domingo, 26 de junho de 2022

SONETO: OFICINA IRRITADA - CARLOS DRUMMOND DE ANDRADE - COM GABARITO

 Soneto: Oficina irritada

           Carlos Drummond de Andrade

Eu quero compor um soneto duro
como poeta algum ousara escrever.
Eu quero pintar um soneto escuro,
seco, abafado, difícil de ler.

Quero que meu soneto, no futuro,
não desperte em ninguém nenhum prazer.
E que, no seu maligno ar imaturo,
ao mesmo tempo saiba ser, não ser.

Esse meu verbo antipático e impuro
há de pungir, há de fazer sofrer,
tendão de Vênus sob o pedicuro.

Ninguém o lembrará: tiro no muro,
cão mijando no caos, enquanto Arcturo,
claro enigma, se deixa surpreender.

ANDRADE, Carlos Drummond de. Antologia poética (organizada pelo autor). Rio de Janeiro: José Olympio Editora, 1983. p. 178.

Fonte: Língua portuguesa 2 – Projeto ECO – Ensino médio – Editora Positivo – 1ª edição – Curitiba – 2010. p. 242.

Entendendo o soneto:

01 – De acordo com o texto, qual o significado das palavras abaixo:

·        Pungir: ferir, afligir, torturar, atormentar.

·        Vênus: deusa latina da beleza e do amor.

·        Pedicuro: profissional que se dedica a cuidar dos pés.

·        Arcturo: uma das estelas mais brilhantes da constelação da Ursa Maior.

02 – Releia a primeira estrofe do texto. Quais as características do soneto que o sujeito poético afirma que quer escrever?

     Ele quer escrever um soneto “duro”, “escuro”, “seco”, “abafado” e “difícil de ler”.

03 – Tendo em vista as ideias presentes no texto, responda: a que o “ar imaturo” do soneto pretendido pelo sujeito poético do texto pode ser contraposto?

      Pode ser contraposto às ideias de equilíbrio e perfeição formal defendidas pelos parnasianos. Nesse sentido, a imaturidade do soneto descrito no texto de Drummond se afastaria do ideal parnasiano de “obra acabada”.

04 – Na última estrofe do texto, duas imagens inusitadas são usadas para metaforizar o soneto pretendido pelo sujeito poético: “Tiro no muro” e “cão mijando no caos”. Que sentidos podem ser atribuídos a elas?

      São imagens que condenam o desencanto e a irritação demonstrados pelo sujeito poético ao longo do texto. Essas imagens insólitas sugerem a transitoriedade e a precariedade da poesia.

05 – Como pode ser entendida a referência a “Arcturo”, um “claro enigma” que se deixaria surpreender na leitura do soneto?

      Como uma surpresa luminosa, uma revelação positiva, ainda que enigmática, capaz de conferir algum sentido à experiência poética. Assim, embora a literatura seja “antipática” e “impura”, possui algo de surpreendente para oferecer ao leitor.

06 – Considerando que o texto foi escrito por Drummond, poeta adepto das inovações modernistas, interprete o seu título. Por que os termos “oficina” e “irritada” foram escolhidos para nomear o soneto?

      O termo “oficina” foi escolhido provavelmente numa referência ao trabalho artesanal do poeta parnasiano, que trabalhava a palavra como se fosse um joalheiro. E o termo “irritada” diz respeito ao estado de espírito do poeta modernista, que rejeita os princípios parnasianos.

07 – É possível afirmar que o soneto apresenta proposta diversa sobre o fazer poético. Que proposta seria essa?

      O texto apresenta uma proposta moderna – e irônica – de composição poética que desvincula poesia e fruição, defende o desarranjo e o desalinho da forma e aposta na exposição das contradições que caracterizam a vida do homem moderno.

 

 

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