CONTO:AMOR(FRAGMENTO)
Clarice Lispector
Um pouco cansada, com as compras deformando o novo saco de tricô, Ana subiu no bonde. Depositou o volume no colo e o bonde começou a andar. Recostou-se então no banco procurando conforto, num suspiro de meia satisfação.
Os filhos de Ana
eram bons, uma coisa verdadeira e sumarenta. Cresciam, tomavam banho, exigiam
para si, malcriados, instantes cada vez mais completos. A cozinha era enfim
espaçosa, o fogão enguiçado dava estouros. O calor era forte no apartamento que
estavam aos poucos pagando. Mas o vento batendo nas cortinas que ela mesma
cortara lembrava-lhe que se quisesse podia parar e enxugar a testa, olhando o
calmo horizonte. Como um lavrador. Ela plantara as sementes que tinha na mão,
não outras, mas essas apenas. E cresciam árvores. Crescia sua rápida conversa
com o cobrador de luz, crescia a água enchendo o tanque, cresciam seus filhos,
crescia a mesa com comidas, o marido chegando com os jornais e sorrindo de
fome, o canto importuno das empregadas do edifício. Ana dava a tudo,
tranquilamente, sua mão pequena e forte, sua corrente de vida.
Certa hora da tarde
era mais perigosa. Certa hora da tarde as árvores que plantara riam dela.
Quando nada mais precisava de sua força, inquietava-se. No entanto sentia-se
mais sólida do que nunca, seu corpo engrossara um pouco e era de se ver o modo
como cortava blusas para os meninos, a grande tesoura dando estalidos na
fazenda. Todo o seu desejo vagamente artístico encaminhara-se há muito no
sentido de tornar os dias realizados e belos; com o tempo, seu gosto pelo
decorativo se desenvolvera e suplantara a íntima desordem. Parecia ter
descoberto que tudo era passível de aperfeiçoamento, a cada coisa se
emprestaria uma aparência harmoniosa; a vida podia ser feita pela mão do homem.
LISPECTOR, Clarice. Laços de
Família. Rio de Janeiro: Rocco, 1998. p. 19. Fragmento.
Entendendo o texto
01.No trecho “... deformando o
novo saco de tricô,...” (ℓ. 2), a palavra destacada tem o mesmo sentido do
verbo
A) amassar.
B) enfeiar.
C) estragar.
D) sujar.
E) transformar.
02. Que retrata a narrativa do Conto?
Retrata a vida de uma pessoa que experimenta no cotidiano uma epifania
que a conduz à refletir sobre si mesma e sobre o mundo.
03. Dentro deste tipo textual
há que narrador?
A) narrador-personagem.
B) narrador-observador.
C) narrador-onisciente.
04. É um conto com narração na terceira
pessoa. O narrador tem acesso a quê?
O narrador onisciente tem acesso a emoções, sentimentos e monólogos
da protagonista.
05. Em que momento é considerada a “hora
perigosa” para Ana?
Certa
hora da tarde as árvores que plantara riam dela. Quando nada mais precisava de
sua força, inquietava-se.
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