GRANDE SERTÃO: VEREDAS
João Guimarães Rosa
Primeiro,
fiquei sabendo que gostava de Diadorim – de amor mesmo amor, mal encoberto em
amizade. Me a mim, foi de repente, que aquilo se esclareceu: falei comigo. Não
tive assombro, não achei ruim, não me reprovei – na hora. Melhor alembro. Eu
estava sozinho, num repartimento dum rancho, rancho velho de tropeiro, eu
estava deitado numa esteira de taquara. Ao perto de mim, minhas armas. Com aquelas,
reluzentes nos canos, de cuidadas tão bem, eu mandava a morte em outros com a
distância de tantas braças. Como é que, dum mesmo jeito, se podia mandar o
amor?
O nome
Diadorim, que eu tinha falado, permaneceu em mim. Me abracei com ele. Mel se
sente é todo lambente – “Diadorim, meu amor...” Como era que eu podia dizer
aquilo? Explico ao senhor: como se drede fosse para eu não ter vergonha maior,
o pensamento dele que em mim escorreu figurava diferente, num Diadorim assim
meio singular, por fantasma, apartado completo do viver comum, desmisturado de
todos, de todas as outras pessoas – como quando a chuva entre-onde-os-campos. Um
Diadorim só para mim. Tudo tem seus mistérios. Eu não sabia. Mas, com minha
mente, eu abraçava com meu corpo aquele Diadorim – que não era de verdade. Não
era? A ver que a gente não pode explicar essas coisas. Eu devia de ter
principiado a pensar nele do jeito de que decerto cobra pensa: quando mais-olha
para um passarinho pegar. Mas – de dentro de mim: uma serpente. Aquilo me
transformava, me fazia crescer dum modo, que doía e prazia. Aquela hora, eu
pudesse morrer, não me importava.
GUIMARÃES ROSA. Grande sertão: veredas. 1. ed. São Paulo.
Abril
Cultural, 1983. p. 206-7.
Drede: adrede; de propósito, de caso
pensado.
1 - O que Riobaldo
sentia por Diadorim era amor ou amizade? Transcreva a frase do texto que
justifica a sua resposta.
Sentia
amor. “...fiquei sabendo que gostava de Diadorim – de amor mesmo amor...”
2 – Logo que descobriu sua afeição por Diadorim, Riobaldo
sentiu-se culpado? Justifique sua resposta.
Não,
pois Riobaldo afirmou que não se reprovou na hora.
3 – Como se sente o narrador ao comparar sua atividade
profissional com sua capacidade de amar?
O
narrador se sente admirado, atônito.
4 – Para Riobaldo, Diadorim era uma pessoa que se
diferenciava das outras. Destaque do texto as expressões que comprovam essa
afirmativa.
“... um
Diadorim assim meio singular, (...) apartado completo do viver comum,
desmisturado de todos...”
5 – O amor que sentia por Diadorim ia se transformando e
causando-lhe conflito. Transcreva da penúltima frase do texto os dois verbos
que revelam esse conflito interno.
“Doía”
e “prazia”.
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