quarta-feira, 6 de abril de 2022

CRÔNICA: PEÇA INFANTIL - LUÍS FERNANDO VERÍSSIMO - COM GABARITO

 Crônica: Peça infantil

              Luís Fernando Veríssimo

          A professora começa a se arrepender de ter concordado (“Você é a única que tem temperamento para isso”) em dirigir a peça quando uma das fadinhas anuncia que precisa fazer xixi. É como um sinal. Todas as fadinhas decidem que precisam, urgentemente, fazer xixi.

      — Está bem, mas só as fadinhas — diz a professora.

      — E uma de cada vez! Mas as fadinhas vão em bando para o banheiro.

     — Uma de cada vez! Uma de cada vez! E você, aonde é que pensa que vai?

     — Ao banheiro.

     — Não vai não.

     — Mas tia.

     — Em primeiro lugar, o banheiro já está cheio. Em segundo lugar, você não é fadinha, é caçador. Volte para o seu lugar. Um pirata chega atrasado e com a notícia de que sua mãe não conseguiu terminar a capa. Serve a toalha?

      — Não. Você vai ser o único de capa branca. É melhor tirar o tapa-olho e ficar de anão. Vai ser um pouco engraçado, oito anões, mas tudo bem. Por que você está chorando?

      — Eu não quero ser anão.

      — Então fica de lavrador.

      — Posso ficar com o tapa-olho?

      — Pode. Um lavrador de tapa-olho. Tudo bem.

      — Tia, onde é que eu fico?

      É uma margarida.

      — Você fica ali.

      A professora se dá conta de que as margaridas estão desorganizadas.

      — Atenção, margaridas! Todas ali. Você não. Você é coelhinho.

       -  Mas o meu nome é Margarida.

     — Não interessa! Desculpe, a tia não quis gritar com você. Atenção, coelhinhos. Todos comigo. Margaridas ali, coelhinhos aqui. Lavradores daquele lado, árvores atrás. Árvore, tira o dedo do nariz. Onde é que estão as fadinhas? Que xixi mais demorado.

      — Eu vou chamar.

      — Fique onde está, lavrador. Uma das margaridas vai chamá-las.

      — Já vou.

      — Você não, Margarida! Você é coelhinho. Uma das margaridas. Você. Vá chamar as fadinhas. Piratas, fiquem quietos.

      — Tia, o que é que eu sou? Eu esqueci o que eu sou.

         — Você é o sol. Fica ali que depois a tia... Piratas, por favor! As fadinhas começaram a voltar. Com problemas. Muitas se enredaram nos seus véus e não conseguem arrumá-los. Ajudam-se mutuamente, mas no seu nervosismo só pioraram a confusão.

        — Borboletas, ajudem aqui — pede a professora. Mas as borboletas não ouvem. As borboletas estão etéreas. As borboletas fazem poses, fazem esvoaçar seus próprios véus, não ligam para o mundo. A professora, com a ajuda de um coelhinho amigo, de uma árvore e de um camponês, desembaraça os véus das fadinhas.

       — Piratas, parem. O próximo que der um pontapé vai ser anão. Desastre: quebrou uma ponta da lua.

       — Como é que você conseguiu fazer isso? — perguntou a professora sorrindo, sentindo que o seu sorriso deve parecer demente.

       — Foi ela! A acusada é uma camponesa [...] que gosta de distribuir tapas entre os seus inferiores.

       — Não tem remédio. Tira isso da cabeça e fica com os anões.

       — E a minha frase? A professora tinha esquecido. A Lua tem uma fala.

       — Quem diz a frase da Lua é, deixa eu ver... O relógio.

       — Quem?

       — O relógio. Cadê o relógio?

       — Ele não veio.

       — O quê?

       — Está com caxumba.

      — Ai, meu Deus. Sol, você vai ter que falar pela Lua. Sol, está me ouvindo?

       — Eu?

       — Você, sim senhor. Você sabe a fala da Lua?

       — Me deu uma dor de barriga.

       — Essa não é frase da Lua.

       — Me deu mesmo, tia. Tenho que ir embora.

       — Está bem, está bem. Quem diz a frase da Lua é você.

       — Mas eu sou caçador.

       — Eu sei que você é caçador! Mas diz a frase da Lua! E não quero discussão!

       — Mas eu não sei a frase da Lua.

       — Piratas, parem!

       — Piratas, parem. Certo.

       — Eu não estava falando com você. Piratas, de uma vez por todas... A camponesa [...] resolve tomar a justiça nas mãos e dá um croque num pirata. A classe é unida e avança contra a camponesa, que recua, derrubando uma árvore. As borboletas esvoaçam. Os coelhinhos estão em polvorosa. A professora grita: — Parem! Parem! A cortina vai abrir. Todos a seus lugares. Vai começar!

       — Mas, tia, e a frase da Lua?

       — “Boa noite, Sol”.

       — Boa noite.

       — Eu não estou falando com você!

       — Eu não sou mais o Sol?

       — É. Mas eu estava dizendo a frase da Lua. “Boa noite, Sol.”

       — Boa noite, Sol. Boa noite, Sol. Não vou esquecer. Boa noite, Sol...

      — Atenção, todo mundo! Piratas e anões nos bastidores. Quem fizer um barulho antes de entrar em cena, eu ... Coelhinhos nos seus lugares. Árvores, para trás. Fadinhas, aqui. Borboletas, esperem a deixa. Margaridas, no chão.

        Todos se preparam.

        — Você não, Margarida! Você é coelhinho!

        Abre o pano.

VERISSIMO, Luís Fernando. Peça infantil. In: Para Gostar de Ler Júnior. São Paulo: Ática, 2005. (Adaptado.)

Fonte: Maxi: ensino fundamental 2:multidisciplinar:6 º ao 9º ano/obra coletiva: Thais Ginicolo Cabral. 1.ed. São Paulo: Maxiprint,2019.7º ano p.68 a 71.

Entendendo o texto

01.  Releia a crônica e aponte:

a)   os personagens.

São as crianças e a professora.

b)   o espaço.

Apresenta a escola como espaço.

c)   o tempo.

O tempo é cronológico, pois os fatos acontecem em sequência.

d)   à situação inicial.

É a preparação para apresentação de uma peça na escola.

e)   o conflito.

O conflito é vivido pela professora, que se arrepende em ter concordado em dirigir a peça, já que é difícil controlar a organização das crianças.

f)     o clímax.

O clímax se mistura ao desfecho no momento em que as cortinas se abrem. Não é possível saber o resultado da apresentação da peça.

g)   o desfecho.

Não é possível saber o desfecho.

02.  O que promove o humor do texto Peça infantil?

   As várias situações provocadas pelas crianças (típicas da idade em que estão) e o fato de a professora perder o controle da turma e se desesperar minutos antes de a peça começar.

03.  Esse texto é composto por

 a) linguagem verbal.

 b) linguagem não verbal.

 c) linguagem verbal e não verbal.

   


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