sexta-feira, 12 de maio de 2017

SENHORA - ROMANTISMO - JOSÉ DE ALENCAR - COM GABARITO

  SENHORA

        --- O senhor não retribuiu meu amor e nem o compreendeu. Supôs que eu lhe deva apenas a preferência entre outros namorados, e o escolhia para herói dos romances, até aparecer algum casamento, que o senhor, moço honesto, estimaria para colher à sombra o fruto de suas flores poéticas. Bem vê que eu distingo dos outros, que ofereciam brutalmente mas com franqueza e sem rebuço, a perdição e a vergonha.
        Seixas abaixou a cabeça.
        --- Conheci que não amava-me, como eu desejava e merecia ser amada. Mas não era sua a culpa e só minha que não soube inspirar-lhe a paixão que eu sentia. Mais tarde, o senhor retirou-me essa mesma afeição com que me consolava e transportou-a para outra, em que não podia encontrar o que eu lhe dera, um coração virgem e cheio de paixão com que o adorava. Entretanto, ainda tive forças para perdoar-lhe e amá-lo.
        A moça agitou então a fronte com uma vibração altiva:
        --- Mas o senhor não me abandonou pelo amor de Adelaide e sim pelo seu dote, um mesquinho dote de trinta contos! Eis o que não tinha direito de fazer, e o que jamais lhe podia perdoar! Desprezasse-me embora, mas não descesse da altura em que o havia colocado dentro de minha alma. Eu tinha um ídolo; o senhor abateu-o de seu pedestal, e atirou-o no pó. Essa degradação do homem a quem eu adorava, eis o seu crime; a sociedade não tem lei para puni-lo, mas há um remorso para ele. Não se assassina assim um coração que Deus criou para amar, incutindo-lhe a descrença e o ódio.
        Seixas, que tinha curvado a fronte, ergueu-a de novo e fitou os olhos da moça. Conservava ainda as feições contraídas e gotas de suor borbulhavam na raiz dos seus cabelos negros.
        --- A riqueza que Deus me concedeu chegou tarde; nem ao menos permitiu-me o prazer da ilusão, que tem as mulheres enganadas, Quanto a recebi, já conhecia o mundo e as suas misérias; já sabia que a moça rica é um arranjo e não uma esposa; pois bem, disse eu, essa riqueza servirá para dar-me a única satisfação que ainda posso ter neste mundo. Mostrar a esse homem que não me soube compreender, que mulher o amava, e que alma perdeu. Entretanto, ainda eu afagava uma esperança. Se ele recusa nobremente a proposta aviltante, eu irei lançar-me a seus pés. Suplicar-lhe-ei que aceite a minha riqueza, que a dissipe se quiser, mas consinta-me que eu o ame. Esta última consolação, o senhor arrebatou. Que me restava? Outrora ataca-se o cadáver ao homicida, para expiação da culpa; o senhor matou-me o coração; era justo que o prendesse ao despojo de sua vítima. Mas não desespere, o suplício não pode ser longo: constante martírio a que estamos condenados acabará por extinguir-me o último alento; o senhor ficará livre e rico.
                                                 Jose de Alencar. Senhora. São Paulo: Moderna.
1 – Sobre o texto:
a)     Pelo discurso de Aurélia, percebemos que o texto registra uma oposição com que a sociedade da época soube conviver. Que oposição é essa?
Amor e Dinheiro.

b)    Aurélia, porque não foi amada à altura da sua dedicação a Seixas, impõe a este uma “punição”. Cite-a.
Viver ao seu lado forçosamente.

c)     O que Aurélia sugere em suas palavras no último período?
Que, por força da dor de amar sem ser amada, morreria cedo, e Seixas estaria livre e herdaria sua riqueza.

d)    Aurélia é personagem típica do romance romântico? Justifique.
SIM. Pela postura nobre, motivada pela emoção, justa e amorosa.

e)     Com que adjetivos poderíamos caracterizar o estado de espírito de Aurélia?
Magoada / Ofendida / Humilhada / Desprezada.

f)      Comente o discurso da Aurélia a partir do fato de ser o texto romântico.
Apresenta um discurso nobre, eloquente, de tom declamatório.


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