Crônica: Peça infantil
Luís Fernando Veríssimo
— Está bem, mas só as fadinhas — diz a
professora.
— E
uma de cada vez! Mas as fadinhas vão em bando para o banheiro.
— Uma de cada vez! Uma de cada vez! E você,
aonde é que pensa que vai?
— Ao
banheiro.
— Não vai não.
—
Mas tia.
— Em
primeiro lugar, o banheiro já está cheio. Em segundo lugar, você não é fadinha,
é caçador. Volte para o seu lugar. Um pirata chega atrasado e com a notícia de
que sua mãe não conseguiu terminar a capa. Serve a toalha?
—
Não. Você vai ser o único de capa branca. É melhor tirar o tapa-olho e ficar de
anão. Vai ser um pouco engraçado, oito anões, mas tudo bem. Por que você está
chorando?
—
Eu não quero ser anão.
—
Então fica de lavrador.
—
Posso ficar com o tapa-olho?
—
Pode. Um lavrador de tapa-olho. Tudo bem.
—
Tia, onde é que eu fico?
É
uma margarida.
—
Você fica ali.
A
professora se dá conta de que as margaridas estão desorganizadas.
—
Atenção, margaridas! Todas ali. Você não. Você é coelhinho.
- Mas o meu nome é Margarida.
—
Não interessa! Desculpe, a tia não quis gritar com você. Atenção, coelhinhos.
Todos comigo. Margaridas ali, coelhinhos aqui. Lavradores daquele lado, árvores
atrás. Árvore, tira o dedo do nariz. Onde é que estão as fadinhas? Que xixi
mais demorado.
—
Eu vou chamar.
—
Fique onde está, lavrador. Uma das margaridas vai chamá-las.
—
Já vou.
—
Você não, Margarida! Você é coelhinho. Uma das margaridas. Você. Vá chamar as
fadinhas. Piratas, fiquem quietos.
—
Tia, o que é que eu sou? Eu esqueci o que eu sou.
— Você é o sol. Fica ali que depois a tia...
Piratas, por favor! As fadinhas começaram a voltar. Com problemas. Muitas se enredaram
nos seus véus e não conseguem arrumá-los. Ajudam-se mutuamente, mas no seu
nervosismo só pioraram a confusão.
—
Borboletas, ajudem aqui — pede a professora. Mas as borboletas não ouvem. As
borboletas estão etéreas. As borboletas fazem poses, fazem esvoaçar seus
próprios véus, não ligam para o mundo. A professora, com a ajuda de um
coelhinho amigo, de uma árvore e de um camponês, desembaraça os véus das
fadinhas.
—
Piratas, parem. O próximo que der um pontapé vai ser anão. Desastre: quebrou
uma ponta da lua.
— Como é que você conseguiu fazer isso? —
perguntou a professora sorrindo, sentindo que o seu sorriso deve parecer
demente.
—
Foi ela! A acusada é uma camponesa [...] que gosta de distribuir tapas entre os
seus inferiores.
—
Não tem remédio. Tira isso da cabeça e fica com os anões.
— E a minha frase? A professora tinha
esquecido. A Lua tem uma fala.
—
Quem diz a frase da Lua é, deixa eu ver... O relógio.
—
Quem?
—
O relógio. Cadê o relógio?
—
Ele não veio.
—
O quê?
—
Está com caxumba.
—
Ai, meu Deus. Sol, você vai ter que falar pela Lua. Sol, está me ouvindo?
— Eu?
—
Você, sim senhor. Você sabe a fala da Lua?
—
Me deu uma dor de barriga.
—
Essa não é frase da Lua.
—
Me deu mesmo, tia. Tenho que ir embora.
— Está bem, está bem. Quem diz a frase da Lua
é você.
—
Mas eu sou caçador.
—
Eu sei que você é caçador! Mas diz a frase da Lua! E não quero discussão!
—
Mas eu não sei a frase da Lua.
—
Piratas, parem!
—
Piratas, parem. Certo.
—
Eu não estava falando com você. Piratas, de uma vez por todas... A camponesa
[...] resolve tomar a justiça nas mãos e dá um croque num pirata. A classe é
unida e avança contra a camponesa, que recua, derrubando uma árvore. As
borboletas esvoaçam. Os coelhinhos estão em polvorosa. A professora grita: —
Parem! Parem! A cortina vai abrir. Todos a seus lugares. Vai começar!
—
Mas, tia, e a frase da Lua?
—
“Boa noite, Sol”.
—
Boa noite.
— Eu não estou falando com você!
—
Eu não sou mais o Sol?
—
É. Mas eu estava dizendo a frase da Lua. “Boa noite, Sol.”
—
Boa noite, Sol. Boa noite, Sol. Não vou esquecer. Boa noite, Sol...
—
Atenção, todo mundo! Piratas e anões nos bastidores. Quem fizer um barulho
antes de entrar em cena, eu ... Coelhinhos nos seus lugares. Árvores, para
trás. Fadinhas, aqui. Borboletas, esperem a deixa. Margaridas, no chão.
Todos
se preparam.
—
Você não, Margarida! Você é coelhinho!
Abre o pano.
VERISSIMO, Luís Fernando. Peça infantil. In: Para Gostar de Ler Júnior. São Paulo: Ática, 2005. (Adaptado.)
Fonte: Maxi: ensino fundamental
2:multidisciplinar:6 º ao 9º ano/obra coletiva: Thais Ginicolo Cabral. 1.ed.
São Paulo: Maxiprint,2019.7º ano p.68 a 71.
Entendendo o texto
01. Releia a crônica e aponte:
a) os
personagens.
São as crianças e a professora.
b) o
espaço.
Apresenta a escola como espaço.
c) o
tempo.
O tempo é cronológico, pois os fatos
acontecem em sequência.
d) à
situação inicial.
É a preparação para apresentação de
uma peça na escola.
e) o
conflito.
O conflito é vivido pela professora,
que se arrepende em ter concordado em dirigir a peça, já que é difícil
controlar a organização das crianças.
f) o
clímax.
O clímax se mistura ao desfecho no
momento em que as cortinas se abrem. Não é possível saber o resultado da
apresentação da peça.
g) o
desfecho.
Não é possível saber o desfecho.
02. O que
promove o humor do texto Peça infantil?
As várias situações provocadas pelas crianças (típicas da
idade em que estão) e o fato de a professora perder o controle da turma e se
desesperar minutos antes de a peça começar.
03. Esse
texto é composto por
a) linguagem verbal.
b) linguagem não verbal.
c) linguagem verbal e não verbal.
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