Reportagem: Tecnonavegantes
Computador à prova d’água, satélites e novos materiais simplificam as expedições no mar
Silvio Ferraz, de
Porto Belo
Ao zarpar da Espanha, em 1519, com
cinco naus e 267 homens, o português Fernão de Magalhães levava o que havia de
mais moderno em navegação: a bússola coma rosa-dos-ventos de 360 graus. Foi
tudo que precisou para a primeira expedição a dar a volta na Terra pelos
oceanos. Quase cinco séculos depois, a tecnologia o distancia tanto dos
navegadores de hoje quanto o 14Bis de Santos Dumont de um caça supersônico. O
telefone portátil por satélite transmite voz, imagens e dados de qualquer ponto
do planeta, mesmo em alto-mar e sob forte tempestade. Cartas náuticas são
digitalizadas, “lidas” por computador e jogadas para uma rede de satélites, que
indicam a perfeita localização do barco direto para o piloto automático. O
material do mastro de um veleiro é igual ao usado nos foguetes espaciais. Todas
essas novidades fazem parte de duas expedições brasileiras cujo objetivo é
fechar o milênio navegando ao redor do mundo em roteiros pouco convencionais.
Nesta semana levanta ferros na pequena
enseada de Porto Belo, em Santa Catarina, o barco Avsso (perfeito, em tupi),
sob o comando de Vilfredo Schurmann e sua família. A nova meta dos Schurmann é
repetir a rota de Fernão de Magalhães e completa-la nos 500 anos da descoberta
do Brasil, em 22 abril de 2000. Dentro de um ano e meio será a vez de Amyr
Klink dar início a uma volta ao mundo contornando os polos Norte e Sul a bordo
de seu novo barco, o Paratii II. Mais do que o roteiro da aventura, o que
impressiona nos dois barcos é a parafernália tecnológica de última geração. De
comum, mesmo, entre Magalhães e os tecnonavegantes só a coragem e o amor ao
desafio dos mares.
No barco de Klink, os avanços
tecnológicos começam pelo casco – feito de alumínio especial – e vão até o
mastro de fibra de carbono, material usado para fabricar os foguetes da NASA, a
agência espacial americana. O novo barco, ainda em construção, terá portentosos
93 pés de comprimento (cerca de 28 metros). Planejado para enfrentar as
condições mais adversas, poderá estocar alimento e fornecer água potável (por
meio de dessalinizadores) par dez tripulantes durante até quatro anos, sem
aportar uma ´nica vez em terra firme. Se faltar combustível, o Paratii II terá
dois geradores eólicos para produzir energia. Seu custo de fabricação deixaria
os reis de Espanha e Portugal, principais financiadores das grandes expedições
do século XV, de cabelos arrepiados: 6 milhões de reais.
Rede
de satélites
No caso dos Schurmann, o veterano barco
que a família usou para dar a volta ao mundo durante dez anos – numa viagem
concluída em 1994 – teve tudo trocado, com exceção da estrutura, um projeto
francês com casco de ferro e comprimento de 55 pés (16,7 metros). O veleiro
ganhou uma vestimenta tecnológica que consumiu 600.000 reais, em números redondos.
Não só para navegar com mais precisão e segurança, como para transformar a
viagem numa aventura virtual da qual participarão estudantes e “marinheiros” de
poltrona, em todo o mundo, através da Internet. O barco é equipado com dois
computadores de mesa e outros dois portáteis, ligados a um sistema de
transmissão de alta potência e versatilidade. Outra vedete a bordo é o Gap – um
sistema de voz e imagem para teleconferências. Tudo isso vai permitir que,
durante os dois anos e meio de circunavegação, informações atualizadas sobre a
viagem sejam distribuídas diariamente pela Internet.
