VIDAS SECAS – GÊNEROS
LITERÁRIOS – COM GABARITO
Graciliano Ramos
Fabiano, ia satisfeito. Sim senhor, arrumara-se. Chegara naquele estado,
com a família morrendo de fome, comendo raízes.
Caíra no fim do pátio, de baixo de um juazeiro, depois tomara conta da
casa deserta. Ele, a mulher e os filhos tinham-se habituado a camarinha escura,
pareciam ratos – e a lembrança dos sofrimentos passados esmorecera.
Pisou com firmeza no chão gelado, puxou a faca de ponta. esgaravatou as
unhas sujas. Tirou do aió um pedaço de fumo, picou-o, fez um cigarro com palha
de milho, acendeu-o ao binga, pôs-se a fumar regalado.
--- Fabiano, você é um homem, exclamou em voz alta.
Conteve-se, notou que os meninos estavam perto, com certeza iam
admirar-se ouvindo-o falar só. E, pensando bem, ele não era homem; era apenas um
cabra ocupado em guardar coisas do outro. Vermelho, queimado, tinha os olhos
azuis, barba e os cabelos ruivos, mas como vivia em terra alheia, cuidava de
animais alheios, descobria-se, encolhia-se na presença dos brancos e julgava-se
cabra.
Olhou em torno, com receio de que, fora os meninos, alguém tivesse
percebido a frase imprudente. Corrigiu-a, murmurando:
--- Você é um bicho, Fabiano.
Isto para ele era motivo de orgulho. Sim senhor, um bicho, capaz de
vencer dificuldades.
Chegara naquela situação medonha – e ali estava, forte, até gordo,
fumando o seu cigarro de palha.
--- Um bicho, Fabiano.
Era. Apossara-se da casa porque não tinha onde cair morto, passar uns
dias mastigando raiz de bambu, sementes de muçunã. Vira a trovoada. E, com ela,
o fazendeiro, que o expulsara. Fabiano fizera-se desentendido e oferecera os
seus préstimos, resmungando, coçando os cotovelos, sorrindo aflito. O eito que
tinha era ficar. E o patrão aceitara-o, entregar-lhe as marcas de ferro.
Agora Fabiano era vaqueiro, e ninguém o
tiraria dali. Aparecera como um bicho, entocara-se como um bicho, mas criara
raízes, estava plantado. Olhou as quipás, os mandacarus e os xique-xiques. Era
mais forte que isso, era como as catingueiras e as baraúnas. Ele, Sinhá
Vitória, os dois filhos e a cachorra baleia estavam agarrados à terra.
Chape-chape. As alpercatas batiam no chão rachado. O corpo do vaqueiro
derreava-se, as pernas faziam dois arcos, os braços moviam-se desengonçados.
Parecia um macaco.
Entristeceu. Considerar-se plantado em terra alheia! Engano. A sina dele
era correr mundo, andar para cima e para baixo, à toa, como judeu errante. Um
vagabundo empurrado pela seca. Achava-se ali de passagem, era hóspede que
demorava demais, tomava amizade da casa ao curral, chiqueiro das cabras, ao
juazeiro que os tinha abrigado uma noite.
Graciliano Ramos.
1 – A que gênero literário pertence o
texto lido? Justifique.
Épico – narrativo, visto que se trata de um relato de fatos vinculados à
visita da personagem, às suas ações e atitudes diante da realidade.
2 – Classifique o narrador quanto ao ponto
de vista.
Narrador onisciente.
3 – Retire do texto palavras e ou
expressões que remetam em que se passam os fatos narrados.
“Vaqueiro”; “seca”; “fazendeiro”; “juazeiro”.
4 – A caracterização do personagem se dá
no nível físico e psicológico. Quanto ao primeiro plano, transcreva uma
passagem que a justifique; em relação ao segundo, indique o sentimento que toma
conta do personagem.
“Vermelho, queimado, tinha os olhos azuis, a barba e os cabelos ruivos”.
Inferioridade.
5 – Leia os textos a seguir, indicando-lhes
o gênero predominante, acrescentando uma característica que justifique a sua
resposta:
Gênero lírico. Expõe os sentimentos do poeta.
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