ROMANCE(FRAGMENTO): Sinhá-Moça
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Na fazenda de Araruna os preparativos
para o casamento de Sinhá-Moça e Rodolfo iam adiantados. Os cativos que tinham
saído da prisão e voltado à casa-grande trabalhavam felizes por amor de sua
sinhazinha. Naquela tarde, chegando à fazenda, Frei José observou a mudança e
isso ainda lhe deu maiores forças para trabalhar em prol da abolição.
Nesse mesmo dia, chegou o vestido para
os esponsais. Era de gaze todo trabalhado, com uma roda de muitos, muitos
metros, todo forrado de tafetá. O véu era de rendas de Bruxelas, e presente da
mãe de Rodolfo. Fora seu. Parecia um sonho de rendas. Ao ver a “toilette”
nupcial, o próprio Frei José se deslumbrou...
– Como Sinhá-Moça ficará linda no
grande dia!
Afinal a manhã esperada surgiu tocada
de poesia, trescalante de flores de laranjeira. Fazia um grande sol. As
andorinhas trissavam no azul, sobre o terreiro. Frei José, paramentado com as
roupas de seda e brocados, estava ajoelhado na capelinha da fazenda. Rezava
pela felicidade de Sinhá-Moça, o anjo bom dos escravos. No terreiro, nas
senzalas, por todos os cantos da fazenda de Araruna só se ouviam os escravos a
abençoarem Sinhá-Moça. A noiva, auxiliada por D. Cândida, pela mãe de Rodolfo e
pela mucama Virgínia, começou a preparar-se. Puseram-lhe sobre os cabelos cor
de ouro a grinalda de flores de laranjeira. O véu de renda, envolvendo-a, era
como uma imensa promessa de felicidade.
No entanto, seu coração era como uma
rola assustada. No meio daquela alegria, a moça pensava no sofrimento de
Justino. Por isso, não podia ser inteiramente feliz. Por que motivo Rodolfo,
que se dizia tão seu amigo, a iludira até à última hora? Por que a fizera crer
que o escravo seria posto em liberdade antes do casamento? Quem sabe se o pobre
Rodolfo estaria sofrendo a sua decepção?
Aproximava-se a hora marcada para o
casamento. Neste momento, porém, na sala de visitas, o Dr. Fontes recebia a
visita do Juiz de Direito... Os dois homens se encontravam com visível agrado.
Pouco depois, transbordando de alegria, o pai de Rodolfo dirigia-se ao quarto
de Sinhá-Moça...
– Vejam! Leiam! Justino foi perdoado!
Justino foi perdoado!
– Virgínia, Justino... Justino foi
perdoado!
– Bendito seja Nosso Sinhô! É milagre,
sinhazinha! Milagre que Nosso Sinhô feis pru mode primiá a santinha dus escravo!
Agora, sim, posso morrê feliz...
O órgão da fazenda, depois de dormir
tantos anos num canto da capela, acordara, de repente, para se fazer ouvir numa
dulcíssima “Ave-Maria”. O pequeno templo familiar estava à cunha. Fora, estavam
os escravos, numa alegria profunda e sincera. A cerimônia prosseguia. Depois de
uni-los perante Deus, Frei José, como é costume em tais casos, proferiu algumas
palavras...
– Aqui está a bondade. É a bondade que
Deus quis premiar. Esta moça tão simples, que eu conheci pequenina, que tive a
felicidade de preparar para a primeira comunhão, que acompanhei ao longo da
adolescência e que hoje tenho a graça de unir ao homem digno e probo que é o
Doutor Rodolfo Fontes. Com a realização de seu casamento assiste ela mesma à
recompensa dos benefícios que tem espalhado entre os humildes. Nunca fez
distinção entre grandes e pequenos; entre pobres de espírito e homens de
inteligência. A todos estende a sua mão protetora, desanuviando os semblantes,
alegrando os corações...
D. Cândida, consternava, pensava no seu
infeliz marido; ele bem poderia estar ao seu lado, compartilhando a ventura da
filha.
Terminada a solenidade do casamento,
Rodolfo beijou ternamente Sinhá-Moça. Pouco a pouco foi-se desfazendo o
ajuntamento da capela. O órgão calou-se no seu canto. A “Ave-Maria”
dissolveu-se no silêncio.
Dali a pouco, estavam sós. Desceram a
escada de pedra e entraram no jardim. Sobre ele, havia uma janela. Lá dentro
erguiam-se vozes. Brindes, risos álacres, trinclidos de taças.
– Que ideia foi essa de visitar o
jardim antes de nossa partida?
– Quero que as roseiras, os jasmineiros
e os heliotrópios fiquem com inveja de mim. Eu vou levar comigo a mais linda
flor que eles possuíam!
– Repare como tudo o que nos cerca
parece estar contente! Como se tornou mais suave, mais harmonioso o murmúrio
das águas do regato! As borboletas insistem em aprisionar-se nas volutas do seu
véu ne noiva! Querem conhecer, por certo, os segredos do seu coração!
– Lá estão eles!
– Os fujões! Depressa, Sinhá-Moça!
