UM CERTO CAPITÃO RODRIGO
Antes de começar o ataque ao casarão,
Rodrigo foi à casa do vigário.
--- Padre! –
gritou, sem apear. Esperou um instante. Depois: --- Padre! A porta da meiágua
abriu-se e o vigário apareceu.
--- Capitão! –
exclamou ele, aproximando-se do amigo e erguendo a mão, que Rodrigo apertou com
força
--- Foi só pra
saber se vosmecê estava aqui ou lá dentro do casarão. Eu não queria lastimar o
amigo...
--- Muito
obrigado, Rodrigo, muito obrigado. --- O Padre Lara sacudiu a cabeça,
desalentado. --- Vosmecê vai perder muita gente, capitão. Os Amarais são
cabeçudos e tem muita munição.
--- Eu também
sou cabeçudo e tenho muita munição.
--- Por que não
espera o amanhecer?
Rodrigo deu de
ombros.
--- Pra não
deixar a coisa esfriar.
--- Olhe aqui.
Vou lhe dar uma ideia. Antes de começar o assalto, por que vosmecê não me deixa
ir ao casarão ver se o Cel. Amaral consente em se render pra evitar uma
carnificina?
--- Não, padre.
Não faças aos outros aquilo que não queres que te façam a ti. Não é assim que
diz nas Escrituras? Se alguém me convidasse pra eu me render eu ficava
ofendido. Um homem não se entrega.
--- Mas não há
nenhum desdouro. Isto é uma guerra entre irmãos.
--- São as mais
brabas, padre, são as mais brabas.
De cima do
cavalo Rodrigo ouvia a respiração chiante e dificultosa do sacerdote.
Lembrou-se das muitas conversas que tiveram noutros tempos.
--- Vosmecê é
um homem impossível... – disse o padre, desolado.
--- Acho que
esta noite vou dormir na cama do velho Ricardo. – Sorriu. – Mas sem a mulher
dele, naturalmente... E amanhã de manhã quero mandar um próprio levar ao chefe
a notícia de que Santa Fé é nossa. A Província toda está nas nossas mãos. Desta
vez os legalistas se borraram! Até logo, padre.
Apertaram-se as
mãos.
--- Tome
cuidado, capitão. Vosmecê se arrisca demais.
--- Ainda não
fabricaram a bala que há de me matar! – Gritou Rodrigo, dando de rédea.
--- A gente
nunca sabe – retrucou o padre.
--- E é melhor
que não saiba, não é?
--- Deus guie
vosmecê!
--- Amém! –
replicou Rodrigo, por puro hábito, pois aprendera a responder assim desde
menino.
O padre viu o
capitão dirigir-se para o ponto onde um grupo de seus soldados o esperava. A
noite estava calma. Galos de quando em quando cantavam nos terreiros. Os galos
não sabem de nada – refletiu o padre. Sempre achara triste e agourento o canto
dos galos. Era qualquer coisa que o lembrava da morte. Voltou para casa, fechou
a porta, deitou-se na cama com o breviário na mão, mas não pode orar. Ficou de
ouvido atento, tomado duma curiosa espécie de medo. Não era medo de ser
atingido por uma bala perdida. Não era medo de morrer. Não era nem medo de
sofrer na carne algum ferimento. Era medo do que estava para vir, medo de ver
os outros sofrerem. No fim de contas – se esmiuçasse bem – o que ele tinha
mesmo era medo de viver, não de morrer.
VERÍSSIMO,
Érico. O tempo e o vento 1; o continente.
São Paulo, Círculo do
livro, s.d. p. 314-5.
Meiágua: habitação com telhado de um só
plano.
Desdouro: descrédito, desonra.
Próprio: mensageiro, portador.
Breviário: livro de rezas.
1 – Com que finalidade Rodrigo foi à casa do vigário?
Rodrigo queria verificar se o padre não estava no casarão que is ser
atacado.
2 – Qual era a posição assumida pelo padre na luta entre
Rodrigo e a família Amaral?
O
padre servia de intermediário, tentando apaziguar as duas famílias que brigavam.
3 – Rodrigo apesenta algumas características de comportamento
semelhantes às de seus inimigos. Que características são essas?
A
teimosia e a persistência.
4 – Rodrigo justifica sua atitude ao padre por meio de um
recurso bastante convincente. Que recurso é esse?
Rodrigo utiliza versículos bíblicos.
5 – Que frases do texto revelam um traço supersticioso do
padre? Transcreva-as.
“Sempre achara triste e agourento o canto dos galos. Era
qualquer coisa que o lembrava da morte”.
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