaixonou.
Ele não conta que nome deu à gata.
08 – Releia:
“Agora, dedico parte das noites a
estabelecer relações diplomáticas entre a felina e os cães! Até que vai indo
bem, com miados e latidos de parte a parte!”. Por que o cronista
se dedica a essa tarefa?
Essa tarefa é feita porque, em geral,
cães e gatos não se dão bem. Cães costumam ficar irritados com os gatos, às
vezes perseguindo esses felinos.
09 – No último parágrafo, o
autor explica o que aprendeu após entrar em contato com a perda e com novos
animais em sua vida. Selecione a frase que mais despertou sua atenção e
explique o seu significado.
“... a vida
continua” – A vida não para porque sentimos dor ou sofrimento pelas perdas
enfrentadas. / “Nunca vou esquecer o meu husky. Um cão não substitui outro,
como uma pessoa também não” – A morte de um animal de estimação não significa
que será esquecido, nenhum ser que tenha sido importante para nós poderá ser
substituído. / “Mas sempre há espaço para mais sentimentos”. – Nossos
sentimentos não são limitados; ao contrário, eles sempre podem ser ampliados. /
“A vida se renova [...] o amor sempre renasce” – Mesmo diante da tristeza, a
vida continua e há sempre a possibilidade de o amor surgir de novo. / “Além de
reforçar meu eterno otimismo, essa certeza me desperta uma paz profunda!” –
Mesmo passando por uma grande perda, o autor mantém-se com pensamentos
positivos e isso lhe traz tranquilidade.
10 – O gênero textual de
“Depois do Uno” está explicitado pelo autor no primeiro parágrafo do texto.
Releia o trecho seguinte para responder às próximas questões.
“Há
alguns meses perdi meu cachorro muito amado, o husky siberiano Uno. Sofri
durante sua doença e compartilhei minha angústia através de uma crônica.”.
a) Qual é o gênero textual?
Crônica.
b) Qual é o título e quem é o autor?
“Depois do Uno”; Walcyr Carrasco.
c) Qual é o tema/assunto?
Animais de estimação.
d) Qual foi o fato que desencadeou o assunto?
A morte de Uno, o cachorro do autor.
e) Quais são os dados de publicação (suporte e data)?
Revista Veja São Paulo – 24/10/2007.
f) Qual é a possível intenção do autor?
Refletir criticamente sobre o cotidiano, emocionar, descrever os
seus sentimentos, etc.
11 – Copie somente as
alternativas que mostram as características dessa crônica.
a)
Mostra uma visão pessoal do autor
sobre um fato.
b)
Aparecem falas de personagem; portanto, há
uso do discurso direto.
c)
O narrador está em primeira pessoa.
d)
O narrador não participa da história.
e)
O autor apresenta ao leitor seu
ponto de vista sobre o assunto.
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