Crônica: Botecos
Luís Fernando Veríssimo
[...]
E tem a história do Nascimento, que um
dia quase brigou com o garçom porque chegou na mesa, cumprimentou a turma,
sentou, pediu um chope e depois disse:
-- E traz aí uns piriris.
-- O que? – disse o garçom.
-- Uns piriris.
-- Não tem.
-- Como, não tem?
-- “Piriris” que o senhor diz é…
-- Por amor de Deus. O nome está
dizendo. Piriris.
-- Você quer dizer – sugeriu alguém,
para acabar com o impasse – uns queijinhos, uns salaminhos…
-- Coisas pra beliscar – completou o
outro, mais científico.
Mas o Nascimento, emburrado não disse
mais nada. O garçom que entendesse como quisesse. O garçom, também emburrado,
foi e voltou trazendo o chope e três pires. Com queijinhos, salaminhos e
azeitonas. Durante alguns segundos, Nascimento e o garçom se olharam nos olhos.
Finalmente o Nascimento deu um tapa na mesa e gritou:
-- Você chama isso de piriris?
E
o garçom, no mesmo tom:
-- Não. Você chama isso de piriris!
Tiveram que acalmar os ânimos dos dois,
a gerência trocou o garçom de mesa e o Nascimento ficou lamentando a
incapacidade das pessoas de compreender as palavras mais claras. Por exemplo,
“flunfa”. Não estava claro o que era flunfa? Todos na mesa se entreolharam.
Não, não estava claro o que era flunfa.
-- A palavra está dizendo –
impacientou-se Nascimento. – Flunfa. Aquela sujeirinha que fica no umbigo. Pelo
amor de Deus!
A mãe de Freud. Porto
Alegre: L&PM, 1997. p. 61-2.
Fonte: Livro –
PORTUGUÊS: Linguagens – Willian R. Cereja/Thereza C. Magalhães – 5ª Série – 2ª
edição - Atual Editora – 2002 – p. 56-7.
Entendendo a crônica:
01 – O que Nascimento,
personagem principal dessa história, tem de diferente dos outros amigos?
Resposta pessoal
do aluno. Sugestão: Tem um vocabulário próprio, onde ele acha que as pessoas
tem obrigação de entender e saber o que significa.
02 – Afinal, o que você acha
que Nascimento chamava de piriris?
Resposta pessoal
do aluno. Sugestão: É possível que fossem azeitonas, salame e queijo, mas não
naquela quantidade ou daquele tipo, ou com aquela apresentação.
03 – Você acha que
Nascimento está tentando reformar o mundo?
Resposta pessoal
do aluno. Sugestão: Em parte sim, pois ele não aceita as regras da língua
formal.
04 – Qual o resultado do
procedimento da personagem?
Nascimento se indispõe com as pessoas,
cria mal-estar no ambiente, se mostra mal-educado e promove mal-entendidos.
Pode-se dizer que esse resultado equivale à infelicidade dele perante os
amigos.
05 – Suponha que o garçom e
os amigos de Nascimento aprendessem com ele o significado das palavras piriris e flunfa. E depois começassem a usá-las no trabalho, com outros
amigos, com os familiares, etc.
a) O que aconteceria com essas palavras?
Elas se tornariam uma gíria e, com o tempo, se todos começassem a
fala-las, talvez viessem a se integrar à língua.
b) Então, conclua: As regras que a língua segue podem mudar?
Sim, as regras podem mudar. Apesar disso, a língua é viva e está em
constante mudança, assim como as pessoas e a sociedade.
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