Conto: Medo do saci
Monteiro Lobato
Pedrinho, naqueles tempos, costumava
passar as férias no sítio de Dona Benta, onde brincava de tudo, como está nas
Reinações e na Viagem ao céu. Só não está contado o que lhe aconteceu antes da famosa
viagem ao céu, quando andava com a cabeça cheia de sacis.
A coisa foi assim. Estava ele na
varanda com os olhos no horizonte, postos lá onde aparecia o verde-escuro do
Capoeirão dos Tucanos, a mata virgem do sítio. De repente, disse:
—
Vovó, eu ando com ideias de ir caçar na mata virgem.
Dona Benta, ali na sua cadeirinha de
pernas cotós, entretida no tricô, ergueu os óculos para a testa.
— Não sabe que naquela mata há onças? —
disse com ar sério. — Certa vez uma onça-pintada veio de lá, invadiu aqui o
pasto e pegou um lindo novilho da Vaca Mocha.
— Mas eu não tenho medo de onça, vovó!
— exclamou Pedrinho fazendo o mais belo ar de desprezo.
Dona Benta riu-se de tanta coragem.
— Olhem o valentão! Quem foi que
naquela tarde entrou aqui berrando com uma ferrotoada de vespa na ponta do
nariz?
— Sim, vovó, de vespa eu tenho medo,
não nego — mas de onça, não! Se ela vier do meu lado, prego-lhe uma pelotada do
meu bodoque novo no olho esquerdo; e outra bem no meio do focinho e outra…
— Chega! — interrompeu Dona Benta, com
medo de levar também uma pelotada. — Mas além de onças existem cobras. Dizem
que até urutus há naquele mato.
— Cobra? — e Pedrinho fez outra cara de
pouco-caso ainda maior. — Cobra mata-se com um pedaço de pau, vovó. Cobra!…
Como se eu lá tivesse medo de cobra…
Dona Benta começou a admirar a coragem
do neto, mas disse ainda:
— E há aranhas-caranguejeiras, daquelas
peludas, enormes, que devoram até filhotes de passarinho.
O menino cuspiu de lado com desprezo e
esfregou o pé em cima. — Aranha mata-se assim, vovó — e seu pé parecia mesmo
estar esmagando várias aranhas-caranguejeiras.
— E também há sacis — rematou Dona
Benta.
Pedrinho calou-se. Embora nunca o
houvesse confessado a ninguém, percebia-se que tinha medo de saci. Nesse ponto
não havia nenhuma diferença entre ele, que era da cidade, e os demais meninos
nascidos e crescidos na roça. Todos tinham medo de saci, tais eram as histórias
correntes a respeito do endiabrado moleque duma perna só.
Desde esse dia ficou Pedrinho com o
saci na cabeça. Vivia falando em saci e tomando informações a respeito. Quando
consultou Tia Nastácia, a resposta da negra foi, depois de fazer o pelo-sinal e
dizer “Credo!”:
— Pois saci, Pedrinho, é uma coisa que
branco da cidade nega, diz que não há — mas há. Não existe negro velho por aí,
desses que nascem e morrem no meio do mato, que não jure ter visto saci. Nunca
vi nenhum, mas sei quem viu.
— Quem?
— O Tio Barnabé. Fale com ele. Negro
sabido está ali! Entende de todas as feitiçarias, e de saci, e de
mula-sem-cabeça, de lobisomem — de tudo
Pedrinho ficou pensativo.
[...]
Monteiro Lobato. O Saci. São
Paulo: Brasiliense, 1979.
Fonte: Português –
Palavra Aberta – 5ª série – Isabel Cabral – Atual Editora – São Paulo, 1995. p.
05-07.
Fonte da imagem:https://www.google.com/url?sa=i&url=https%3A%2F%2Fbr.pinterest.com%2Fpin%2F312578030383108389%2F&psig=AOvVaw1MSieLUCoUqws0IqfAiV5_&ust=1609165116747000&source=images&cd=vfe&ved=0CAIQjRxqFwoTCMCRxKyt7u0CFQAAAAAdAAAAABAD
Entendendo o conto:
01 – “Dona Benta, ali na sua cadeirinha de pernas cotós, entretida
no tricô, ergueu os óculos para a testa.” Responda às perguntas abaixo. Se
for preciso, consulte o dicionário.
a)
As pernas da cadeira de Dona Benta eram
longas ou curtas?
Curtas.
b)
Dona Benta estava entretida no tricô. E você, quando fica entretido? Por quê?
Resposta pessoal do aluno.
02 – “Se ela vier do meu
lado, prego-lhe uma pelotada do meu
bodoque novo no olho esquerdo [...]”.
a)
Você já viu ou já usou um bodoque? Se a
resposta for afirmativa, desenhe um bodoque em seu caderno e mostre a seus
colegas que nunca tenham visto um. Diga a eles para que serve um bodoque.
Resposta pessoal do aluno. Sugestão: Bodoque é uma estilingue, uma
atiradeira; serve para atirar coisas, como pedras.
b)
Reescreva com suas próprias palavras o trecho
destacado.
Resposta pessoal do aluno.
c)
Hoje em dia, bodoques ou estilingues não são
brinquedos comuns de se encontrar. Na sua opinião, por que os meninos não os
usam mais em suas brincadeiras? Eles foram substituídos por outras coisas? Pelo
quê?
Resposta pessoal do aluno.
03 – Pedrinho e Dona Benta
são as personagens dessa história.
a)
Onde estão as duas personagens?
Na varanda do sítio.
b)
Quem narra a história também é personagem?
Não.
04 – Pedrinho quer caçar na
mata virgem. Porém, sua avó mostra-lhe vários perigos existentes nesse local.
a)
Que perigos são esses?
Onças, cobras, aranhas e sacis.
b)
Pedrinho mostra ter medo de todos os perigos
da mata? De que ele diz não ter medo? Por quê?
Não. Não tem medo de onça, de cobra e de aranha. Acha que é fácil
feri-las ou mata-las.
c)
Você teria medo se tivesse de enfrentar
onças, cobras e aranhas? Por quê?
Resposta pessoal do aluno.
d)
Você acha que caçar animais é uma boa ideia?
Por quê?
Resposta pessoal do aluno.
05 – Observe o seguinte
trecho do texto: “— E também há sacis —
rematou Dona Benta. / Pedrinho calou-se.”. Por que Pedrinho se calou nesse
momento?
Porque ele tinha medo de saci.
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