domingo, 10 de outubro de 2021

CONTO: AMOR(FRAGMENTO) - CLARICE LISPECTOR - COM GABARITO

 CONTO:AMOR(FRAGMENTO)

             Clarice Lispector

  Um pouco cansada, com as compras deformando o novo saco de tricô, Ana subiu no bonde. Depositou o volume no colo e o bonde começou a andar. Recostou-se então no banco procurando conforto, num suspiro de meia satisfação.

Os filhos de Ana eram bons, uma coisa verdadeira e sumarenta. Cresciam, tomavam banho, exigiam para si, malcriados, instantes cada vez mais completos. A cozinha era enfim espaçosa, o fogão enguiçado dava estouros. O calor era forte no apartamento que estavam aos poucos pagando. Mas o vento batendo nas cortinas que ela mesma cortara lembrava-lhe que se quisesse podia parar e enxugar a testa, olhando o calmo horizonte. Como um lavrador. Ela plantara as sementes que tinha na mão, não outras, mas essas apenas. E cresciam árvores. Crescia sua rápida conversa com o cobrador de luz, crescia a água enchendo o tanque, cresciam seus filhos, crescia a mesa com comidas, o marido chegando com os jornais e sorrindo de fome, o canto importuno das empregadas do edifício. Ana dava a tudo, tranquilamente, sua mão pequena e forte, sua corrente de vida.

Certa hora da tarde era mais perigosa. Certa hora da tarde as árvores que plantara riam dela. Quando nada mais precisava de sua força, inquietava-se. No entanto sentia-se mais sólida do que nunca, seu corpo engrossara um pouco e era de se ver o modo como cortava blusas para os meninos, a grande tesoura dando estalidos na fazenda. Todo o seu desejo vagamente artístico encaminhara-se há muito no sentido de tornar os dias realizados e belos; com o tempo, seu gosto pelo decorativo se desenvolvera e suplantara a íntima desordem. Parecia ter descoberto que tudo era passível de aperfeiçoamento, a cada coisa se emprestaria uma aparência harmoniosa; a vida podia ser feita pela mão do homem.

LISPECTOR, Clarice. Laços de Família. Rio de Janeiro: Rocco, 1998. p. 19. Fragmento.

 Entendendo o texto

01.No trecho “... deformando o novo saco de tricô,...” (ℓ. 2), a palavra destacada tem o mesmo sentido do verbo

    A) amassar.

    B) enfeiar.

    C) estragar.

    D) sujar.

    E) transformar.

 02. Que retrata a narrativa do Conto?

       Retrata a vida de uma pessoa que experimenta no cotidiano uma epifania que a conduz à refletir sobre si mesma e sobre o mundo.

03. Dentro deste tipo textual há que narrador?

      A) narrador-personagem.

      B) narrador-observador.

      C) narrador-onisciente.

 04. É um conto com narração na terceira pessoa. O narrador tem acesso a quê?

       O narrador onisciente tem acesso a emoções, sentimentos e monólogos da protagonista.    

 05. Em que momento é considerada a “hora perigosa” para Ana?

        Certa hora da tarde as árvores que plantara riam dela. Quando nada mais precisava de sua força, inquietava-se.


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