sexta-feira, 12 de maio de 2017

O GUARANI - ROMANTISMO - JOSÉ DE ALENCAR - COM GABARITO


 O GUARANI

        Os gritos e bramidos dos selvagens, que continuavam com algumas interrupções, foram-se aproximando da casa; conhecia-se que escalavam o rochedo nesse momento.
        Alguns minutos se passaram numa ansiedade cruel. D. Antônio de Mariz depositou um último beijo na fronte de sua filha; D. Lauriana apertou ao seio a cabeça adormecida da menina e envolveu-se numa manta de seda.
        Peri, com o ouvido atento, o olhar fito na porta, esperava. Ligeiramente apoiado sobre o espaldar da cadeira às vezes estremecia de impaciência e batia com o pé sobre o pavimento da sala.
        De repente um grande clamor soou em torno da casa; as chamas lamberam com as suas línguas de fogo as frestas das portas e janelas; o edifício tremeu desde os alicerces com o embate da tromba de selvagens que lançava nomeio do incêndio.
        Peri, apenas ouviu o primeiro grito, reclinou sobre a cadeira e tomou Cecília nos braços; quando o estrondo soou na porta larga do salão, o índio já tinha desaparecido.
        Apesar da escuridão profunda que reinava em todo o interior da casa, Peri não hesitou um momento; caminhou direto ao quarto onde habitara sua senhora, e subiu à janela.
        Uma das palmeiras da cabana estendia-se por cima do precipício e apoiava-se a trinta palmos de distância sobre um dos galhos da árvore que os aimorés tinham abatido durante o dia que tiraram aos habitantes da casa a menor esperança de fuga.
        Peri, apertando Cecília nos braços, firmou o pé sobre essa ponte frágil, cuja face convexa tinha quando muito algumas polegadas de largura.
        Quem lançasse os olhos nesse momento para aquela banda da esplanada veria ao pálido clarão do incêndio deslizar-se lentamente por cima do precipício um vulto hirto, como um desses fantasmas que, segundo a crença popular, atravessam à meia-noite as velhas ameias de algum castelo em ruínas.
        A palmeira oscilava, e Peri, embalando-se sobre o abismo, adiantava-se vagarosamente para a encosta oposta. Os gritos dos selvagens repercutiam nos ares de envolta com o estrépito dos tacapes que abalavam as portas da sala e as paredes do edifício.
        Sem se inquietar com a certa tumultuosa que deixava após si, o índio ganhou a margem oposta, e segurando com uma mão nos galhos da árvore, conseguiu tocar a terra sem o menor acidente.
        Então, fazendo uma volta para não aproximar-se do campo dos aimorés, dirigiu-se à margem do rio; aí estava escondida entre as folhas a pequena canoa que serviria outrora para os habitantes da casa atravessarem o Paquequer.
        Durante a ausência de uma hora que Peri tinha feito, quando deixava Cecília adormecida, ele havia tudo preparado para essa empresa arriscada que devia salvar sua senhora.
        Graças à sua atividade espantosa, armou com o auxílio da corda a ponte pênsil sobre o precipício, correu ao rio, amarrou a canoa no lugar que lhe pareceu mais propício, e em duas viagens levou esse barquinho que ia servir de morada a Cecília durante alguns dias, tudo quanto a menina podia crescer.
                                                                                                     JOSE DE ALENCAR.
1 -  O texto, sem deixar dúvidas, é legítimo representante do tipo de romance do Romantismo. Que afirmação NÃO comprovaria essa tese?
a)     A tendência a desenvolver um discurso comovente e emocionante.
b)    A configuração, pelos seus atos, da personagem como herói.
c)     A narrativa marcada por situações que conduzem ao suspense, técnica essa que prendia o leitor aos acontecimentos.
d)    O emprego estilístico da hipérbole, denunciando a maneira sentimentalmente exagerada de conduzir a narrativa.
e)     O apego ao descritivismo da realidade imediata com a finalidade de dar verossimilhança aos fatos narrados.

2 – De que modo podemos ver a presença da personagem Peri como personagem típica da criação poética do Romantismo?
       Através da sua bravura.

3 – Qual o ponto de vista da narrativa?
       Narrativa em 3ª pessoa, narrador onisciente.


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