1 – Gêneros textuais como práticas sócio históricas
Já se tornou
trivial a ideia de que os gêneros textuais são fenômenos históricos,
profundamente vinculados à vida cultural e social. Fruto de trabalho coletivo,
os gêneros contribuem para ordenar e estabilizar as atividades comunicativas do
dia-a-dia. São entidades sócio discursivas e formas de ação social
incontornáveis em qualquer situação comunicativa. No entanto, mesmo
apresentando alto poder preditivo e interpretativo das ações humanas em
qualquer contexto discursivo, os gêneros não são instrumentos estanques e
enrijecedores da ação criativa. Caracterizam-se como eventos textuais altamente
maleáveis, dinâmicos e plásticos. Surgem emparelhados a necessidades e
atividades socioculturais, bem como na relação com inovações tecnológicas, o
que é facilmente perceptível ao se considerar a quantidade de gêneros textuais
hoje existentes em relação a sociedades anteriores à comunicação escrita.
Quanto a esse
último aspecto, uma simples observação histórica do surgimento dos gêneros
revela que, numa primeira fase, povos de cultura essencialmente oral
desenvolveram um conjunto limitado de gêneros. Após a invenção da escrita
alfabética por volta do século VII A.C., multiplicaram-se os gêneros, surgindo
os típicos da escrita. Numa terceira fase, a partir do século XV, os gêneros
expandiram-se com o florescimento da cultura impressa para, na fase
intermediária de industrialização iniciada no século XVIII, dar início a uma
grande ampliação. Hoje, em plena fase da denominação cultura eletrônica, com o
telefone, o gravador, o rádio, a TV, e, particularmente, o computador pessoal e
sua aplicação mais notável, a internet, presenciamos uma explosão de novos
gêneros e novas formas de comunicação, tanto na oralidade como na escrita.
Isto é
revelador do fato de que os gêneros textuais surgem, situam-se e integram-se
funcionalmente nas culturas em que se desenvolvem. Caracterizam-se muito mais
por suas funções comunicativas, cognitivas e institucionais do que por suas
peculiaridades linguísticas e estruturais. São de difícil definição formal,
devendo ser contemplados em seus usos e condicionamentos sócio pragmáticos caracterizados
como práticas sócio discursivas. Quase inúmeros em diversidade de formas, obtêm
denominações nem sempre unívocas e, assim como surgem podem desaparecer.
[...]
2 – Novos gêneros e
velhas bases
Como afirmado,
não é difícil constatar que nos últimos dois séculos foram as novas
tecnologias, em especial as ligadas à área da comunicação, que propiciaram o
surgimento de novos gêneros textuais. Por certo, não são propriamente as
tecnologias per se que originam os gêneros e sim a intensidade dos usos dessas
tecnologias e suas interferências nas atividades comunicativas diárias. Assim,
os grandes suportes tecnológicos da comunicação tais como rádio, a televisão, o
formal, a revista, a internet, por terem uma presença marcante e grande
centralidade nas atividades comunicativas da realidade social que ajudam a
criar, vão por sua vez propiciando e abrigando gêneros novos bastante
característicos. Daí surgem formas discursivas novas, tais como editoriais,
artigos de fundo, notícias, telefonemas, telegramas, telemensagens, teleconferências,
videoconferências, reportagens ao vivo, cartas eletrônicas (e-mails),
bate-papos virtuais, aulas virtuais e assim por diante.
Seguramente,
esses novos gêneros não são inovações absolutas, quais criações ab ovo, sem uma
ancoragem em outros gêneros já existentes. O fato já fora notado por Bakhtin
(1997) que falava na transmutação dos gêneros e na assimilação de um gênero por
outro gerando novos. A tecnologia favorece o surgimento de formas inovadoras,
mas não absolutamente novas. Veja-se o caso do telefonema, que apresenta
similaridade com a conversação que lhe preexiste, mas que, pelo canal
telefônico, realiza-se com características próprias. Daí a diferença entre uma
conversação face a face e um telefonema com as estratégias que lhe são peculiares.
O e-mail (correio eletrônico) gera mensagens eletrônicas que têm nas cartas
(pessoais, comerciais, etc.) e nos bilhetes, seus antecessores. Contudo, as
cartas eletrônicas são gêneros novos com identidades próprias, como se verá no
estudo sobre gêneros emergentes na mídia virtual.
