O
GUARANI
Os gritos e bramidos dos selvagens, que continuavam com algumas
interrupções, foram-se aproximando da casa; conhecia-se que escalavam o rochedo
nesse momento.
Alguns minutos se passaram numa ansiedade cruel. D. Antônio de Mariz
depositou um último beijo na fronte de sua filha; D. Lauriana apertou ao seio a
cabeça adormecida da menina e envolveu-se numa manta de seda.
Peri, com o ouvido atento, o olhar fito na porta, esperava. Ligeiramente
apoiado sobre o espaldar da cadeira às vezes estremecia de impaciência e batia
com o pé sobre o pavimento da sala.
De repente um grande clamor soou em torno da casa; as chamas lamberam
com as suas línguas de fogo as frestas das portas e janelas; o edifício tremeu
desde os alicerces com o embate da tromba de selvagens que lançava nomeio do
incêndio.
Peri, apenas ouviu o primeiro grito, reclinou sobre a cadeira e tomou
Cecília nos braços; quando o estrondo soou na porta larga do salão, o índio já
tinha desaparecido.
Apesar da escuridão profunda que reinava em todo o interior da casa,
Peri não hesitou um momento; caminhou direto ao quarto onde habitara sua
senhora, e subiu à janela.
Uma das palmeiras da cabana estendia-se por cima do precipício e
apoiava-se a trinta palmos de distância sobre um dos galhos da árvore que os
aimorés tinham abatido durante o dia que tiraram aos habitantes da casa a menor
esperança de fuga.
Peri, apertando Cecília nos braços, firmou o pé sobre essa ponte frágil,
cuja face convexa tinha quando muito algumas polegadas de largura.
Quem lançasse os olhos nesse momento para aquela banda da esplanada
veria ao pálido clarão do incêndio deslizar-se lentamente por cima do
precipício um vulto hirto, como um desses fantasmas que, segundo a crença
popular, atravessam à meia-noite as velhas ameias de algum castelo em ruínas.
A palmeira oscilava, e Peri, embalando-se sobre o abismo, adiantava-se
vagarosamente para a encosta oposta. Os gritos dos selvagens repercutiam nos
ares de envolta com o estrépito dos tacapes que abalavam as portas da sala e as
paredes do edifício.
Sem se inquietar com a certa tumultuosa que deixava após si, o índio
ganhou a margem oposta, e segurando com uma mão nos galhos da árvore, conseguiu
tocar a terra sem o menor acidente.
Então, fazendo uma volta para não aproximar-se do campo dos aimorés,
dirigiu-se à margem do rio; aí estava escondida entre as folhas a pequena canoa
que serviria outrora para os habitantes da casa atravessarem o Paquequer.
Durante a ausência de uma hora que Peri tinha feito, quando deixava
Cecília adormecida, ele havia tudo preparado para essa empresa arriscada que
devia salvar sua senhora.
Graças à sua atividade espantosa, armou com o auxílio da corda a ponte
pênsil sobre o precipício, correu ao rio, amarrou a canoa no lugar que lhe
pareceu mais propício, e em duas viagens levou esse barquinho que ia servir de
morada a Cecília durante alguns dias, tudo quanto a menina podia crescer.
JOSE DE
ALENCAR.
1 -
O texto, sem deixar dúvidas, é legítimo representante do tipo de romance
do Romantismo. Que afirmação NÃO comprovaria essa tese?
a)
A
tendência a desenvolver um discurso comovente e emocionante.
b)
A
configuração, pelos seus atos, da personagem como herói.
c)
A
narrativa marcada por situações que conduzem ao suspense, técnica essa que
prendia o leitor aos acontecimentos.
d)
O
emprego estilístico da hipérbole, denunciando a maneira sentimentalmente
exagerada de conduzir a narrativa.
e)
O apego
ao descritivismo da realidade imediata com a finalidade de dar verossimilhança
aos fatos narrados.
2 – De que modo podemos ver a presença da
personagem Peri como personagem típica da criação poética do Romantismo?
Através da sua bravura.
3 – Qual o ponto de vista da narrativa?
Narrativa em 3ª pessoa, narrador onisciente.
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