RELATO: Sua presença em minha vida foi fundamental
Ziraldo
Engraçado, eu
não tenho um professor inesquecível. Tenho muitos professores inesquecíveis. A
primeira professora que minha memória grava não tinha carinho comigo. Botava
todos os meninos branquinhos no colo, mas a mim não. Um dia, sentei no colo
dela por minha conta e ela me botou no chão. Era uma escola particular, papai
não tinha como pagar as mensalidades, era o patrão dele quem pagava. Vai ver,
daí vinha minha falta de prestígio com a professora. Devia ter esquecido o nome
dela, mas não esqueci. Ela se chamava Dulce, mas não era nada doce.
Felizmente,
não fiquei muito tempo nessa escola, mas por cauda dela, vim vindo pela vida
curtindo uma enorme carência afetiva. Que consegui transformar em desenhos,
livros, peça de teatro, logotipos, cartazes, ilustrações – tudo a preços
baixos. (Pelo menos no início. Agora, depois da fama, a preços mais condizentes
com a fama…)
Minha segunda
professora marcante foi dona Glorinha d’Ávila, mãe do poeta e escritor mineiro
João Ettiene Filho. Ela era discípula de Helena Antipoff, que revolucionou o
ensino básico de Minas na década de 40. Dona Helena percebeu logo que não dava
pra mudar a cabeça das professoras mineiras, que tinham ainda penduradas na
parede da sala de aula as assustadoras palmatórias. Então, formou 150 jovens
idealistas e as espalhou por Minas Gerais, com a missão de mudar a escola por
dentro. Uma dessas jovens era a dona Glorinha, que, entre outras coisas
e contra a vontade das velhas professoras do Grupo Escolar e de sua
rabugenta diretora, retirou a palmatória furadinha da parede de minha classe.
Só mais tarde foi que percebi a luta de dona Glorinha. Que ela venceu.
Descobrindo – bem mais tarde – que sua presença em minha vida tinha sido
fundamental para que não a perdesse por aí. A vida, digo. Um domingo fiz a
primeira comunhão e não ganhei santinho. Na segunda-feira, ela mandou me chamar
na secretaria. “Você fez a primeira comunhão ontem, não fez?” Como é, meu Deus,
que uma pessoa adulta, tão importante, pôde prestar atenção num menininho pardo
fazendo primeira comunhão naquela catedral tão grande? (Pois minha cidadezinha
tinha catedral…) Ela aí perguntou: “Você ganhou um santinho de recordação?” Não
havia ganho, não. Aí ela abriu a gaveta, tirou um santinho lindo e escreveu uma
dedicatória onde li as palavras “brilhante” e “futuro” que, na hora, não
fizeram o menor sentido para mim. Somente um pouco mais tarde descobri que ela
sabia tudo da minha vida, vinha me observando no meio de centenas de alunos do
velho Grupo e até já havia mandado chamar meu pai para conversar…
Engraçado,
agora, remoendo essas lembranças, descubro que tive uma professora maluquinha,
sim. Foi dona Glorinha d’Ávila, tão pequenininha, tão frágil, tão bonitinha…
Fonte:
“Revista Nova Escola”, set/98, p.58.
Entendendo
o texto:
01 – A quem o escritor Ziraldo se refere
quando afirma “Sua presença em minha vida foi fundamental”? Por que ele faz a
referida afirmação?
Ziraldo se refere à professora Glorinha.
Ela exerceu fundamental importância na vida do escritor, pois o tratava com
carinho e acreditava em seu potencial, vindo a escrever “futuro” e “brilhante”
em um santinho de primeira comunhão com o qual o presenteou.
02 –
Coloque
V para as afirmações verdadeiras e F para as afirmações falsas:
(V) Helena Antipoff revolucionou o ensino básico de
Minas na década de 40.
(F) A professora Dulce era carinhosa com Ziraldo.
(V) A professora Glorinha é mãe do poeta e escritor
mineiro João Ettiene Filho.
(F) Ziraldo não teve nenhum professor inesquecível em
sua vida.
A
sequência CORRETA é:
a)
V, V, F, F.
b) F, F, V, V.
c) V, F, V, F.
d)
F, V, F, V.
