CRÔNICA: CACHORROS!
Luís Fernando Veríssimo
Paris é tão bonita que você anda na
rua olhando para todos os lados menos para onde pisa. Os cachorros de Paris vão
a toda parte com seus donos, comem nos mesmos restaurantes, participam
ativamente da sua vida social, frequentam vernissages e palestras, mas o
convívio civilizado não afetou seus hábitos de higiene, que continuam iguais
aos de cachorros de todo o mundo.
Há, provavelmente, mais cachorros por habitantes em Paris do que em
qualquer grande cidade do mundo. O resultado desta combinação de fatores é que
seu deslumbramento com Paris é constantemente interrompido pela sensação
deslizante de ter pisado numa das características menos atraentes, e mais
comuns, das suas calçadas. Você está admirando a fachada de uma igreja antiga e
- iush - passa, em segundos, do barroco ao rococô. Os parisienses já
calcularam, com rigor cartesiano, a quantidade de "merde,
alors!" depositada nas ruas pelos cachorros dos seus concidadãos.
Chega a toneladas anuais. Instituíram patrulhas
catacocô, motociclos verdes munidos de aspiradores que percorrem as ruas como
tamanduás mecânicos, ou pequenos elefantes crapófilos, sugando os dejetos. Eles
não dão conta. Talvez sentindo-se desafiados, os cachorros aumentaram sua
produção. Já houve a sugestão de que se alargasse a boca do aspirador e, em vez
do cocô, se sugassem os cachorros. Os parisienses não acham graça. Amam seus
cachorros com uma devoção cada vez mais difícil de tolerar. Eu, por exemplo, já
perdi qualquer simpatia que tinha por esses incontinentes.
Quando vejo um cachorro na rua tento
adivinhar, pelo tamanho ou a sua cara, que peças no caminho eram da sua
autoria. Elas rivalizam, na variedade de dimensões e configurações, com os
doces expostos nas vitrines das "patisseries". Imagino
que cada cachorro tenha, por assim dizer, a sua assinatura, o seu estilo de
sujar as calçadas, e noto em muitas das suas obras aquela arrogância no
acabamento de quem desdenha a crítica e não teme a retribuição. Preciso me
controlar para não gritar "Salaud!" na cara deles. E
sair correndo antes que o dono me pegue, claro.
Entendendo o texto
01.Em
que pessoa verbal o narrador conta o fato? Cite um trecho do texto que confirme
sua resposta.
Está na primeira pessoa do singular.”...Quando vejo um cachorro na rua tento
adivinhar...”.
02.Quem
são os personagens do fato narrado?
Os cachorros, os parisienses
e o narrador.
03. O título de um texto é sempre o primeiro a levantar
expectativas quanto ao seu conteúdo. A partir dele fazemos uma série de
suposições iniciais que depois podem ser modificadas ou confirmadas. Que
emoções e ideias foram despertadas pela leitura dessa crônica?
Resposta pessoal.
04. Onde acontecem os fatos narrados?
Nas
ruas de Paris.
05.O gênero crônica trata de assuntos
ligados ao cotidiano e destaca aspectos aos quais, muitas vezes, não damos atenção.
No caso do texto de Luís Fernando Verissimo, que fato do dia a dia é observado
e o que essa observação revela?
Observa-se o comportamento dos cachorros
parisienses e o tratamento conferido pelos franceses e esses animais, com o
objetivo de mostrar para o leitor, de modo irônico, que mesmo uma cidade como
Paris, tida habitualmente como exemplo de elegância, apresenta imperfeições.
06.Por que essa crônica pode ser
considerada narrativa?
Porque contém apenas elementos da narração:
personagens, tempo, espaço e enredo.
O
texto se concentra na enorme quantidade de cocôs de cachorros espalhados pelas
calçadas de Paris. Ao chamar atenção para esse aspecto da realidade, o cronista
ressalta um problema urbano, mas também ironiza o estereótipo de perfeição
associado, com frequência, à capital da França.
08. Paris é famosa pela intensa vida cultural e por concentrar renomados estabelecimentos ligados à moda. A cidade onde você mora também é conhecida por alguma característica peculiar?
Resposta
pessoal.
Um
embate entre os polos da natureza e da cultura, presente no texto, na medida em
que os cachorros franceses, por mais que convivam com pessoas consideradas
elegantes e refinadas, conservam instintos e comportamentos animais.
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