domingo, 19 de junho de 2022

POEMA: SAUDADES DO ESCRAVO - LUIZ GAMA - COM GABARITO

 Poema: SAUDADES DO ESCRAVO

            Luiz Gama

Escravo – não, não morri

Nos ferros da escravidão;

Lá nos palmares vivi,

Tenho livre o coração!

Nas minhas carnes rasgadas,

Nas faces ensanguentadas

Sinto as torturas de cá;

Deste corpo desgraçado

Meu espírito soltado

Não partiu – ficou-me lá!...

 

Naquelas quentes areias

Naquela terra de fogo,

Onde livre de cadeias

Eu corria em desafogo...

Lá nos confins do horizonte...

Lá nas alturas do céu...

De sobre a mata florida

Esta minh’alma perdida

Não veio – só parti eu.

 

A liberdade que eu tive

Por escravo não perdi-a;

Minh’alma que lá só vive

Tornou-me a face sombria,

O zunir do fero açoite

Por estas sombras da noite

Não chega, não, aos palmares!

Lá tenho terras e flores...

Nuvens e céus... os meus lares!

 

[...]

 

Escravo – não, ainda vivo,

Inda espero a morte ali;

Sou livre embora cativo,

Sou livre, inda não morri!

Meu coração bate ainda

Nesse bater que não finda;

Sou homem – Deus o dirá!

Deste corpo desgraçado

Meu espírito soltado

Não partiu – ficou-me lá!

São Paulo, 1850.

GAMA, Luiz. Primeiras trovas burlescas e outros poemas. Edição preparada por Lígia Fonseca Ferreira. São Paulo: Martins Fontes, 2000. p. 162-164. Fragmento.

Fonte: Língua portuguesa 2 – Projeto ECO – Ensino médio – Editora Positivo – 1ª edição – Curitiba – 2010. p. 90.

Entendendo o poema:

01 – Quem é o eu lírico do poema? Justifique com base no texto.

      É um homem negro, um escravo que vive cativo, mas sente sua alma livre.

02 – No poema, é possível notar uma oposição entre um “lá” e um “cá”, num diálogo intertextual com a Canção do exílio de Gonçalves Dias. No poema gonçalvino, o “lá” era representado pelo Brasil e o “cá” representado por Portugal. Identifique os lugares representados pelo “lá” e pelo “cá” no poema de Luiz Gama.

      O “lá” é o lugar da liberdade: o quilombo dos Palmares (Lá nos palmares vivi). Já o “cá” é o lugar da escravidão, a senzala (Nas faces ensanguentadas / Sinto as torturas de cá).

03 – O eu lírico apresenta idealismo em seu poema, ao separar o corpo da alma, com privilégio da alma sobre o corpo. Qual a importância desse idealismo no contexto de escravidão do poema?

      Esse idealismo é responsável por reiterar a liberdade: embora o corpo do eu lírico possa estar escravo, sua alma é livre, como ele expressa no trecho: “A liberdade que eu tive / Por escravo não perdi-a: / Minh’alma que lá só vive”. Ou seja, ainda que cativo, a alma do escravo não se rende e se recusa a abandonar a esperança de liberdade, vagando pelo “lá” onde era livre.

04 – Considerando suas respostas aos itens anteriores, é possível ou não afirmar que se trata de um poema de resistência? Justifique.

      Resposta pessoal do aluno. Sugestão: Sim, trata-se um poema de resistência. A própria citação do Quilombo dos Palmares corrobora essa leitura, já que esse foi um lugar de união e luta conjunta dos escravos contra a realidade escravista. Afora isso, o eu lírico não apresenta uma postura de resignação em relação à escravidão, mas luta pela liberdade, alimentando-se da memória dos tempos em que viveu livre, recusando-se a aprisionar sua alma.

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