quarta-feira, 20 de junho de 2018

CONTO: PAMONHA - ANTON P. TCHEKHOV - COM GABARITO

Conto: Pamonha


    Convidei há dias para o meu escritório a governanta de meus filhos, Iúlia Vassílievna. Era preciso acertar as contas.
        -- Sente-se, Iúlia Vassílievna! - disse - Vamos fazer as contas. Com certeza, está precisando de dinheiro e a senhora‚ tão cerimoniosa que não pede sozinha... Bem... ficou ajustado entre nós que seriam trinta rublos por mês...
        -- Quarenta...
    -- Não, Trinta... Eu tenho anotado... Sempre paguei trinta rublos às governantas... Bem, a senhora residiu aqui durante dois meses...
        -- Dois meses e cinco dias...
     -- Dois meses exatos... Anotei assim. Quer dizer que tem a receber sessenta rublos... Descontando nove domingos... a senhora, realmente, não deu aula ao Kólia nos domingos, mas apenas passeou com ele... E mais três feriados...
        Iúlia Vassílievna ficou vermelha e pôs-se a puxar uma franja do vestido, mas... não disse palavra! ...
        -- Três feriados... quer dizer que temos a descontar doze rublos... Kólia esteve doente quatro dias e, por isso, não estudou... A senhora, então, deu aula apenas a Vária... Durante três dias, a senhora teve dor de dente e minha mulher dispensou-a das aulas da tarde... Doze e sete são dezenove. Descontando... ficam... hum... quarenta e um rublos... Certo?
        O olho esquerdo de Iúlia Vassílievna ficou congestionado e nublou-se. Começou a tremer-lhe o queixo. Tossiu nervosa, assoou-se, mas... sem dizer palavra!
        -- Na noite de Ano Bom, a senhora quebrou uma xícara de chá e um pires. São menos dois rublos... A xícara é uma relíquia, custa mais caro, mas... vá lá, Deus que a perdoe! Nossas coisas já se têm estragado em tantas ocasiões! Depois, devido a uma falta de atenção por parte da senhora, Kólia trepou numa árvore e rasgou o paletozinho... São menos dez ... A arrumadeira, em consequência igualmente de uma distração sua, roubou os sapatos de Vária. A senhora deve cuidar de tudo. Está contratada e recebe ordenado. Quer dizer que devemos tirar mais cinco... No dia dez de janeiro, a senhora levou emprestados de mim dez rublos...
        -- Eu não levei! - murmurou Iúlia Vassílievna.
        -- Mas está anotado aqui!
        -- Está bem...seja.
        -- De quarenta e um, tira-se vinte e sete, sobram quatorze...
        Os olhos da governanta encheram-se de lágrimas... O suor apareceu sobre seu narizinho comprido e gracioso. Pobre menina!
        -- Eu só levei uma vez - disse ela, a voz trêmula. - Levei três rublos de sua senhora... Não levei mais nada...
        -- E agora? Imagine, eu nem anotei isso! Tirando três de quatorze, fica onze... Aqui está o seu dinheiro, minha cara! Três... três, três... um e um... Queira receber!
        Dei-lhe os onze rublos... ela os tomou e enfiou-os no bolso, com dedos trêmulos.
        -- Merci - murmurou.
        Levantei-me de um salto e pus-me a andar pelo quarto. O furor apossou-se de mim.
        -- Mas, por que este merci? - perguntei.
        -- Pelo dinheiro...
        -- Mas eu a assaltei, diabos, eu lhe roubei dinheiro! Por que
merci?
        -- Noutras casas, cheguei a não receber nada...
        -- Não recebeu nada! Compreende-se! Eu caçoei da senhora, dei-lhe uma lição cruel... Vou lhe pagar todos os seus oitenta rublos! Estão preparados para a senhora, neste envelope! Mas, como é que se pode ser moleirona assim? Porque não protesta? Por que ficar quieta? Pensa que, neste mundo, pode-se não ser audacioso? Pensa que se pode ser tão pamonha?
        Ela esboçou um sorriso azedo e eu li em seu rosto: "Pode-se sim!".
       Pedi-lhe perdão por aquela lição cruel e dei-lhe, para seu grande espanto, os oitenta rublos. Pôs-se a balbuciar merci com timidez e saiu do escritório. Acompanhei-a com o olhar e pensei:
        -- É fácil ser forte neste mundo!

