domingo, 31 de outubro de 2021

TEXTO INFORMATIVO: ENSINAR PROGRAMAÇÃO É A NOVA ALFABETIZAÇÃO - CAMILA ACHUTTI - COM GABARITO

 Texto: Ensinar programação é a nova alfabetização

            Camila Achutti


  Eu queria começar... refletindo com vocês: Quando que a gente decidiu aprender a ler e escrever? Existiu algum momento em que os nossos pais foram chamados na escola e perguntaram pra eles se tudo bem, se eles transformassem radicalmente o cérebro dessas crianças para desenvolverem grafomotricidade? Outra boa pergunta seria... a gente lá, bem pequenininha com três anos: “Oi fofura! Então, a gente vai mudar um pouco seu cérebro, tá? A gente vai colocar uma área nova que a gente vai apelidar de caixa de correio para você poder salvar todas as letras que você vai aprendendo, tá bom? Mas só tem mais um detalhezinho: vai ser do meu jeito, no meu tempo, tudo bem? Mas pode ficar tranquilo porque a gente é bem bom nisso.

        Não, pessoal, essas perguntas não acontecem. E, quando eu falo assim, elas soam absurdas.

        Imagina, ninguém mais questiona a necessidade da gente aprender a ler e escrever. Apesar disso não ser um processo nem um pouco natural. Aliás, ele não é nem um pouco simples. A gente tem todo um processo. A gente tem que começar se familiarizando, como que a gente segura no lápis? Eu, por exemplo, decidi segurar com a mão esquerda, outros com a mão direita. Aí a gente começa a passar por cima de linhas pontilhadas. Aí a gente reconhece letra, junta em palavra, faz sentença, começa a complicar, vira texto, aí vira uns textos muito grandes, vira uns livros, certo? Não é fácil, pessoal! E a gente tem que passar por todo esse processo, porque o nosso cérebro não nasceu preparado pra isso, diferente da linguagem oral, certo?

        A gente tem que passar por uma reciclagem neural, olha que nome bonito, onde vastas áreas do nosso cérebro passam a desempenhar funções que elas não foram criadas para isso. Só que a gente acha isso tão, mas tão importante, que a gente desenvolveu área de pesquisa, cartilha, método, livro, professores especialistas em alfabetizar crianças. A gente de fato manda muito bem. Só que agora eu queria que vocês pensassem comigo, que, apesar de a nossa taxa de analfabetização ter caído muito desde a época dos escribas, a gente está revivendo essa época. Só que agora eles são digitais. Alguns poucos dominam como conversar muito bem com as máquinas, conseguem se valer disso, e têm sucesso. Enquanto outros tantos, eles são meros usuários.

        Usuários que estão sendo programados, usuários que estão só usando o que é imposto no trabalho ou pela sociedade. A gente precisa se dedicar para a alfabetização digital, assim como a gente se dedicou para a alfabetização tradicional. E essa discussão não é nem um pouco nova, aliás é uma das mais velhas, que é: “O que é que a gente tem que ensinar na escola?”. Na Roma antiga, a gente decidiu que a gente precisava de sete artes liberais. Que na época eram ciências, mas pra gente é tudo a mesma coisa. A gente decidiu que tinha que ter gramática, tinha que ter retórica, tinha que ter dialética, tinha que ter música, astronomia... É importante, afinal, pra humanidade continuar se desenvolvendo; a gente precisava daquilo. Aí vem a Renascença, séculos XV e XVI, a gente colocou algumas outras matérias.

        A gente começou a ensinar as crianças a soletrar, mas a gente evoluiu mesmo nessa época em como ensinar as coisas. A gente inventou a pedagogia didática foi bem nessa época. Veio o século XVIII, a gente começou a ensinar várias outras coisas... História, geografia, línguas estrangeiras também começaram a fazer sentido, o mundo tinha crescido. Mas a nossa surpresa veio nos séculos XIX e XX. Aí deslanchou, pessoal, tudo se acelerou! A gente avançou muito, muito mesmo, em arte, ciência e tecnologia, a gente estava manjando de tudo. Só que aí a gente teve que industrializar... Inclusive a escola, a gente fez uma escola de massa, e colocou uns 40, 50 alunos por turma, colocou cada matéria na sua caixinha, cada professor superespecializado naquilo, ele era um mestre, certo?