03 –
Dulce
e Dona Glorinha tinham em comum o fato de serem professoras. Mas, ao
compará-las, percebemos que elas eram bastante diferentes. Por quê?
A professora Dulce
era preconceituosa, no que tange à cor da pele e à condição financeira do
Ziraldo, então seu aluno. Já a professora Glorinha era carinhosa, tratando os
alunos sem qualquer distinção.
04 –
Na
frase “Somente um pouco mais tarde
descobri que ela sabia tudo da minha vida...”, a palavra destacada
refere-se à:
a) Glorinha
b) Dulce
c)
Helena Antipof
d) diretora do
Grupo Escolar.
05 - Como você deve ter percebido, o relato foi organizado em ordem linear, ou seja, Ziraldo relatou os fatos na mesma ordem em que eles aconteceram. Reescreva os itens a seguir, que resumem o relato do escritor, ordenando-os de acordo com a sequência em que são mencionados no texto.
a) O desenhista informa que ficou pouco tempo na escola em que trabalhava a professora Dulce, porém deve ao lugar uma enorme carência afetiva, que foi positivamente transformada em obras.
b) Dona Glória foi responsável por tirar a palmatória furadinha da sala de aula do escritor.
c) Ziraldo relata que a primeira professora de quem se lembra foi negativamente marcante. Ele achava não ter muito prestígio com ela, provavelmente porque era o patrão de seu pai quem pagava a mensalidade da escola.
d) Ao remoer as lembranças, o desenhista afirma ter descoberto que dona Glorinha foi sua professora maluquinha.
e) Ziraldo conta que, na igreja, após sua primeira comunhão, ao contrário dos outros meninos, ele não recebeu um santinho de recordação.
f) A segunda professora marcante na vida do escritor foi discípula de Helena Antipoff, que revolucionou o ensino básico mineiro por se opor às palmatórias.
g) Em seu relato, Ziraldo diz ter descoberto que a presença de dona Glorinha em sua vida foi fundamental.
h) Dona Glorinha viu o descaso com Ziraldo na igreja e, no outro dia, deu-lhe um lindo santinho com uma dedicatória.
Resposta: c,a,f,b,g,e,h,d
06- Por que a primeira professora do narrador é inesquecível para ele?
Porque ela deixou marcas negativas(impressões negativas) na vida dele.
07 - A professora Helena Antipoff revolucionou o ensino básico de Minas Gerais na década de 1940.
a) Com que objetivo ela provocou essa revolução?
Com o objetivo de mudar a forma de ensinar em Minas, que ainda estava no tempo da palmatória.
b) Como ela conseguiu atingir seu objetivo?
Ela percebeu que não podia mudar nem a mentalidade nem o modo de ação dos educadores com experiência, então formou 150 jovens idealistas, que ficaram encarregadas de promover essas transformações nas escolas mineiras por dentro.
08 - Compare: em que aspectos as professoras Dulce e Glorinha se diferenciam?
Dulce, como o próprio narrador diz, não era nada doce. O texto relata fatos que permitem percebê-la como uma pessoa preconceituosa e pouca atenciosa com ele. Já Glorinha é descrita como uma pessoa inovadora, atenciosa, sensível e afetiva.
09 - O narrador, ao contar com detalhes os fatos relacionados às professoras Dulce e Glorinha, também as descreve? Justifique sua resposta.
Sim, por meio da narração dos fatos, Ziraldo também caracteriza as professoras.
10 - Qual é a contribuição dos trechos descritivos ao relato das experiências escolares do narrador?
Os trechos descritivos contribuem para que o leitor visualize mentalmente as professoras consideradas inesquecíveis para o narrador, tanto pelo lado negativo como pelo positivo.
11 - O texto lido é um relato de memória. Responda:
a) Em que foco narrativo ele foi escrito?
Foco narrativo em primeira pessoa.
b) Qual é a importância de o narrador adotar esse foco no relato de memórias?
Ao adotar a perspectiva de primeira pessoa, o narrador reforça sua participação nos acontecimentos, ou seja, passa a ideia de que, de fato, é um personagem do relato.
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