quinta-feira, 14 de abril de 2022

REPORTAGEM: TECNONAVEGANTES - SILVIO FERRAZ - REVISTA VEJA - COM GABARITO

 Reportagem: Tecnonavegantes

            Computador à prova d’água, satélites e novos materiais simplificam as expedições no mar

Silvio Ferraz, de Porto Belo

        Ao zarpar da Espanha, em 1519, com cinco naus e 267 homens, o português Fernão de Magalhães levava o que havia de mais moderno em navegação: a bússola coma rosa-dos-ventos de 360 graus. Foi tudo que precisou para a primeira expedição a dar a volta na Terra pelos oceanos. Quase cinco séculos depois, a tecnologia o distancia tanto dos navegadores de hoje quanto o 14Bis de Santos Dumont de um caça supersônico. O telefone portátil por satélite transmite voz, imagens e dados de qualquer ponto do planeta, mesmo em alto-mar e sob forte tempestade. Cartas náuticas são digitalizadas, “lidas” por computador e jogadas para uma rede de satélites, que indicam a perfeita localização do barco direto para o piloto automático. O material do mastro de um veleiro é igual ao usado nos foguetes espaciais. Todas essas novidades fazem parte de duas expedições brasileiras cujo objetivo é fechar o milênio navegando ao redor do mundo em roteiros pouco convencionais.

        Nesta semana levanta ferros na pequena enseada de Porto Belo, em Santa Catarina, o barco Avsso (perfeito, em tupi), sob o comando de Vilfredo Schurmann e sua família. A nova meta dos Schurmann é repetir a rota de Fernão de Magalhães e completa-la nos 500 anos da descoberta do Brasil, em 22 abril de 2000. Dentro de um ano e meio será a vez de Amyr Klink dar início a uma volta ao mundo contornando os polos Norte e Sul a bordo de seu novo barco, o Paratii II. Mais do que o roteiro da aventura, o que impressiona nos dois barcos é a parafernália tecnológica de última geração. De comum, mesmo, entre Magalhães e os tecnonavegantes só a coragem e o amor ao desafio dos mares.

        No barco de Klink, os avanços tecnológicos começam pelo casco – feito de alumínio especial – e vão até o mastro de fibra de carbono, material usado para fabricar os foguetes da NASA, a agência espacial americana. O novo barco, ainda em construção, terá portentosos 93 pés de comprimento (cerca de 28 metros). Planejado para enfrentar as condições mais adversas, poderá estocar alimento e fornecer água potável (por meio de dessalinizadores) par dez tripulantes durante até quatro anos, sem aportar uma ´nica vez em terra firme. Se faltar combustível, o Paratii II terá dois geradores eólicos para produzir energia. Seu custo de fabricação deixaria os reis de Espanha e Portugal, principais financiadores das grandes expedições do século XV, de cabelos arrepiados: 6 milhões de reais.

        Rede de satélites

        No caso dos Schurmann, o veterano barco que a família usou para dar a volta ao mundo durante dez anos – numa viagem concluída em 1994 – teve tudo trocado, com exceção da estrutura, um projeto francês com casco de ferro e comprimento de 55 pés (16,7 metros). O veleiro ganhou uma vestimenta tecnológica que consumiu 600.000 reais, em números redondos. Não só para navegar com mais precisão e segurança, como para transformar a viagem numa aventura virtual da qual participarão estudantes e “marinheiros” de poltrona, em todo o mundo, através da Internet. O barco é equipado com dois computadores de mesa e outros dois portáteis, ligados a um sistema de transmissão de alta potência e versatilidade. Outra vedete a bordo é o Gap – um sistema de voz e imagem para teleconferências. Tudo isso vai permitir que, durante os dois anos e meio de circunavegação, informações atualizadas sobre a viagem sejam distribuídas diariamente pela Internet.