        Ele tinha que ser o mestre, eu precisava saber tudo, eu precisava saber biologia, história, geografia... Como que eu ia suportar todo o desenvolvimento que a gente teve? A gente... inclusive uma parte que eu adoro, que a gente inventou, que foi a avaliação. A gente agora tinha avaliação matemática. Era ponto. Só que era totalmente baseado na subjetividade de uma pessoa só. O mestre, certo, pessoal? Só que eu tenho uma notícia, e ela não é fácil... nada disso faz sentido no século XXI... E aí? Eu vou dar um exemplo bem simples, só que é do meu trauma de biologia. Decorar: em qual filo e classe estão os animais e as plantas?

        Faz sentido? Fazia, porque vai que eu estava no meio da floresta, eu tinha que decidir se eu comia a frutinha rosa ou se eu cor ria do bichinho peludo. Beleza, eu tinha que identificar algumas características, pôr numa caixinha e falar: Humm, esse aí come carne vou correr! Agora, pessoal, qualquer criança de 10 anos, com smartphone, tira uma foto, procura no Google, voilà... Sabe até como o bicho se reproduz, bem rápido, certo, pessoal? O que importa agora, no século XXI, no século da internet, no século do smartphone, do software, o que importa é a gente saber criar relação, é a gente ser criativo, é a gente ter senso crítico do que tudo isso funciona, de como tudo isso funciona. É isso que importa. Mas a escola, a escola ainda está ensinando pra gente: decoreba.

        Saber como as coisas são feitas muda como a gente usa. Eu garanto pra vocês, pessoal, que se vocês soubessem como a gente salva as senhas de vocês, e todo o trabalho que a gente tem para mantê-las seguras lá, eu garanto que vocês iam pensar umas dez vezes antes de sair criando conta por aí. Só acho. Reflitam, certo? A gente precisa começar a ensinar essa criançada como se valer disso. A gente precisa ensinar a linguagem do século XXI. A gente precisa ensinar nossas crianças a programar. E, olhando assim, vocês vão pensar: “Que fofa, ela vem aqui, critica o sistema inteiro, acha que pode e não vai dar nem um plano?”. Calma, eu tenho um plano.

        Para a gente mudar qualquer situação, a gente precisa de três coisas: Primeiro, uma crítica de como as coisas estão. Segundo, uma visão de como a gente acha que as coisas deveriam ser. E, por último, e mais difícil, uma teoria de mudança... que é a par te mais complicada.

        Primeiro vou começar pela minha crítica, que, na verdade, não é uma só, vocês já perceberam... Mas eu vou resumir ela. A gente não pode continuar acreditando que as nossas crianças, simplesmente porque a gente chama elas de nativos digitais, sabem tudo de tecnologia. Pessoal, saber de tecnologia não é sentar pra almoçar ou jantar e bem rapidinho pegar o tablet e colocar o desenho. Isso não é saber de tecnologia. Nenhuma dessas crianças sabe explicar por que... Como que aquele aplicativo foi feito?

        Elas não têm senso crítico. Eu vou dar um exemplo pra vocês. Quando eu pergunto pra uma criança: O que é dar um share, que é aquele compartilhar no Facebook, para quem não está ligado nas coisas, que é apertar o botão lá. E eu não estou falando isso da boca pra fora, pessoal. Nesses últimos anos, passaram pela minha mão pelo menos 15 mil jovens. De todos os gêneros, idades, origens... E se a gente perguntar pra eles, nativos digitais, que são aqueles que nasceram depois de 2000, o que é dar um share, eles olham pra você: “Nossa, tia, você não sabe que é apertar um botão?”. Nós, imigrantes digitais que estamos aqui – e, apesar dos meus 24 anos e da minha profissão, eu me encaixo nesse grupo –, a gente sabe que dar um share quer dizer muito mais do que isso. Quer dizer que eu estou dando apoio, quer dizer que eu estou endossando aquela opinião.

        Não ter essa leitura crítica, pessoal, é muito perigoso. Bom, depois do meu resumo das minhas 9 milhões de críticas, vamos à minha visão, que é bem simples. A gente precisa colocar programação, pensamento computacional, vida digital no currículo comum de todas as crianças no sistema educacional brasileiro. A gente não pode mais evitar essa discussão.

        Pra acabar, a parte mais difícil, que é a teoria de mudança, e ela já começa enrolada. Porque vamos supor que a gente decidiu aqui que a gente vai ensinar todas as crianças a programar. Quem que vai fazer isso? Quem que vai decidir o conteúdo? A gente não tem mão de obra suficiente, pessoal, para suprir o mercado.