Um aspecto
central no caso desses e de outros gêneros emergentes é a nova relação que
instauram com o usos da linguagem como tal. Em certo sentido, possibilitam a
redefinição de alguns aspectos centrais na observação da linguagem em uso,
como, por exemplo, a relação entre a oralidade e a escrita, desfazendo ainda
mais as suas fronteiras. Esses gêneros que emergiram no último século no
contexto das mais diversas mídias criam formas comunicativas próprias com um
certo hibridismo que desafia as relações entre oralidades e escrita e
inviabiliza de forma definitiva a velha visão dicotômica ainda presente em
muitos manuais de ensino de língua. Esses gêneros também permitem observar a
maior integração entre os vários tipos de semioses: signos verbais, sons,
imagens e formas em movimento. A linguagem dos novos gêneros torna-se cada vez
mais plástica, assemelhando-se a uma coreografia e, no caso das publicidades,
por exemplo, nota-se uma tendência a servirem-se de maneira sistemática dos
formatos de gêneros prévios para objetivos novos. Como certos gêneros já tem um
determinado uso e funcionalidade, seu investimento em outro quadro comunicativo
e funcional permite enfatizar, com maior vigor, os novos objetivos.
Quanto a este
último aspecto, é bom salientar que embora os gêneros textuais não se
caracterizem nem se definam por aspectos formais, sejam eles estruturais ou
linguísticos, e sim por aspectos sócio comunicativos e funcionais, isso não
quer dizer que estejamos desprezando a forma. Pois é evidente, como se verá,
que em muitos casos são as formas que determinam o gênero e, em outros tantos,
serão as funções. Contudo, haverá casos em que o próprio suporte ou o ambiente
em que os textos aparecem que determinam o gênero presente. Suponhamos o caso
de um determinado texto que aparece numa revista científica e constitui um
gênero denominado “artigo científico”; imaginemos agora o mesmo texto publicado
num jornal diário e então ele seria um “artigo de divulgação científica”. É
claro que há distinções bastante claras quanto aos dois gêneros, mas para a
comunidade científica, sob o ponto de vista de suas classificações, um trabalho
publicado numa revista científica ou num jornal diário não tem a mesma
classificação na hierarquia de valores da produção científica, embora seja o
mesmo texto. Assim, num primeiro momento podemos dizer que as expressões “mesmo
texto” e “mesmo gênero” não são automaticamente equivalentes. Desde que não
estejam, no mesmo suporte. Estes aspectos sugerem cautela quanto a considerar o
predomínio de formas ou funções para a determinação e identificação de um
gênero.
[...]
Retirado de Dionísio, A.P. et alii. Gêneros
Textuais & Ensino.
Rio de Janeiro:
Editora Lucerna, 2002.
1 – Por que gêneros não são instrumentos estanques e
enrijecedores da ação criativa?
Porque
são eventos textuais altamente maleáveis e estão ligados às atividades
socioculturais. São flexíveis e variam de acordo com as necessidades de
comunicação.
2 – Por que os gêneros são caracterizados como práticas
discursiva, ou práticas sócio comunicativas, e não como práticas linguísticas?
Por
que o mais relevante na sua definição é a situação de comunicação, a prática de
sua realização, e não sua forma linguística.
3 – A palavra “suporte” aparece várias vezes no texto para
designar algo ligado ao texto e ao gênero. A partir do contexto, a que você
acha que ela se refere? Dê alguns exemplos.
“Suporte”
pode ser o veículo, o canal usado para a comunicação; o objeto concreto onde se
apoia o texto: livro, som, celular, internet, revistas, etc.
4 – A partir do que diz o texto, como você acha que surgem
novos gêneros?
Surgem
a partir de inovações culturais, do uso constante de novos meios de
comunicação; mas não são completamente novos: Apoiam-se em gêneros já
conhecidos que mantêm com eles alguma semelhança.
5 – Por que desaparecem gêneros antigos?
Desaparecem porque deixam de ter relevância cultural, quando novas
tecnologias os substituem.
6 – Como se comportam os novos gêneros em relação às
fronteiras entre oralidade e escrita?
Os
novos gêneros tendem a desfazer ou a enfraquecer as fronteiras entre oralidade
e escrita, porque são mais plásticos, mais maleáveis. Integram signos de várias
naturezas.
7 – Que aspectos podem servir de critério para a
classificação de um gênero?
Podem
ser aspectos formais (linguísticos, estilísticos) e funcionais (culturais);
podem estar ligados ao suporte ou ao objetivo.
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