        Quem não se recorda da Guerra do Golfo, há quase sete anos, na qual o jornalista Peter Arnett, da CNN, se celebrizou por ser o único com equipamento capaz de transmitir notícias de uma Bagdá em chamas? Arnett usava um telefone do tamanho de uma mal de viagem, pesando 20 quilos, e uma antena com o diâmetro de um guarda-sol. O barco dos Schurmann tem essa maravilha tecnológica, com uma diferença: hoje, ela pesa menos de 1 quilo e tem o tamanho de um CD player portátil. De fabricação norueguesa, o telefone pode ficar exposto às intempéries e manter a qualidade de sua transmissão mesmo em meio a um temporal – seja de voz, faz ou imagens digitalizadas. A tampa substitui o enorme guarda-sol que Arnett usava como antena. Basta ao usuário digitar um comando e uma senha para o aparelho procurar o satélite mais próximo e iniciar a transmissão. Seu custo: 34.800 dólares.

        O barco encontra-se também conectado à rede internacional de emergência Trimble: um aperto no botão vermelho é suficiente para uma rede de satélites espalhar entre barcos e navios o pedido de socorro urgente. Vários desses objetos, até há pouco privativos das Forças Armadas americanas, não podiam sequer ser cogitados para uso em veleiros em virtude de seu excessivo peso. Uma simples antena pesava 135 quilos. Os fabricantes esmeraram-se para possibilizar o convívio dessas máquinas maravilhosas e altamente sensíveis com a salinidade do meio ambiente, conseguindo tornar a maioria à prova d’água.

        Mar bravio e gelo

        Amyr Klink foi buscar o alumínio especial para seu Paratii II na França, depois de dedicada pesquisa. Afinal, o barco enfrentará frio intenso, mares bravios e muito gelo pelo proa. Seu projeto é circunavegar no sentido longitudinal, contornando os polos. Era preciso compatibilizar resistência com leveza. “Escolhi o alumínio estrudado, obtido com moderna tecnologia, cujo processo de fabricação é semelhante ao da máquina de fazer macarrão”, simplifica Klink. Mas a grande novidade do novo barco é mesmo o mastro de fibra de carbono, que fica em pé sem o auxílio de estaiamento. Um mastro comum é ligado a uma série de cabos de aço, que distribui a força do vento pelas velas e o mantém em pé. Para ter uma ideia, o Paratii I, usado por Klink na viagem à Antártida, tem dezessete cabos de aço e em cada um desses cabos há dois terminais com quatro pinos cada um. Se um único pino desses cair, o mastro desaba. O novo mastro, com tecnologia inglesa chamada de aerorig, parece um T invertido, gira 360 graus e não é ligado a nenhum cabo de aço. “Isso representa uma brutal facilidade para o navegador solitário”, diz Klink. “Um barco com esse mastro pode fazer manobras radicais a poucos metros de distância da costa. Não é preciso nem ligar o motor. Podem-se usar as velas até o último momento.”

        A data da partida de Klink ainda não está definida (provavelmente no começo de 1999), mas o barco sairá, como sempre, de Parati, na costa do Rio de Janeiro. Dali, o navegador segue para o Polo Norte num percurso que poderá durar de um a dois anos. Completada a empreitada, o próximo desafio é o grande canal da China, onde pretende passar oito meses. Em seguida, a Antártida, que hospedará o Paratii II por oito meses, antes do retorno ao Brasil. No total, a viagem deve durar cerca de quatro anos. Ao contrário das vezes anteriores, Klink terá companhia nessa viagem: “Vou levar sete cientistas comigo para realizar pesquisas e produzir documentários”, explica.

Com reportagem de Virginie Leite (Revista Veja, 26 nov. 1997).

Fonte: Português – Linguagem & Participação, 6ª Série – MESQUITA, Roberto Melo/Martos, Cloder Rivas – Ed. Saraiva, 1ª edição – 1998, p. 212-4.

Entendendo a reportagem:

01 – Qual é o tema deste texto?

      Trata-se de tema relacionado a navegantes modernos.

02 – Qual é o aspecto das navegações solitárias que o texto destaca?

      É o grande desenvolvimento tecnológico. Equipamentos antes pesados transformaram-se, foram reduzidos e tiveram sua qualidade aumentada.

03 – Quais são as qualidades humanas sempre necessárias aos navegadores.

      São o amor ao desafio dos mares e a coragem.

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