        Que dirá o sistema educacional brasileiro. A gente precisa de uma verdadeira revolução. A gente precisa pegar os nossos professores que já estão lá, que são apaixonados por aquilo, e tirar deles a pressão de ser expert. A gente tem que transformar eles em facilitadores. A gente tem que ajudar eles com material bacana, com treinamento show, a acompanhar a jornada desses jovens. Eles vão aprender como eles podem ficar seguros na internet, eles vão aprender: Como que a gente faz um aplicativo? Com esses mesmos mestres que se sentem inseguros e que acham que programação são letrinhas verdes numa tela preta, que o menino do Vale do Silício aprendeu com cinco anos e aí ele ficou milionário com 18, só com isso. A gente tem que quebrar essas barreiras. E eu queria aproveitar esse momento e os poucos minutos que me faltam pra chamar vocês pra se juntar nessa revolução.

        A gente que está em alguma instância relacionada com o sistema educacional, a gente tem três opções. A primeira, se a gente for parte do sistema, a gente pode gerar alguma mudança, estando no sistema. Por exemplo, se vocês chegarem na sala de aula de vocês e discutirem com seus alunos, plantarem aquela pulguinha de: “Como que nasce um aplicativo, como se faz um aplicativo?”. Hoje tem muita coisa na internet. Vocês já podem fazer essa mudança, e se juntar a esse movimento. Segunda situação possível: vocês podem pressionar o sistema, e aí eu vou dar uma dica ótima! Vai na escola do seu bairro e pergunta se a sala de informática está joia. Provavelmente ela não vai estar. Mas, só pra vocês saberem, isso é lei, pessoal. Todas as escolas têm que ter sala de informática aberta ao público.

        Vocês podem pressionar o sistema. Por último, você pode simplesmente... evitar entrar no sistema e tomar atitudes fora dele, que é o que eu tenho feito, vou confessar. E aí você pode simplesmente sentar com seus filhos e conversar sobre tecnologia e perguntar quais sites ele está acessando. Perguntar se ele tem ideia de como o Facebook funciona. Busquem juntos, aprendam juntos. Bom, era isso que eu tinha pra falar pra vocês. Espero que cada um de vocês continue me ajudando, e ajudando o mundo nessa revolução. O que eu posso garantir pra vocês é que eu vou continuar... tentando, nem que seja convencer uma pessoa de cada vez a fazer essa revolução. Obrigada!

ACHUTTI, Camila. Ensinar programação é a nova alfabetização. TEDxSão Paulo, jun. 2016. Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=zBqPg80l7xA>. Acesso em: 29 abr. 2019.

Fonte: Língua Portuguesa – Programa mais MT – Ensino fundamental anos finais – 9° ano – Moderna – Thaís Ginícolo Cabral. p. 195-204.

Entendendo o texto:

01 – Agora que você leu a transcrição da fala da palestrante Camila Achutti, retome as discussões iniciais que fez com seus colegas: 

a)   Que tipo de linguagem a palestrante empregou: mais formal ou informal? Era a que você havia suposto? Que tom a pesquisadora utiliza para convencer a plateia de que nos dias de hoje deve-se ensinar programação nas escolas?

Resposta pessoal do aluno.

b)   As suas hipóteses quanto às mudanças que devem acontecer no sistema escolar estão de acordo com o que Camila Achutti apresenta no seu discurso?

Resposta pessoal do aluno.

c)   Com base nas afirmações feitas pela palestrante, você acha que as sugestões de mudança são ou não praticáveis?

Resposta pessoal do aluno.

02 – O texto que você leu foi apresentado em uma sessão de TED x São Paulo realizada no Estádio Palestra Itália, em São Paulo. Esse formato de palestras pode ser considerado inovador? Por quê?

      Sim porque se trata de comunicar um assunto em tempo recorde, 18 minutos, de modo criativo, objetivo e persuasivo, com o objetivo de comunicar o essencial com embasamento científico.

03 – Considere o formato da TED em comparação ao do seminário e responda:

a)   Por que as palestras da TED possuem 18 minutos? Faça uma breve pesquisa para descobrir o motivo.

Os idealizadores da TED acreditam que esse seja um tempo médio de concentração possível a um ser humano. Porém, não existem estudos que comprovem essa métrica.

b)   Quais são as dificuldades que você reconhece na preparação de uma apresentação com caráter científico em 18 minutos?

Resposta pessoal do aluno.

c)   Como o formato da TED pode contribuir para aprimorar uma apresentação em seminário?

Ele pode servir como modelo para despertar o interesse da plateia para o tema, além de ser um formato útil para apresentar um tema de forma sintética.

04 – Pergunta retórica é uma interrogação que não tem como objetivo obter uma resposta, mas sim estimular a reflexão do indivíduo sobre determinado assunto.

a)   Camila Achutti inicia sua palestra lançando mão de perguntas retóricas. Quais?

As perguntas retóricas encontram-se no 1° parágrafo da transcrição.

b)   Qual pode ser a razão dessa linha de argumentação adotada.

