CRÔNICA: A TURMA
Domingos Pelegrini
Eu também já tive turma, ou
melhor, fiz parte de turma e sei como é importante em certa idade essa
entidade, a turma. A gente é um ser racional, menos quando em turma. Existe,
por exemplo, alguma razão para um grupo de pessoas sentar todo dia numa escadaria
ou meio-fio e passar horas conversando? Você pode falar a um filho, por
exemplo, que refrigerantes engordam e chocolates dão mais espinhas em quem já
está na idade das espinhas. Ele nem ouvirá. Mas, se um dia a turma resolver,
ele passará a tomar só água com limão e pegará nojo de chocolate. Você pode
falar que cabelo tão comprido é incômodo, calorento, atrapalha, mas que nada,
ele te pedirá dinheiro para comprar mais xampu. Agora, se a turma resolver
cortar careca, ele aparecerá de repente careca no café da manhã e nem quererá
falar no assunto – qual o problema em cortar careca? Você pode dizer que bossa
nova é bom, e mostrar jornais e revistas, provar que só “Garota de Ipanema” já
recebeu centenas de gravações em todo o mundo, mas ele aumentará o volume do
rock pauleira ou da tecno-bost. Até o dia em que alguém da turma aparece com um
CD de bossa nova e ele troca Axel Rose por Tom Jobim de um dia para o outro. A
turma tem modas, como quando resolvem todos arregaçar as barras das calças, que
usavam arrastando pelo chão. A turma tem traumas, como quando o namoradinho de
uma se apaixona pela namoradinha de outro e ... A turma tem linguagem própria,
uma variante local de um ramal regional da vertente adolescente da língua. A
turma adora sentar na calçada e na praça e falar sobre o que viram em casa na
televisão. A turma tem duplas de amigos e amigas mais chegados, e trios, e
quartetos, que num grande minueto anarquista se misturam nas festas de
aniversário. Ninguém da turma dança até que alguém da turma começa a dançar, aí
dançam todos trocando de par até acabarem dançando todos juntos como turma que
são. Um da turma se tatua, todos da turma querem se tatuar. Um bota uma argola
no nariz, os outros, para variar, botam no lábio, na sobrancelha e na orelha
e... A turma é isso aí, cara, uma reunião diária de espinhas e inquietações,
habilidades e temperamentos, o baralho das personalidades se misturando, o jogo
das informações e dos sentimentos rolando nas conversas sem fim, nas andanças
sem cansaço, nas músicas compartilhadas, no refri com três canudos e uma
empadinha pra quatro. Na turma pouco dá pra todos, todo mundo divide, cada um
contribui, a turma se une partilhando e repartindo. A turma ri como só na turma
se ri. A turma julga quando erramos. A turma castiga com silêncios e ironias.
A turma te chama, te
reprime, te liberta, te revela, te rebela, te maltrata, te orgulha, te ama e te
envolve, te afasta e te atrai, mas a turma é assim porque a turma é a turma.
Até o dia em que – disse a todos meus filhos – cansamos de ter turma e passamos
a ser gente. E todos me disseram que sou um chato, mas o primogênito hoje já
concorda: o tempo da turma passa. Mas, aqui entre nós, como dá saudade!
PELEGRINI, Domingos. Ladrão que rouba ladrão e
outras crônicas. São Paulo: Ática, 2004.
Glossário
“Garota de Ipanema”:
canção de Tom Jobim e Vinícius de Morais, uma das expressões máximas do
movimento musical chamado Bossa Nova.
Meio-fio: arremate das
calçadas; guia.
QUESTÃO 01.
Conforme sugere o título, o texto tem como
tema a turma. Que aspecto relacionado ao tema é abordado nele de modo especial?
A) A influência da família e da sociedade
sobre o comportamento do adolescente.
B) A influência do grupo de adolescentes sobre
cada um de seus integrantes.
C) A influência dos pais dos adolescentes
sobre a turma.
D) O sentimento de revolta do adolescente em
relação às pressões do grupo social.
QUESTÃO 02.
Indique, entre os itens que seguem, aquele que
traduz melhor a postura do narrador em relação ao tema abordado.
A) Com um olhar adulto e distanciado, o
narrador faz uma crítica ao comportamento infantil e dependente dos
adolescentes que participam de uma turma.
B) Com uma visão saudosista, o narrador se
lembra dos bons momentos que viveu com sua turma e do quanto foi feliz naquela
época.
C) O narrador faz uma reflexão crítica sobre o
comportamento dos adolescentes que vivem em turmas, mas dá ao tema um enfoque
pessoal e sentimental.
D) De uma maneira impessoal,
o narrador faz uma reflexão crítica sobre o comportamento dos adolescentes que
vivem em turmas.
QUESTÃO
03.
No trecho “Na turma pouco dá pra todos, todo
mundo divide, cada um contribui”, que princípio ou valor é destacado
positivamente no comportamento da turma?
A) a inveja, a ganância.
B) as partilha, a indiferença.
C) a solidariedade, a partilha.
D) a felicidade, a alegria.
QUESTÃO
04.
No 2º parágrafo, o narrador afirma que, quando
em turma, o adolescente perde a racionalidade. Para comprovar seu ponto de
vista, ele apresenta argumentos embasados no comportamento dos adolescentes.
Qual argumento NÃO foi utilizado pelo autor?
A) Ficar horas conversando sentados num meio
fio.
B) Trocar o hábito de comer chocolate por
tomar só água com limão.
C) Trocar o uso de cabelo comprido pelo corte
careca.
D) Não assistir a programas de televisão.
QUESTÃO
05.
Considerando o texto I, é
CORRETO afirmar:
A) defende um ponto de vista.
B) narra fatos fictícios.
C) transmite conhecimentos.
D) orienta comportamentos.
QUESTÃO
06.
Assinale, entre as
alternativas abaixo, a que apresenta uma oração com sujeito oculto.
A) “o tempo da turma passa.”
B) “A turma castiga com silêncios e ironias.”
C) “A gente é um ser racional...”
D) “... fiz parte da turma...”
QUESTÃO 07.
Releia a frase: “Agora, se a turma resolver
cortar careca, ele aparecerá de repente careca no café da manhã e nem quererá
falar no assunto – qual o problema em cortar careca?” Os verbos em destaque
expressam:
A) ideia de uma ação ocorrida no passado e
anterior a outra ação também passada.
B) ideia de uma ação futura que ocorreria
desde que uma condição fosse atendida antes.
C) ideia de uma ação habitual ou contínua.
D) ideia de uma ação que ocorrerá num futuro
em relação ao tempo atual.
QUESTÃO
08.
De acordo com a nova regra de ortografia, qual
sequência de palavras se encaixa no mesmo grupo de acentuação?
A) incômodo / própria.
B) primogênito / alguém.
C) silêncios / aniversário
D) aí / três
QUESTÃO
09.
Em qual das orações um
pronome substantivo NÃO foi destacado?
A) “E todos me disseram que
sou um chato (...)”.
B) “Ele nem ouvirá.”
C) “Até o dia em que – disse a todos meus
filhos (...).”
D) “A turma te chama”.
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