Venha cortar o bolo! Nós todos estamos aqui à sua espera!
Na cocheira, Bastião ajudava Dr. Fontes
a preparar o trole em que o jovem casal deveria partir dentro de pouco para São
Paulo. Sinhá-Moça e Rodolfo passariam a lua-de-mel na chácara dos Buenos,
velhos amigos da família.
– Minha amada... Três horas da tarde.
Meu pai já me fez sinal de que devemos partir. Despeça-se apenas dos nossos, de
Virgínia, e fujamos, como pássaros livres. Vá se preparar. Guardarei
eternamente na retina sua imagem neste vestido... Quero tê-lo como relíquia. Em
nossa velhice recordará este dia solene em que me oferece sua mão de esposa!
Num instante Sinhá-Moça voltava para a
companhia de Rodolfo, mas já de roupa mudada.
– Você está lida, minha mulher! Quanta
elegância nesta simplicidade. Que lindo verde! Lembra esmeraldas irisadas de
sol e parece ter roubado a cor de seus olhos tão belos...
– Vassunceis ainda tão ansim?
Cunversano? As famia tão tudo esperano, pru mode adispidi... Seu Dotô tá
dizeno: “A viagem é cumprida”.
Finalmente chegou o momento das
despedidas. Ao entrarem na grande sala, toda enfeitada de flores, cheia de
gente, numa tagarelice de papagaios, como enxames de abelhas, moças e rapazes
se puseram a atirar arroz em profusão sobre o casal de noivos. Dentro em pouco
não se via mais o lencinho branco de Sinhá-Moça, que se agitava no ar, numa
despedida cheia de saudades... Lá se iam, muito longe, quase a perder de vista,
venturosos, no seu sonho de amor.
Cortando estradas, daqui, dali, em
busca de melhores caminhos, repousando de quando em vez à beira de um regato
amável, ou descansando às vezes num pouso mais convidativo, – sempre encantados
com a sua paixão e com a poesia simples e despretensiosa da paisagem –
confundiam seu amor, sua paixão, com o amor e a paixão que os pássaros nas
ramadas, as cigarras enlouquecidas de prazer, celebravam em meio à natureza
virgem despida de preconceitos e de maldade. Enleados, nesse sagrado ambiente,
realizavam, eles também, seus mais ardentes anelos... E assim, depois de vários
dias, numa troca mútua de desejos e promessas, venceram a jornada.
[...]
O romance Sinhá-Moça
foi quadrinizado, em 1957, pela Editora Brasil-América (revista Edição
Maravilhosa, n° 144), com desenhos de André Le Blanc e reeditada em 1986.
Fonte: Livro – Coleção ALET – Língua Portuguesa –
Kátia P. G. Sanches & Sebastião Andreu – 6ª Série – 1ª edição – São Paulo.
Ediouro, 2002 – p. 273-7.
Entendendo o texto:
01 – Quais as personagens
que aparecem no trecho lido? Quais as características de cada uma?
Sinhá-Moça: moça
que lutava pelo direito dos escravos;
Dr. Rodolfo Fontes: noivo de Sinhá-Moça;
Frei José: frei do local, que trabalhava
em prol da abolição;
D. Cândida: mãe de Sinhá-Moça;
Virgínia: mucama de Sinhá-Moça;
Justino: escravo;
Pai de Rodolfo (Dr. Fontes): aparece uma
única vez no texto;
Mãe de Rodolfo, Juiz de Direito e
Bastião: foram apenas citados no texto.
02 – Como é a linguagem de
Virgínia? Por que é diferente?
É muito simples.
É uma linguagem diferente, pois ela, por ser mucama, provavelmente não teve
nenhuma instrução escolar, não sabendo assim ler nem escrever.
03 – Utilizando a lógica e
dedução, cite alguns fatos que você acha que ocorreram antes dos acontecimentos
narrados no trecho.
Os escravos passaram por várias situações
de injustiça e Sinhá-Moça fez o que pôde para defende-los. Percebe-se que tal
injustiça aconteceu com Justino, que foi condenado, porém com o pedido de Sinhá
ao seu noivo Rodolfo, foi liberto, bem no dia do seu casamento.
04 – Em que época ocorreu a
história? Como você chegou a essa conclusão? Cite alguns exemplos de palavras
que comprovam a época.
A história
ocorreu na época da escravidão, porque além do vocabulário, nota-se em alguns
trechos a questão da abolição da escravatura. Ex.: “Os cativos que tinham saído
da prisão (...). (...) lhe deu maiores forças para trabalhar em prol da
abolição”. E, quanto ao vocabulário temos como exemplo: “Milagre que Nosso
Sinhô feis pru mode primiá a santinha dus escravo!...”
05 – Quais as
características do Romantismo presentes na história em quadrinhos?
As características são: o sentimentalismo
de Sinhá pelos escravos; e a valorização da mulher, já que Sinhá era exaltada e
valorizada pelos escravos, devido às suas atitudes em prol deles; o amor
vencendo os conflitos e um final feliz.
06 – Qual sua opinião sobre
essa história e sobre essa forma de apresentação?
Resposta pessoal do
aluno.