LITERATURA: DIVA
José de Alencar
Era uma hora da noite. Eu esperava Emília com os olhos fitos na janela
de seu quarto, as únicas em toda a casa que ainda apareciam frouxamente
esclarecidas. Já te disse que os aposentos de Emília, uma alcova, um gabinete
de vestir e uma sala de trabalho, ocupavam a face esquerda do edifício. Desse
lado o sobrado apoiava-se a uma escarpa da colina, que lhe serviria como de
alicerce, e que para elegância da construção o arquiteto disfarçara com um
terraço.
O gabinete de Emília abria uma porta para
esse terraço. Ali no quarto iluminado pela claridade interior, via eu de longe
desenhar-se seu vulto esbelto. Avançou até a borda do rochedo escarpado.
--- Que vai ela fazer, meu Deus! – balbuciei trêmulo e frio de susto.
Esquecendo tudo, para só lembrar-me do risco imenso que sua vida corria,
fui para soltar um grito de pavor que a suspendesse: mas ela, resvalando pelas
pontas erriçadas do rochedo abrupto, já tocava a planície. Pouco depois estava
junto de mim, alma, risonha sem a menor fadiga.
--- Aqui estou! – disse afoitamente, abaixando o capuz da longa
mantilha.
--- Para que arrisca a sua vida, D. Emília? Se eu soubesse... Não tinha
aceitado! Ela ergueu os ombros desdenhosamente.
--- Ainda estou frio! ... Parecia-me a cada momento que o pé lhe faltava
e ...
--- Eu morria! ... Se não fosse isso teria eu
vindo?
Podíamos ficar onde estávamos, tranquilamente sentados no sofá... Para
que serviria a vida, se ela fosse uma cadeira? Viver é gastar, esperdiçar a sua
existência, como uma riqueza que Deus dá para ser prodigalizada. Os que só
cuidam de preservá-la dos perigos, esses são os piores avarentos!
--- E quem se priva
a si do mais belo sentimento, quem se esquiva de amar, não é avaro também da
vida, avaro do seu coração e das riquezas de sua alma? A senhora o é, S.
Emília! Oh! Não negue!
--- Como ele se
engana, meu Deus! – exclamou Emília erguendo ao céu os belos olhos.
--- Que diz?...
Então posso acreditar enfim?
E murmurei
arquejante.
Nunca até aquele momento, durante dois meses vividos em doce intimidade
e no conchego estrito de nossas almas, nunca a palavra amor fora proferida em
referência a nós. Emília dava-me, como já sabes, todas as preferências a que
podia aspirar o escolhido do seu coração, e assumira para comigo o despotismo
da mulher amada com paixão. Ela imperava em mim como soberana absoluta. Seu
olhar tiranizava-me, e fazia em minha alma a luz e a treva.
ALENCAR, José de. Diva. São
Paulo: Editora Ática, 1980, p. 43-44.
1 – Sobre o texto lido, só NÃO podemos
afirmar:
a)
A
presença de um narrador de 1ª pessoa contribui para a verossimilhança do relato
e para o tom íntimo da narrativa.
b)
A
onisciência do narrador é marcada pelo domínio dos fatos narrados e pela
utilização do tempo pretérito.
c)
Existe
no texto um leitor privilegiado, expresso pela presença da 2ª pessoa do
singular.
d)
São
utilizados, além da narração, o diálogo entre os protagonistas e a descrição do
cenário.
e)
O
narrador, de 1ª pessoa, por não ser personagem, assume uma postura crítica
quanto ao relato.
2 – Podemos dizer que o texto apresenta o:
a)
Sentimento
amoroso como algo sublime e divino, responsável pela plena felicidade do ser
amante.
b)
Personagem
masculino como o elemento dominador da situação amorosa.
c)
Protótipo
do personagem feminino encontrado nos romances românticos: a mulher etérea e
submissa.
d)
Tipo
de atmosfera cara a vários autores românticos, evidenciado pela presença da
noite e de elemento natural soturno, compondo a paisagem.
e)
Racionalismo,
a sobriedade e a contenção emocional como elementos caracterizadores dos
protagonistas.
3 – “Para que serviria a vida, se ela
fosse uma cadeira? Viver é gastar, esperdiçar a sua existência, como uma
riqueza que Deus dá para ser prodigalizada. Os que cuidam de preservá-la dos
perigos, esses são os piores avarentos!”
Na concepção de Emília, a vida é:
a)
Bela
por ser perigosa e cruel.
b)
Riqueza
distribuída pelos avarentos.
c)
Dádiva
a ser fruída.
d)
Prisão,
embora sedutora e bela.
e)
Pródiga
e, paradoxalmente, avara.
4 – As figuras de linguagem presentes em:
“E quem se priva a si do mais belo sentimento (...)”
“Ela imperava em mim como soberana absoluta.”
“(...) e fazia em minha alma a luz e a treva.”
São respectivamente:
a)
Metáfora,
símile e prosopopeia.
b)
Pleonasmo,
silepse e antítese.
c)
Catacrese,
símile e antítese.
d)
Pleonasmo,
símile e antítese.
e)
Pleonasmo,
metáfora e metonímia.
5 – “(...), as únicas em todo a casa que
ainda apareciam frouxamente esclarecidas.”
Esclarecidas, no texto acima,
significa:
a)
Lúcidas.
b)
Explicadas.
c)
Cultas.
d)
Claras.
e)
Limpas.
resposta 6
ResponderExcluirObrigadoo
ResponderExcluirCadê a 6?
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