Crônica: Retrato
de velho
Carlos Drummond de Andrade
Tem horror a criança. Solenemente, faz
queixa do bisneto, que lhe sumiu com a palha de cigarro, para vingar-se de seus
ralhos intempestivos. Menino é bicho ruim, comenta. Ao chegar o avô, era terno
e até meloso, mas a idade o torna coriáceo.
No trocar de roupa, atira no chão as
peças usadas. Alguém as recolhe à cesta, para lavar.
Ele suspeita que pretendem
subtraí-las, vai à cesta, vasculha, retira o que é seu, lava-o, passa-o. Mal,
naturalmente.
– Da próxima vez que ele vier, diz a
nora, terei de fechar o registro, para evitar que ele desperdice água.
Espanta-se com os direitos concedidos
às empregadas. Onde já se viu? Isso aqui é o paraíso das criadas. A patroa
acorda cedo para despertar a cozinheira. Ele se levanta mais cedo ainda, e vai
acordar a dona de casa:
–
Acorda, sua mandriona, o dia já clareou!
As empregadas reagem contra a tirania,
despedem-se. E sem empregadas, sua presença ainda é mais terrível.
As netas adolescentes recebem amigos.
Um deles, o pintor, foi acometido de mal súbito e teve de deitar-se na cama de
uma das garotas. Indignação: Que pouca-vergonha é essa? Esse bandalho aí
conspurcando o leito de uma virgem? Ou quem sabe se nem é mais virgem?
– Vovô, o
senhor é um monstro!
E é um custo impedir que ele escaramuce
o doente para fora de casa.
– A senhora deixa suas filhas irem ao
baile sozinhas com rapazes? Diga, a senhora deixa?
– Não vão
sozinhas, vão com os rapazes.
–
Pior ainda! Muito pior! A obrigação dos pais é acompanhar as filhas a tudo quanto
é festa.
– Papai, a gente nem pode entrar lá com
as meninas. É coisa de brotos.
– É, não é? Pois me dá depressa o
chapéu para eu ir lá dizer poucas e boas!
Não se sabe o que fazer dele. Que fim
se pode dar a velhos implicantes? O jeito é guardá-lo por três meses e deixá-lo
ir para outra casa, brigado. Mais três meses, e nova mudança, nas mesmas
condições. O velho é duro:
– Vocês me deixam esbodegado, vocês são
insuportáveis! – queixa-se ao sair.
Mas volta.
– Descobri que paciência é uma
forma de amor – diz-me uma das filhas, sorrindo.
ANDRADE, Carlos
Drummond de. Retrato de velho. In A bolsa & a vida.
Rio de Janeiro, 1962.
p. 207-209.
01 – Que tipo de narrador aparece nessa crônica e em que
pessoa a narrativa se constrói?
O narrador é
observador, embora, na última frase, apareça como interlocutor. Por isso, a
narrativa é construída na 3ª pessoa.
02 – A personagem principal,
aqui, tem seu “retrato” minuciosamente feito pelo narrador. Mas ele usa de
dois procedimentos diferentes:
a) Ele
mesmo, narrador, ou outra personagem, apresenta as características do pai/sogro/avô;
Os exemplos são vários. Um deles é a fala da neta. O narrador fala
em “velho implicante”, “coriáceo”, “duro”.
b) As
atitudes e falas do velho falam por si, completam o retrato feito pelos outros.
Todas as falas dele são reveladoras. Você pode escolher. Também no
início, ele é apresentado agindo: esparramando sua roupa e depois catando-a.
03 – Embora os fatos
apresentados sejam todos passados, os verbos aparecem no presente. Que sentido
isso traz para você.
No presente,
temos a impressão de que se está montando mesmo um retrato. O presente aproxima
a cena, torna-a atual.
04 – No texto, há várias
passagem de humor. Indique pelo menos duas situações em que ele se faz
presente.
·
A cena do pintor doente e quase
expulso.
·
O diálogo sobre as moças saindo com
os rapazes.
05 - Que intenções você acredita que teve o autor,
ao escrever essa crônica?
Além de fazer
literatura, ou fazendo literatura, ele parece querer divertir o leitor.
06 – Que sentimentos das
pessoas para com esse velho ficam evidenciados nos texto?
As empregadas,
possivelmente, expressam raiva. Mas os familiares mais velhos têm paciência, os
jovens e as crianças reagem às implicâncias: uma reclama, o pequeno esconde
coisas dele.
07 – A lição primordial
passada pelo texto, diz respeito à/ao:
a) Paciência que se deve ter com os mais velhos.
b) As empregadas, muitas
vezes, abusam de seus direitos.
c) Os idosos são antiquados
e não sabem respeitar o próximo.
d) Gírias do passado ainda
devem ser utilizadas nos dias atuais.
e) Não devemos ter paciência
com os mais velhos.
08 – Relacione as palavras
grifadas com a definição dada entre parênteses e indique a alternativa errada:
a) “para vingar-se de seus
ralhos intempestivos.” (=inoportuno)
b) “Esse bandalho aí conspurcando
o leito de uma virgem?” (=Corrompendo)
c) “Ele suspeita
que pretendem subtraí-las...” (=lavar)
d) “E é um custo impedir que
ele escaramuce o doente para fora de casa.” (=retire)
e) “– Vocês me deixam esbodegado,
vocês são insuportáveis!” (Tornar uma bodega/bagunça).
quais são as caracteristicas do avô pressenciado na crônica
ResponderExcluirDe um velho implicante, coriace é duro.
Excluirfaltou a 9)Circule no texto 10 verbos e reescreva nas linhas abaixo:
ResponderExcluirA linguagem utilizada na fala do velho é uma linguagem atual? Justifique com trechos do texto.
ResponderExcluirdepois de te lido a crônica de Carlos Drummond de Andrade, agora é sua vez de fazer um resumo. resumir é conter o essencial em cada parágrafo, retirando aquelas palavras desnecessárias ao contexto do texto
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