                          Anton P. Tchekhov A Dama do Cachorrinho e outros contos.
2. ed. São Paulo: Max Limonad, 1986. Trad. Boris Schnaiderman.

Kólia: diminutivo de Nicolai.
Merci: “obrigado”, em francês.
Rublos: moedas russas.
Vária: diminutivo de Varvara.

Entendendo o conto:

01 – O narrador desse conto é um narrador-personagem ou não? Justifique sua resposta transcrevendo um trecho do texto no seu caderno.
      Sim. É um narrador-personagem, fala na primeira pessoa. A primeira palavra do conto “convidei” basta para justificar a resposta.

02 – O narrador sugere as emoções da governanta por meio da descrição de duas reações físicas. Localize essas descrições, copie-as no caderno e explique os sentimentos expressos por elas.
     “Iúlia Vassílievna ficou vermelha e pôs-se a puxar uma franja do vestido, mas... não disse palavra! ...”;
     “O olho esquerdo de Iúlia Vassílievna ficou congestionado e nublou-se. Começou a tremer-lhe o queixo. Tossiu nervosa, assoou-se, mas... sem dizer palavra!”;
      “Os olhos da governanta encheram-se de lágrimas... O suor apareceu sobre seu narizinho (...)”;
      “Ela os (os rublos) tomou e enfiou-os no bolso, com dedos trêmulos.”;
      “Ela esboçou um sorriso azedo (...)”.
      Sentimentos expressos: resposta pessoal do aluno. (As passagens descrevem o nervosismo e a subserviência da personagem.)

03 – No final do conto, percebe-se que a intenção do patrão não é fazer descontos no salário da governanta. A intenção é ensinar-lhe uma “lição cruel”. Que lição é essa e por que ela é cruel?
     O patrão quer fazer a governanta enxergar o quanto sua subserviência facilita que ela seja explorada; é cruel porque precisa humilhá-la para que ela entenda o significado da “lição”.

04 – Por que a governanta se submete à encenação do patrão?
      Porque já estava acostumada a ser explorada e maltratada em outras casas.

05 – Na sua opinião, quais poderiam ter sido os motivos para ela não receber nada em outras casas?
      Resposta pessoal do aluno. (Provavelmente, ou outros patrões eram verdadeiras aves de rapina, e sua rapinagem era facilitada pela submissão da governanta.)

06 – Esse conto trata de uma situação em que o “mais fraco” – a governanta – é oprimido pelo “mais forte” – o patrão, que ao final conclui: “- É fácil ser forte neste mundo!”. Por que ele chegou a essa conclusão?
      Ele chegou a essa conclusão porque o comportamento submisso da governanta facilitou sua encenação de patrão explorador.

07 – Você conhece outras situações que possam comprovar a frase final desse conto?
      Resposta pessoal do aluno.

08 – Você considera que o título está adequado ao texto? Explique.
      Resposta pessoal do aluno.

09 – Que pontuação foi empregada para separar a fala das personagens e do narrador?
      O travessão.

10 – Observe a organização do conto e escreva em seu caderno onde começa e termina cada uma das partes abaixo:
a)   Equilíbrio inicial – parte em que a situação é apresentada e ainda não surgiu o conflito da história;
Do início até “(...) E mais três feriados.”

b)   Conflito – o problema a ser resolvido;
De “Iúlia Vassílievna ficou vermelha (...)” até “(...) murmurou.”

c)   Clímax – momento mais emocionante e difícil do conflito;
“Levantei-me de um salto (...)” até “(...) Pode-se sim!”.

d)   Desfecho – solução do conflito.
“Pedi-lhe perdão (...)” até o final.

11 – Sobre o conflito, responda:
a)   Qual é o conflito desse conto?
A empregada sabe que está sendo enganada pelo patrão a respeito das contas sobre seu salário, mas não reage, não reclama, não protesta.

b)   Geralmente, nesse ponto da narrativa, são trabalhadas as dúvidas, os medos, as emoções contraditórias das personagens, de modo mais intenso. Identifique quais desses elementos aparecem no desenvolvimento dessa parte.
Todas as descrições feitas das reações da governanta demonstram sua crescente tensão e nervosismo. E a exclamação do narrador demonstra sua compaixão pelo sofrimento da mulher: “Pobre menina!”.

12 – Quais são as personagens que interagem nessa história?
      O patrão e a governanta.




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