Quem não se recorda da Guerra do Golfo,
há quase sete anos, na qual o jornalista Peter Arnett, da CNN, se celebrizou
por ser o único com equipamento capaz de transmitir notícias de uma Bagdá em
chamas? Arnett usava um telefone do tamanho de uma mal de viagem, pesando 20
quilos, e uma antena com o diâmetro de um guarda-sol. O barco dos Schurmann tem
essa maravilha tecnológica, com uma diferença: hoje, ela pesa menos de 1 quilo
e tem o tamanho de um CD player portátil. De fabricação norueguesa, o telefone
pode ficar exposto às intempéries e manter a qualidade de sua transmissão mesmo
em meio a um temporal – seja de voz, faz ou imagens digitalizadas. A tampa
substitui o enorme guarda-sol que Arnett usava como antena. Basta ao usuário
digitar um comando e uma senha para o aparelho procurar o satélite mais próximo
e iniciar a transmissão. Seu custo: 34.800 dólares.
O barco encontra-se também conectado à
rede internacional de emergência Trimble: um aperto no botão vermelho é
suficiente para uma rede de satélites espalhar entre barcos e navios o pedido
de socorro urgente. Vários desses objetos, até há pouco privativos das Forças
Armadas americanas, não podiam sequer ser cogitados para uso em veleiros em
virtude de seu excessivo peso. Uma simples antena pesava 135 quilos. Os
fabricantes esmeraram-se para possibilizar o convívio dessas máquinas
maravilhosas e altamente sensíveis com a salinidade do meio ambiente, conseguindo
tornar a maioria à prova d’água.
Mar
bravio e gelo
Amyr Klink foi buscar o alumínio
especial para seu Paratii II na França, depois de dedicada pesquisa. Afinal, o
barco enfrentará frio intenso, mares bravios e muito gelo pelo proa. Seu
projeto é circunavegar no sentido longitudinal, contornando os polos. Era
preciso compatibilizar resistência com leveza. “Escolhi o alumínio estrudado,
obtido com moderna tecnologia, cujo processo de fabricação é semelhante ao da
máquina de fazer macarrão”, simplifica Klink. Mas a grande novidade do novo
barco é mesmo o mastro de fibra de carbono, que fica em pé sem o auxílio de
estaiamento. Um mastro comum é ligado a uma série de cabos de aço, que
distribui a força do vento pelas velas e o mantém em pé. Para ter uma ideia, o
Paratii I, usado por Klink na viagem à Antártida, tem dezessete cabos de aço e
em cada um desses cabos há dois terminais com quatro pinos cada um. Se um único
pino desses cair, o mastro desaba. O novo mastro, com tecnologia inglesa chamada
de aerorig, parece um T invertido, gira 360 graus e não é ligado a nenhum cabo
de aço. “Isso representa uma brutal facilidade para o navegador solitário”, diz
Klink. “Um barco com esse mastro pode fazer manobras radicais a poucos metros
de distância da costa. Não é preciso nem ligar o motor. Podem-se usar as velas
até o último momento.”
A data da partida de Klink ainda não
está definida (provavelmente no começo de 1999), mas o barco sairá, como
sempre, de Parati, na costa do Rio de Janeiro. Dali, o navegador segue para o
Polo Norte num percurso que poderá durar de um a dois anos. Completada a
empreitada, o próximo desafio é o grande canal da China, onde pretende passar
oito meses. Em seguida, a Antártida, que hospedará o Paratii II por oito meses,
antes do retorno ao Brasil. No total, a viagem deve durar cerca de quatro anos.
Ao contrário das vezes anteriores, Klink terá companhia nessa viagem: “Vou
levar sete cientistas comigo para realizar pesquisas e produzir documentários”,
explica.
Com reportagem de
Virginie Leite (Revista Veja, 26 nov. 1997).
Fonte: Português –
Linguagem & Participação, 6ª Série – MESQUITA, Roberto Melo/Martos, Cloder
Rivas – Ed. Saraiva, 1ª edição – 1998, p. 212-4.
Entendendo a reportagem:
01 – Qual é o tema deste
texto?
Trata-se de tema
relacionado a navegantes modernos.
02 – Qual é o aspecto das
navegações solitárias que o texto destaca?
É o grande
desenvolvimento tecnológico. Equipamentos antes pesados transformaram-se, foram
reduzidos e tiveram sua qualidade aumentada.
03 – Quais são as qualidades
humanas sempre necessárias aos navegadores.
São o amor ao desafio dos mares e a
coragem.
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