Provavelmente o público-alvo composto de educadores preocupados em entender o efeito retroativo das tecnologias no sistema escolar.

05 – Em sua fala, a palestrante tece brevemente uma retrospectiva histórica da formação das disciplinas escolares.

a)   O que ela pretende ao fazer essa retrospectiva?

Ela pretende invalidar a força dessa tradição histórica, considerando a existência da tecnologia e levar o espectador a concordar com suas ideias.

b)   Ironia é um recurso de crítica comuns em textos orais ou escritos, charges, cartuns, etc. que possibilita ao ouvinte perceber a intenção do falante. Qual pode ter sido a intenção de Camila ao empregar ironia em sua fala?

A intenção de criticar de forma humorada o sistema escolar vigente.

c)   Selecione partes do texto ou expressões que comprovem isso.

“Vai ser do meu jeito”; “a gente é bem bom nisso”; “Ele tinha que ser o mestre, eu precisava saber tudo, eu precisava saber biologia, história, geografia... Como que eu ia suportar todo o desenvolvimento que a gente teve? A gente... inclusive uma parte que eu adoro que a gente inventou, que foi a avaliação. A gente agora tinha avaliação matemática. Era ponto. Só que era totalmente baseado na subjetividade de uma pessoa só. O mestre, certo, pessoal?”.

06 – Em explanação, a autora utiliza um argumento como fio condutor.

a)   Qual é esse argumento?

O argumento de que é necessário repensarmos as formas de ensinar e as adaptarmos ao século XXI, principalmente no que se refere à alfabetização digital.

b)   Que palavras ou expressões do texto justificam a resposta anterior?

Possibilidades de trechos: “nada disso faz sentido no século 21...”, “A gente precisa se dedicar para a alfabetização digital, assim como a gente se dedicou para a alfabetização tradicional...”, “Não ter essa leitura crítica, pessoal, é muito perigoso”, etc.

07 – Pelo discurso da palestrante, é possível saber qual seria o público-alvo na palestra.

a)   Que parte do texto nos dá essa pista?

Sim, a palestrante se dirige a educadores. “A gente que está em alguma instância relacionada com o sistema educacional, a gente tem três opções.”.

b)   Se você estivesse presente nessa conferência como você reagiria ao que ela propõe? O que ela propõe?

Resposta pessoal do aluno. Sugestão: Sim, ela apresenta uma proposta e quer ser aceita em suas ideias revolucionárias de formar uma geração que saiba lidar com as informações digitais de forma crítica, ativa, responsiva e que atribua significado a cada ação realizada virtualmente.

08 – Na transcrição da fala da palestrante existem muitas marcas características da oralidade. Complete a tabela com exemplos dessas marcas. Características – Marcas de oralidade.

Repetições: “A gente precisa colocar programação...”; “A gente não pode mais evitar...”; “A gente precisa de uma verdadeira revolução...”; “A gente precisa... pegar os nossos professores...”; “A gente tem que transformar...”; “A gente tem que ajudar eles...”; “A gente tem que quebrar essas barreiras...”; “A gente que está em alguma...”; “A gente tem três opções...”; “A gente pode gerar alguma mudança...”.

Diálogo com o interlocutor: “Eu queria começar... refletindo com vocês...”; “Eu garanto pra vocês, pessoal, que se vocês soubessem como a gente salva as senhas de vocês, e todo o trabalho que a gente tem para mantê-las seguras lá, eu garanto que vocês iam pensar umas dez vezes antes de sair criando conta por aí. Só acho, reflitam, certo?”; “E eu queria aproveitar esse momento e os poucos minutos que me faltam pra chamar vocês pra se juntar nessa revolução...”.

Discurso de referência a si mesmo: “E, olhando assim, vocês vão pensar: ‘Que fofa, ela vem aqui, critica o sistema inteiro, acha que pode e não vai dar nem um plano?’. Calma, eu tenho um plano.”.

Contrações de palavras: “... nossos pais foram chamados na escola e perguntaram pra eles se tudo bem”; “Eu garanto pra vocês, pessoal”.

Colocações pronominais ou recursos de regência fora do padrão formal: “...mas eu vou resumir ela”, “questiona a necessidade da gente aprender”; “A gente tem que transformar eles em facilitadores. A gente tem que ajudar eles com material bacana, com treinamento show, a acompanhar a jornada desses jovens.”.

Gírias: “material bacana”; “treinamento show”; “... que é aquele compartilhar no Facebook para quem não está ligado nas coisas”; “tira uma foto, procura no Google, voilà...”; “Beleza, eu tinha que identificar algumas...”.

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